“Sinceramente sou contra a ideia de um exército único, não me parece que seja uma coisa positiva”, disse Rangel à Lusa após o debate com a chanceler alemã, Angela Merkel, sobre o Futuro da Europa.

Merkel defendeu hoje em Estrasburgo que a cooperação militar na UE “é muito boa”, mas que a Europa deve “trabalhar na visão de um dia criar um verdadeiro exército europeu”, que pode ser “um bom complemento à NATO”.

O eurodeputado considerou que, uma vez que Merkel falou de um exército “num esquema complementar à NATO”, o mesmo pode ser alcançado com a criação de “um mercado europeu de defesa”, assente em “sinergias em termos de produção de material, não apenas de armamento”, mas “material que pode interessar às forças de proteção civil ou à guarda costeira”.

“É preciso mais [cooperação], mas não é preciso um exército único e Portugal não deve aceitar isso”, insistiu.

“Para mim, enquanto português e enquanto europeu, é fundamental mantermos a parceria transatlântica”, acrescentou, recusando reações ao menor interesse do Presidente norte-americano, Donald Trump, na NATO porque “os EUA voltarão naturalmente à sua matriz original”.

Em termos globais, considerou o eurodeputado social-democrata, a intervenção de Merkel foi “muito moderada, muito comprometida com o projeto europeu” e “trouxe boas notícias” sobre a reforma da zona euro, ao dizer que vai apresentar, com o Presidente francês, Emmanuel Macron, “um plano para completar não apenas a união bancária, como também o sistema de garantia de depósitos”.

Questionado sobre o fim próximo da liderança política da chanceler na Alemanha, uma vez que anunciou que não se recandidata à liderança da CDU, Paulo Rangel considerou esse afastamento “saudável em democracia”, mas admitiu que Merkel, “na política europeia, pode ainda vir a jogar um papel mais tarde”, frisando contudo que tudo depende da situação política alemã e de o Governo de Merkel se manter, ou não, no poder nos próximos meses.

Expressão exército europeu é "infeliz”

“A ideia de um exército europeu como uma ideia final é excessiva e não adequada”, disse o eurodeputado socialista Carlos Zorrinho à Lusa em Estrasburgo, após o debate com a chanceler alemã, Angela Merkel, sobre o Futuro da Europa no Parlamento Europeu.

“Mas a ideia de que a paz no mundo, onde foi possível, foi mantida pelo equilíbrio entre as grandes potências e que pode haver aqui algum risco de algum desequilíbrio pelo menor empenho dos EUA na defesa do espaço europeu, [torna] necessário corrigir e restabelecer esse equilíbrio e a forma de o fazer pode e deve ser através da cooperação”, disse.

Em alternativa, considerou Zorrinho, essa cooperação “pode ser aumentada” e deve sê-lo numa “lógica de rede, mantendo a autonomia soberana de cada um dos países” numa Europa que “é uma Europa das Nações”.

“A cooperação deve ir avançando, passo a passo, e deve chegar ao nível necessário, alguma coisa que se chame uma defesa conjunta e segurança conjunta. Não tem necessariamente, e acho que a designação não é feliz, que se chamar exército europeu”, acrescentou.

Carlos Zorrinho considerou por outro lado que, globalmente, o discurso de Merkel “não fugiu do padrão esperado”: o de “uma europeísta convicta e uma defensora dos valores europeus” que está associado a “uma prática que é muito marcada pelos interesses da Alemanha, não conseguindo descolar da ideia, evidente, de que o interesse Alemanha é o interesse da UE”.

“A solidariedade, a liberdade a tolerância […], no momento chave, quando traduzidas na prática, são travadas por uma arquitetura da zona euro que é incompleta, que cria uma vantagem objetiva para a Alemanha, que tem um superavit e uma moeda mais competitiva, mas não deu nenhuma abertura a um reforço do orçamento europeu, fundamental para compensar estas assimetrias”, disse.

"Andamos a alimentar as prioridades da economia alemã há bastante tempo"

“A minha posição relativamente à criação de um exército europeu, independentemente do discurso da chanceler alemã, é de oposição total. Eu creio que não há nenhuma necessidade construída, é apenas uma desculpa para alimentar uma indústria, a do armamento, que alimenta as exportações de muitos países da União Europeia, em particular da Alemanha e da França”, notou a eurodeputada do Bloco de Esquerda, Marisa Matias.

“Nós andamos basicamente a alimentar aquelas que são as prioridades da economia alemã há bastante tempo e é por isso que há países deficitários e a Alemanha tem excedente comercial. Já andamos a fazer a política alemã há tempo de mais, já o sentimos em Portugal de forma bastante dura”, lembrou.

Para a eurodeputada do BE, enquanto a líder da CDU permanecer à frente do Governo alemão, o mote será “Angela Merkel sonha, as instituições fazem, a obra nasce”. E não me parece que seja um caminho de grande futuro da UE se continuar assim”, completou.

Instada a comentar a insistência da chanceler da Alemanha no uso da palavra solidariedade, que repetiu dez vezes no seu discurso, Marisa Matias argumentou que “não há nenhuma tradução de solidariedade” no Quadro Financeiro Plurianual da UE para o período 2021-2027.

“Solidariedade não rima com cortes na coesão, não rima com cortes em políticas que significam alguma convergência, como a Política Agrícola Comum, e com o aumento das [verbas para] políticas que têm mais a ver com concorrência. Ela pode repetir solidariedade várias vezes, mas creio que a solidariedade a que a chanceler aqui se refere e que também refere nas instituições europeias é aquela que mais serve aos interesses da Alemanha como motor da Europa”, criticou.

A eurodeputada bloquista, que será a cabeça de lista do seu partido às eleições europeias de maio, sublinhou ainda a antítese da solidariedade inscrita no terceiro pilar da União Bancária.

“Sabemos que a União Bancária não ficou completa por causa do fundo de garantia de depósitos, que nunca foi aceite e que supostamente seria um instrumento comum que nos permitiria salvaguardar os depósitos acima dos 100 mil euros em caso de uma nova crise financeira. O que ela falou hoje foi apresentar uma proposta para o fundo de garantia de depósitos, tendo em conta que os riscos são muito diferentes de país para país, ou seja, vamos pagar cada um o seu”, analisou.

Marisa Matias concluiu dizendo que nem tudo o que a chanceler alemã fez na Europa foi mau, ressalvando, contudo, não poder estar “mais em desacordo com aquilo que tem sido a linha política e económica de Ângela Merkel”.

“Creio que qualquer chanceler alemão ou chanceler alemã poderá continuar nesta linha política, porque os tratados foram alterados de maneira a permitir que a Alemanha tenha o domínio”, concluiu.

Angela Merkel apresentou hoje ao Parlamento Europeu a sua visão do futuro da Europa, no 12.º de um ciclo de debates com chefes de Estado e de Governo iniciado em janeiro e que contou com a participação do primeiro-ministro português, António Costa, em março.


Notícia atualizada às 19:48