O parlamento aprovou esta sexta-feira o novo artigo da despenalização da morte medicamente assistida. A maioria dos deputados do PS, além de o BE, PAN, PEV e IL, as duas deputadas não-inscritas e alguns deputados do PSD votaram a favor do novo decreto.

Lei foi novamente aprovada com 138 votos a favor, 84 contra e 5 abstenções.

É a segunda vez num espaço de nove meses que tal acontece. A bola está agora do lado de Marcelo Rebelo de Sousa, a quem cabe a decisão de vetar, promulgar ou enviar (novamente) o texto para o Tribunal Constitucional.

O sentido dos votos 

Votaram contra esta nova versão do decreto, que acolheu várias propostas de alteração para expurgar as inconstitucionalidades da lei inicial vetada pelo Presidente da República, as bancadas do PCP, do CDS-PP, o deputado único do Chega.

No PSD, a bancada voltou a dividir-se, mas maioria votou contra, 62 no total, enquanto 13 a favor, entre eles o líder do partido, Rui Rio, tendo-se abstido três parlamentares sociais-democratas.

No PS, uma larga maioria votou a favor da lei, mas sete deputados votaram contra, entre os quais Ascenso Simões e José Luís Carneiro, registando-se ainda duas abstenções.

Do total dos 230 deputados que compõem a Assembleia da República, estiveram presentes 227, dos quais 138 votaram a favor, 84 contra e cinco abstiveram-se.

Votam contra, pelo PS, sete deputados: José Luís Carneiro (secretário-geral adjunto do PS), Ascenso Simões, Pedro Cegonho, Joaquim Barreto, Cristina Sousa, Romualda Fernandes e Maria da Graça Reis. Na bancada socialista, abstiveram-se Nuno Fazenda e João Azevedo.

Pelo PSD, bancada em que existiu liberdade de voto, a maioria votou contra, mas 13 deputados votaram a favor: Rui Rio, Catarina Rocha Ferreira, Isabel Meirelles, Cristóvão Norte, Sofia Matos, Pedro Pinto, Hugo Carvalho, Mónica Quintela, André Coelho Lima, Margarida Balseiro Lopes, Maló de Abreu, Duarte Marques e Rui Silva.

Registaram-se três abstenções na bancada social-democrata: o líder parlamentar Adão Silva - que em janeiro votou a favor, mas foi muito crítico deste agendamento “à 25.ª hora” -, e as deputadas Ofélia Ramos e Lina Lopes.

A votação de hoje ao decreto que regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e que altera o Código Penal foi o culminar de um processo de reapreciação parlamentar do diploma, na sequência do veto por inconstitucionalidade do Presidente da República, que devolveu à Assembleia da República.

Como é que chegámos aqui: o veto de Marcelo e o Chumbo do Constitucional

O Tribunal Constitucional (TC) chumbou em março, por uma maioria de sete juízes contra cinco, a lei sobre a morte medicamente assistida, em resposta a um pedido de fiscalização preventiva feito pelo Presidente da República.

No acórdão, o TC apontou a "imprecisão" do conceito de "lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico", afirmando que "não permite delimitar, com o indispensável rigor, as situações de vida em que pode ser aplicado".

Conhecido este desfecho, Marcelo Rebelo de Sousa vetou no próprio dia o diploma do parlamento por inconstitucionalidade. Isto porque a constituição determina que, perante uma declaração de inconstitucionalidade pelo TC, o diploma deverá ser vetado pelo Presidente da República e devolvido, neste caso, ao parlamento, que poderá reformulá-lo — foi essa nova versão, alterada, que hoje foi novamente aprovada.

As alterações 

Em início de setembro, o deputado do BE José Manuel Pureza defendeu que a nova versão da legislação da despenalização da morte medicamente assistida foi feita com "todo o rigor" e "minúcia jurídica" para superar "os obstáculos levantados pelo Tribunal Constitucional". Segundo esta proposta, subscrita por todos os partidos com projeto sobre o tema, é incluído um artigo, que passa a ser o primeiro da lei, intitulado "definições".

Ao longo deste artigo é feita uma clarificação de conceitos, o primeiro dos quais precisamente o da morte medicamente assistida, segundo o qual esta "ocorre por decisão da própria pessoa, em exercício do seu direito fundamental à autodeterminação e livre desenvolvimento da personalidade, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde".

São ainda definidos os conceitos de suicídio medicamente assistido, a "autodeterminação de fármacos letais pelo próprio doente, sob supervisão médica", e ainda de eutanásia, a "administração de fármacos letais, pelo médico ou profissional de saúde devidamente habilitado para o efeito".

Doença grave ou incurável, lesão definitiva de gravidade extrema — conceito que o Tribunal Constitucional tinha considerado impreciso — sofrimento, médico orientador e médico especialista são os outros conceitos clarificados no diploma.

Por lesão definitiva de gravidade extrema passa a entender-se, segundo a proposta, uma "lesão grave, definitiva e amplamente incapacitante que coloca a pessoa em situação de dependência de terceiro ou de apoio tecnológico para a realização das atividades elementares da vida diária", acrescentando ainda que existe "certeza ou probabilidade muito elevada de que tais limitações venham a persistir no tempo sem possibilidade de cura ou de melhoria significativa".

O sofrimento é descrito como "um sofrimento físico, psicológico e espiritual, decorrente de doença grave ou incurável ou de lesão definitiva de gravidade extrema, com grande intensidade, persistente, continuado ou permanente e considerado intolerável pela própria pessoa".

Outra das alterações propostas pelos deputados é no artigo 2.º — que agora passa a chamar-se apenas "morte medicamente assistida não punível" e não "antecipação da morte medicamente assistida não punível" como no decreto inicial — sendo incluídos dois novos pontos:

  • Um deles refere que "a morte medicamente assistida ocorre em conformidade com a vontade e a decisão da própria pessoa", que se encontre em lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave ou incurável.
  • Outro dos pontos clarifica que a morte medicamente assistida pode ocorrer por suicídio medicamente assistido ou eutanásia.

Com Lusa