Façamos um exercício: tivesse Portugal registado o número de casos hoje revelado — 26.867 infeções, o mais alto desde o início da pandemia — há um ano, e não só teríamos sido submetidos talvez às mais estritas medidas de combate possíveis, como o número de mortes atingiria patamares horríveis, para não dizer pior.
Vejamos a diferença abismal que distam estes 365 dias: se a 29 de dezembro de 2020 foram divulgados “apenas” 3.336 casos — o boom, recordemos, só chegaria em janeiro deste ano — e 74 óbitos, hoje, apesar do número de infeções ser oito vezes maior, foram registadas 12 mortes. Ou seja, valores de mortalidade seis vezes mais baixos, e o número de internamentos também é amplamente diferente, muito pior há um ano do que agora.
É indubitável que a vacinação teve um papel fundamental na redução da letalidade da pandemia, mas será só isso? A incógnita que cada vez mais domina a discussão é se estaremos num ponto de inflexão derradeiro quanto à covid-19 com a chegada da variante Ómicron, já dominante em Portugal.
É cada vez mais consensual que esta nova variante é muito mais transmissível — foram hoje batidos recordes nos EUA, na França, na Dinamarca e no Reino Unido, para citar alguns exemplos —, mas menos mortal que a Delta, segundo os estudos que vão surgindo.
Onde é que isto nos deixa? Há países que estão a avançar com a redução dos dias de isolamento após deteção de um caso positivo. Espanha passou de 10 para sete dias, tal como a Argentina, mas só para quem tem a vacinação completa. Já os EUA reduziram essa margem para cinco dias, justificando que as pessoas infetadas por esta variante são mais contagiosas dois dias antes e três dias depois de desenvolverem sintomas e tentando que os períodos de quarentena reduzam ao mínimo a resultante carência de trabalhadores.
Outros países vão mais longe ainda. Fazendo recordar a desastrosa estratégia da imunidade de grupo que o Reino Unido e a Suécia implementaram no início da pandemia, Israel considera agora promover um "modelo de contágio em massa" perante a aparente menor letalidade da Ómicron. Terão razão? Teremos de ver. Para já, as autoridades israelitas justificam a opção com o facto de haver apenas 88 doentes graves em todo o país, números que se mantêm estáveis em comparação com as últimas semanas. Além disso, o país prepara-se para ser o primeiro a aplicar uma quarta dose de vacinação.
E por cá? Dada a elevada cobertura da vacinação, a redução do período de isolamento tornou-se naturalmente tema em Portugal — hoje, a Ordem dos Médicos pediu para que passasse para sete dias. A Madeira, por sua vez, chegou-se à frente e, granjeando autonomia para aplicar medidas de saúde próprias, já fez saber que o isolamento de infetados assintomáticos e de contactos passa para cinco dias. Além disso, infetados vacinados com a terceira dose já não precisam de fazer quarentena, desde que usem máscara nos 10 dias seguintes e que façam um teste ao quinto.
O resto do país mantém-se em suspenso. Os Açores estão a considerar seguir pelo mesmo caminho e o poder central prepara-se para tomar uma decisão. O Governo, pela voz do Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, remeteu para a DGS essa responsabilidade. Esta, por sua vez, "está a avaliar tecnicamente" a questão da redução do período de isolamento e amanhã apresenta uma resposta oficial.
Isto, todavia, não é motivo para respirarmos de alívio, pelo menos para já. Primeiro, porque apesar da menor mortalidade, a transmissão em massa mantém-se Em segundo, a explosão de casos está a sobrecarregar a resposta dos sistemas de saúde. O problema não está tanto na pressão sobre as camas disponíveis para internamentos, mas nas urgências, com um assomo de casos suspeitos a chegar. A consequência é que os hospitais arriscam deixar de conseguir responder a todas as pessoas que chegam.
A alimentar esta subida está também a incapacidade de outros serviços de dar resposta, como a Linha SNS24, que tem atingido recordes de chamada e forçou os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde a avançar para a formatação e contratação de 750 novos profissionais.
Segundo Xavier Barreto, vogal da direção da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, 30% a 40% da procura que os hospitais têm tido nos últimos dias são de casos não urgentes, particularmente de doentes com covid-19, muitos deles para fazer o teste. “Não faz sentido que as urgências estejam sobrelotadas com estes doentes, que deviam ter tido um outro tipo de resposta e infelizmente não tiveram”, lamentou.
“Ano novo, vida nova”, costuma dizer-se, e 2022 nos dirá se é desta que a Covid-19 sai das nossas vidas.
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