O final da semana foi marcado pela troca de acusações entre Luís Campos e Cunha, que foi durante quatro meses ministro das Finanças do primeiro governo de José Sócrates (2005-2009) e o ex-primeiro-ministro. Campos e Cunha foi um dos nomes ouvidos pelo Parlamento no âmbito da comissão parlamentar de inquérito à gestão da CGD e foi nesse fórum que revelou ter sido pressionado para demitir a administração da Caixa Geral de Depósitos existente à época do seu curto mandato. "A relação com a CGD não teve um período de maturidade suficiente, porque estive apenas quatro meses no Governo. Desde o início, como ministro das Finanças, fui pressionado pelo primeiro-ministro [José Sócrates] para demitir o presidente da CGD e a administração da CGD", afirmou na quinta-feira feira.

Esta sexta-feira, José Sócrates reagiu e desmentiu Luís Campos e Cunha. "Há anos que o Dr. Campos e Cunha aproveita os quatro meses da sua passagem pelo Governo para atacar os seus antigos colegas. Considero tal comportamento desprezível e sempre o ignorei por não querer quebrar a regra que sigo de não comentar a vida interna do Governo a que presidi", acusou.

José Sócrates acrescentou ainda que "quanto às razões da sua exoneração do cargo de ministro das Finanças, eu e todo o Governo da altura as conhecemos".

Mas afinal o que aconteceu entre Luís Campos e Cunha, a Caixa Geral de Depósitos e o Governo de José Sócrates durante os quatro meses em que exerceu o cargo de ministro das Finanças?

Fomos recuperar os factos dessa época, com particular destaque para as semanas que precederam o pedido de demissão de Luís Campos e Cunha e a demissão da administração da Caixa Geral de Depósitos, então liderada por Vítor Martins. O presidente do banco público seria exonerado uma semana após a saída de Campos Cunha e substituído por Carlos Santos Ferreira, um nome já escolhido pelo novo ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, numa administração que também passou a contar com Armando Vara.

A 20 de fevereiro de 2005, o partido socialista liderado por José Sócrates ganha as eleições legislativas com 45% dos votos, derrotando o PSD então liderado por Pedro Santana Lopes. São umas eleições que acontecem na sequência da dissolução do Parlamento decidida pelo presidente Jorge Sampaio e que levaria à queda do Governo de Pedro Santana Lopes, “herdado” de Durão Barroso que em 2004 deixava funções executivas em Portugal para se tornar presidente da Comissão Europeia.

Depois da vitória eleitoral, Jorge Sampaio chama Sócrates a formar Governo a 24 de fevereiro de 2005 e o executivo socialista toma posse a 12 de março. Luís Campos e Cunha integra a equipa inicial.

No caso do ministro das Finanças será sol de pouca dura, já que a 21 de julho sai do Governo, a seu pedido, alegando motivos pessoais, familiares e cansaço.

Mas, até essa data, alguma água correu debaixo da ponte, sobretudo nas últimas semanas de mandato.

A 4 de junho, Luís Campos e Cunha, convocou de surpresa uma conferência de imprensa sem avançar qual o motivo do encontro com os jornalistas. Foi na mesma semana que a estação de televisão TVI e o semanário O Independente revelaram que acumulava o salário de membro do Governo com uma reforma que recebia por ter sido vice-governador do Banco de Portugal durante seis anos. Uma notícia que surgiu uma semana depois do Governo ter anunciado uma série de medidas para combater o défice, incluindo o aumento de impostos, o alargamento da idade da reforma na Função Pública e o fim das reformas antecipadas.

A notícia da acumulação da reforma do ministro provocou uma onda de críticas dos partidos da oposição, o que levou José Sócrates a manifestar a sua solidariedade com Campos e Cunha, criticando o que classificou de “campanha de assassinato de carácter”.

Na véspera, o Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV) tinha desafiado o primeiro-ministro a responder se considerava “justa e moral” a acumulação de reforma e vencimento do ministro das Finanças, em requerimento entregue no Parlamento. “Considera o Governo justa e moral a acumulação de reforma e vencimento do sr. ministro de Estado e das Finanças, face a todas as medidas de sacrifício que está a pedir aos portugueses para combater o défice?”, referia o requerimento.

A notícia divulgada pela TVI e pelo semanário O Independente revelava que o ministro das Finanças acumulava 6.759 euros mensais de vencimento como governante com uma reforma superior a 114.000 euros anuais, que obteve depois de seis anos consecutivos como vice- governador do Banco de Portugal. "Quero exprimir a minha solidariedade ao ministro das Finanças, que é um homem sério e muito competente, e quero que fique bem claro que não serão campanhas como esta, que visam o assassinato de caráter, que nos afastarão do nosso caminho", reiterou José Sócrates.

A 29 junho, Campos e Cunha falou sobre a Caixa Geral de Depósitos no Parlamento, respondendo ao deputado comunista Honório Novo sobre a possibilidade de voltar a colocar o fundo de pensões dos trabalhadores da CGD no próprio banco público, retirando-o da Caixa Geral de Aposentações, anulando a operação feita em 2004. Luís Campos e Cunha disse que essa revisão “seria uma irresponsabilidade” e afastou a hipótese de tal acontecer.

O então ministro das Finanças lembrou que Bruxelas tinha aprovado a operação de transferir o fundo de pensões da CGD no valor de cerca de três mil milhões de euros para a CGA, pelo que fazer a operação inversa obrigaria a registar uma perda extraordinária que agravaria o défice de 2004.

A 20 julho, o Presidente da República Jorge Sampaio aceitou a exoneração do ministro de Estado e das Finanças, Campos e Cunha, e a sua substituição por Fernando Teixeira dos Santos, que tomou posse no dia seguinte. Conforme já referido, a Campos e Cunha foram atribuídas razões relacionadas com motivos pessoais, familiares e cansaço.

A sua saída do Governo foi lamentada pelos representantes patronais. O presidente da Associação Empresarial Portuguesa (AEP), Ludgero Marques, lamentou a demissão de Luís Campos e Cunha “num momento difícil para o país” e fez votos para que o novo ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, se mantivesse rigoroso em todas as suas ações. A Associação Industrial Portuguesa (AIP) também fez uma apreciação positiva do trabalho realizado por Campos e Cunha, que considerou ter desenvolvido uma política financeira de rigor e o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), José António Silva, disse mesmo que a demissão fragilizava o Governo e condicionava o novo ministro.

Já na CGD, serenidade era o que transparecia para o exterior. O presidente do banco público, Vítor Martins, afirmou acreditar na continuação da relação de confiança existente entre a instituição e o acionista Estado e escusou-se a fazer comentários políticos sobre a demissão de Campos e Cunha. Vítor Martins disse então que apenas lhe competia “gerir uma instituição numa relação de confiança com o acionista”. “Essa relação de confiança tem existido e tenho a certeza que vai continuar a existir com o novo ministro”, defendeu.

Uma expectativa que os factos não vieram a confirmar. Poucos dias depois, a 1 de agosto, o novo ministro das Finanças anunciou a recomposição dos órgãos sociais da Caixa Geral de Depósitos, substituindo Vítor Martins, por Carlos dos Santos Ferreira, apresentado como “um gestor com larga experiência em grandes grupos empresariais e do setor financeiro” que transitou da direção da seguradora Fidelidade Mundial para a CGD.

Vítor Martins abandonava assim a presidência do grupo que dirigiu desde setembro de 2004, quando foi chamado a substituir António de Sousa e Luís Mira Amaral, que eram respetivamente presidente do conselho de administração e presidente da comissão executiva, segundo o anterior modelo de gestão da CGD. Com Santos Ferreira entrou também na administração da Caixa Armando Vara, que tinha sido secretário de Estado da Administração Interna no Governo de António Guterres, tendo saído do Executivo aquando da polémica acerca da fundação para a Prevenção e Segurança.

Manteve-se no cargo Celeste Cardona, ex-ministra da Justiça no Governo PSD/PP, cuja nomeação para vogal da CGD tinha também gerado críticas. Além da mudança de composição, o conselho de administração foi então reduzido de 11 para nove elementos, com várias saídas e entradas. Além de Vítor Martins, saíram da CGD o vice-presidente João Freixa, bem como os vogais António Vila Cova, Luís Alves Monteiro e Gracinda Raposo.

Segundo Teixeira dos Santos, citado no comunicado emitido então pelo Ministério das Finanças “uma liderança forte e uma relação com o acionista Estado assente na transparência, sindicabilidade e confiança são condições essenciais”. “Nos últimos meses, todavia, uma série de eventos e notícias a eles associados fragilizaram, objetivamente, a imagem interna e externa da atual administração bem como a relação de confiança que deveria existir entre ela e o acionista”, afirmava o ministro. “Face a esta situação, tornou-se imperioso criar condições que permitam à CGD prosseguir com firmeza a sua estratégia”.

Do PSD ao Bloco de Esquerda, choveram críticas da oposição.

Luís Marques Mendes, que era à época presidente do PSD, classificou a substituição de quatro membros da administração da Caixa Geral de Depósitos como um “ato descarado de saneamento político”. Em declarações ao Diário Económico, o líder do principal partido da oposição considerou que “esta decisão só se explica por uma vontade insaciável de controlar todos os centros de poder”, adiantando que “estando em causa a Caixa Geral de Depósitos e a sua relevância no sistema financeiro português, a decisão assume uma particular gravidade”.

O Bloco de Esquerda também não poupou críticas e considerou que as alterações na administração da CGD constituíam “um pagamento de favores partidários”, tendo entregado um pedido oficial de explicações ao ministro das Finanças. “O Bloco de Esquerda manifesta a sua indignação pela utilização desta empresa de capitais públicos para o pagamento de favores partidários”, referia num comunicado em que solicitava ao ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, “cabais esclarecimentos sobre a nomeação de Armando Vara e toda a política de nomeações e contratações de administradores”. “Não só não é do conhecimento público nenhuma experiência profissional relevante de Armando Vara na administração bancária, como o governo, a remodelar a administração da CGD, deveria anteceder essa decisão com uma explicação pública da sua estratégia para o banco do Estado”, lia-se no documento.

E o CDS-PP juntou a sua voz à restante oposição. O presidente do CDS-PP, José Ribeiro e Castro, exigiu a Teixeira dos Santos, que explicasse “com mais clareza” as mudanças na administração da Caixa.  “É desejável que seja um pouco mais preciso e claro, nomeadamente face a algumas dúvidas que hoje são levantadas na imprensa, dando conta que a mudança pode ter a ver com o financiamento do plano de investimentos anunciados pelo Governo”, afirmou Ribeiro e Castro.

Foram assim os dias imediatamente anteriores e posteriores à saída de Luís Campos e Cunha do Governo de José Sócrates. Dias turbulentos que voltaram a ser recordados esta semana tendo como motivo uma mesma discussão: a gestão da Caixa Geral de Depósitos, a estratégia do banco público e as responsabilidades políticas em todo o processo.

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