O projeto de investigação ReSEt (Restauro de sapais estuarinos com vista à sustentabilidade) saiu dos laboratórios universitários para o terreno em 2019 e, recentemente, deu origem a um ‘bootcamp’ (campo de trabalho ao ar livre), reunindo, para além dos cientistas, alunos de mestrado e doutoramento da área de ecologia das duas universidades e que a agência Lusa acompanhou.

“Quando há crianças na lama, estão a brincar. Quando há adultos, são cientistas a trabalhar”, resumiu, com uma gargalhada, Skyler Suhrer, aluna norte-americana do Mestrado Internacional em Ecologia Aplicada, cujo plano de curso se divide entre as Universidades de Coimbra (UC) e de Kiel, no norte da Alemanha.

Enquanto troca impressões com Tiago Verdelhos, coordenador do ReSEt, a norte-americana, de quase 30 anos - nascida na Califórnia e residente em Seattle, na costa noroeste dos EUA, junto à fronteira canadiana - não deixa esconder o entusiasmo por ter escolhido o curso que a trouxe, uma manhã, para a margem direita do Mondego “à chuva e na lama”.

“Como dizia um antigo colega meu, um dia bom no escritório ainda não é melhor do que um dia menos bom no campo”, asseverou Skyler Suhrer, destacando que embora os estudantes de mestrado e doutoramento não soubessem “muito bem o que esperar” quando foram desafiados a integrar o ‘bootcamp’, a possibilidade de participarem ativamente na experiência científica “faz toda a diferença”.

“Quando há crianças na lama, estão a brincar. Quando há adultos, são cientistas a trabalhar”

Carlos Gonçalves, aluno de doutoramento em Biologia e Ecologia das Alterações Globais na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, é da Figueira da Foz e tem já alguma experiência sobre o estuário do Mondego, depois de ter estagiado no MAREFOZ - o laboratório do programa MARE da Universidade de Coimbra, instalado na margem sul do rio há pouco mais de cinco anos – onde também foi o primeiro bolseiro de investigação do ReSEt.

“O meu trabalho no doutoramento é dar continuidade a este projeto”, explicou Carlos Gonçalves, adiantando que a investigação que decorre em quatro células experimentais construídas com técnicas de ecoengenharia – uma paliçada de madeira, uma tela de geotêxtil, sacos de geotêxtil com areia e uma zona de transplante de plantas autóctones - na margem do Mondego, junto à localidade de Vila Verde, “é desafiante”.

“Nós já estamos habituados, mas é sempre um desafio. É isto que torna interessante o trabalho. Não estar sempre no escritório, de vez em quando sair e estar na lama, mesmo”, afirmou.

O estudante de doutoramento notou, por outro lado, que a UC (onde concluiu a licenciatura em Biologia e o mestrado em Ecologia) “já estuda o estuário do Mondego há décadas” e, desse modo, os alunos universitários de Coimbra “têm algum conhecimento, não só da dinâmica do estuário, das comunidades de fauna e flora, mas também do hidrodinamismo e de todo um conjunto de aspetos que são cada vez mais importantes de perceber devido às alterações climáticas”.

À agência Lusa, Tiago Verdelhos, coordenador do ReSEt e investigador do MAREFOZ, destacou as “vantagens” de ter alunos de mestrado “de áreas um pouco diferentes” dentro da ecologia a efetuar trabalho de campo no âmbito do projeto de investigação.

“Penso que nenhum deles tinha feito este tipo de trabalho, estar aqui neste contexto. Aquilo que pretendemos com este ‘bootcamp’ foi trazer à nossa realidade os alunos interessados e pô-los a fazer o trabalho do projeto. Não estamos só a ensiná-los, não estamos só a mostrar-lhes a nossa realidade, estão a colaborar connosco”, disse Tiago Verdelhos.

Nos dois dias que durou o ‘bootcamp’, os alunos participaram em campanhas de amostragem e recolha de dados, tendo previamente recebido alguma formação teórica sobre o ReSEt.

“No fundo, o que queríamos era esta parte prática, o contacto real destes alunos com o nosso trabalho no terreno”, afiançou.

Paliçadas de madeira são solução viável para proteger sapais no Mondego

A proteção e conservação de sapais no estuário do Mondego tem na instalação de paliçadas de madeira uma das soluções mais viáveis, revelam resultados preliminares de um projeto científico coordenado pela Universidade de Coimbra (UC).

De acordo com dados avançados à agência Lusa por Tiago Verdelhos, coordenador do projeto ReSEt (Restauro de sapais estuarinos com vista à sustentabilidade), que testa quatro soluções distintas para obstar ao risco de desaparecimento dos sapais face às alterações climáticas, a instalação de estacas de madeira destaca-se nos resultados obtidos na acumulação de sedimentos, no impacto na paisagem e na viabilidade económica.

Embora Tiago Verdelhos avise que os dados obtidos relativos à acumulação de sedimentos “precisarão de ser confirmados com o decorrer do tempo, para ver se no longo prazo a resposta é similar”, os resultados preliminares apontam a maior taxa de sedimentação na célula de sacos de geotêxtil com areia, seguida da de estacas de madeira, daquela onde está instalado o tecido geotêxtil “preso nas estacas” e da zona de plantas, que possui uma acreção “ligeira” de sedimentos.

Os investigadores possuem ainda uma chamada “célula de controlo”, sem nenhuma estrutura ou plantas, onde, em alguns meses, há acumulação de sedimentos e noutros vai erodindo, ficando a ideia, no total, de “que haverá ali alguma erosão”, frisou o investigador.

Já na análise realizada envolvendo quer o custo de cada técnica, quer a sua instalação, manutenções necessárias e retirada do local, mas também o próprio impacte ambiental, a solução “mais adequada e mais prática de aplicar é a solução das estacas de madeira”, disse Tiago Verdelhos.

“Porque é uma solução que fica mais barata, o custo não é tão elevado, a sua aplicação requer algum trabalho, mas não é muito complicado e, depois, todo o impacto visual ou ambiental que pode ter é mais reduzido. E as estacas de madeira removem-se com alguma facilidade”, sublinhou.

Embora a célula de sacos de geotêxtil com areia “funcione, depois de instalados não saem do sítio” e tenha apresentado “as maiores taxas de sedimentação”, os problemas estão relacionados com a instalação e remoção, que requer a intervenção de maquinaria pesada e por ser “a mais cara de todas”, pois a instalação da célula custou “quase dez vezes mais do que as estacas de madeira”.

Já a tela geotêxtil, se é de instalação fácil, é igualmente “um material caro, quase cinco vezes mais do que as estacas de madeira”, e a célula “tem apresentado alguns problemas, já necessitou de manutenção por duas ou três vezes”, explicou o investigador.

“Temos um resultado e depois temos de analisar vários fatores. Ou seja, para instalações deste género, de pequena e média dimensão, parece-nos que utilizar estacas de madeira é uma solução mais interessante do que as outras”, observou Tiago Verdelhos.

Para além da questão dos sapais estuarinos, ameaçados de desaparecimento com a subida do nível do mar, o projeto científico inclui ainda uma investigação sobre a possibilidade da proteção e conservação da fauna autóctone do estuário do Mondego, utilizando um tanque de aquacultura como viveiro.

A ideia, cujos dados obtidos ainda terão de ser avaliados, passou por deixar entrar a água do estuário, capturando peixes e crustáceos no tanque e, posteriormente, aferir da sua quantidade e diversidade.

O projeto ReSEt reúne 15 investigadores do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente das universidades de Coimbra (MARE-UC) e de Lisboa (MARE-UL), e do Instituto para a Sustentabilidade e Inovação em Engenharia Estrutural (ISISE) e do Departamento de Ciências da Terra da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UC.