Eduardo Ferreira tem 75 anos, João Pereira 20. O primeiro é militante há mais de cinco décadas, o segundo há menos de um ano. Ao SAPO24 falam sobre a sua militância e juntam a sua voz à de mais quatro camaradas.

O nome de Eduardo foi-nos sugerido por outra militante (Rita Governo, a ler mais abaixo), o de João pelo PCP. No primeiro caso a conversa é pontuada por largas gargalhadas, o segundo é mais reservado e curto na resposta.

Eduardo tinha a idade de João quando começou a participar em algumas tertúlias, "onde se faziam leituras e se tentava obter livros que eram difíceis de encontrar". Até que um dia um amigo fez-lhe a proposta de integrar o partido. Aceitou. "A minha militância começou por volta de 1968", diz-nos.

"Fui desenvolvendo a minha atividade até à minha prisão em 28 de julho de 1971. Estive 18 meses encarcerado em Caxias e saí a 28 de janeiro de 1973. À data trabalhava numa empresa de exportação e fabrico de pimentão. Um dos donos da empresa foi minha testemunha de defesa no plenário. Na altura ser testemunha de defesa no Tribunal Plenário de Lisboa era um ato louvável".

A certa altura, e por motivos profissionais, depois da empresa onde trabalhava ter fechado portas e de ter iniciado a sua própria atividade em sociedade com outros, Eduardo pediu que as suas responsabilidades de militância fossem aligeiradas. O afastamento foi apenas de um ano e meio, mas o comunista compara-o às saudades de quem está deslocado da sua terra. "É como termos nascido no Alentejo e termos necessidade de ir ao local onde passámos a nossa infância. Sentia falta do contacto entre camaradas, dos encontros", recorda o lisboeta, que chegou a fazer parte da assembleia de freguesia do Beato.

A viver em Lisboa, mas de Castelo Branco, o estudante de psicologia ainda não tem a bagagem do seu camarada. A sua militância passa "muito pela presença junto dos estudantes e nas Faculdades". Já tinha "atividade na JCP" e filiou-se para “ajudar” o partido e "contribuir na luta".

A luta

O que é, afinal, "a luta". "É fazer parte da solução, é construir o futuro, todos os dias,  perante as adversidades que nos vão surgindo. É não ficar a ver passar”, explica Rita Governo, 31 anos, de Vila Franca de Xira.

Como João, também Rita passou primeiro pela JCP. Daí que lhe seja mais fácil explicar porquê de se juntar à juventude comunista.

"O partido surgiu quase como o caminho lógico e de continuidade de intervenção. Filiei-me na JCP quando despertei com mais seriedade para as coisas que aconteciam à minha volta, na altura ainda na escola e quando era federada em atletismo. Coincidiu com as eleições ao Parlamento Europeu, a primeira campanha que acompanhei de perto. Apesar de começar a militar no partido em 2012, até 2017 a minha organização de referência continuou a ser a JCP".

Rita é psicóloga numa IPSS. "Estou organizada na célula do meu local de trabalho, é lá que faço a minha intervenção. Ao longo destes anos já passei por outros coletivos, já estive organizada de várias formas e em várias organizações".  Mas houve um momento em que tudo fez mais sentido.

"Acabei o curso em 2012, na altura da Troika e do Governo de Passos Coelho. Fiquei desempregada durante muito tempo e lembrar-me desse tempo dá-me medo. Se até ali sabia o que ia fazer, porque estava a estudar, a partir daquele momento tudo parecia incerto. Ligavas a televisão e ouvias o primeiro-ministro a mandar-nos emigrar... Nessa altura já estava organizada no partido e lembro-me de ter intervenção contra esse estado de coisas. [A militância] era o que me fazia saber que essa situação não iria ser para sempre. Pode parecer pouco relevante mas, naquela altura, saber que estava a fazer parte de uma solução teve uma importância bastante grande. Sabia que o nosso trabalho iria trazer-nos dias melhores, e trouxe. Valorizo muito o papel que o partido teve no derrube daquele Governo de direita e na construção de uma realidade que, não sendo perfeita, e estando muito longe de responder a todas as nossas necessidades, foi uma lufada de ar fresco para muita gente".

O partido

"Porque é que se trata o PCP por ‘o partido’?". Esta foi uma das várias questões que colocámos a todos os militantes. Eduardo prefere tratar por "nosso partido", já João responde que "somos todos o partido", "cada militante, cada amigo, é o partido".

Rita vai mais longe: "Se puderes tratar um partido por tu, esse partido é o PCP. Porque os restantes representam uma realidade distante, que não é a minha. Esses partidos têm um nome completo. O PCP é 'o' partido".

"A presença do partido é tão importante na vida das pessoas que é uma entidade. O partido é tudo, é a luta, é o processo histórico que nos conduziu aqui. É tempo, um tempo que está para lá do nosso tempo real de vida. A provar isso são os seus 100 anos de vida", acrescenta Luís Garcia, militante desde a queda do Muro de Berlim, quando tinha tinha 29-30 anos.

Maria de Los Ángeles, do Bombarral, explica de outra forma. "Porque é o partido da classe operária. Se queremos falar do partido dos trabalhadores, o PCP é 'o' partido", diz a professora de 63 anos, militante há cerca de 30.

Simpatizantes do Partido Comunista Português (PCP) gritam palavras de ordem durante o comício de encerramento da 41ª edição da Festa do Avante, no Seixal. Imagem de António Cotrim / Lusa com edição de Rodrigo Mendes / MadreMedia.

Dos jovens, de futuro

O PCP é um partido dos jovens?

"Apesar dos 100 anos, o PCP continua tão atual como nunca", atira o militante mais jovem deste grupo. "É um partido de futuro, por isso é um partido dos jovens", corrobora Rita. "É por isso que comemora o centenário; se fosse um partido de velhos já tinha terminado", brinca Eduardo.

Mas nem todos concordam na totalidade, e a professora do Bombarral contrapõe. "Deveria ser um partido de mais jovens. Neste momento não podemos dizer que é o partido dos jovens. Os seus militantes são maioritariamente gente mais envelhecida, gente que passou mais pelo Estado Novo e que tem ainda muito presente o que foi a luta pelos direitos da liberdade e da democracia. A juventude está mais distante, embora seja um partido com muitos jovens. Mas, de facto, deveria conseguir ter um peso muito maior na juventude".

Não é um tema que mereça mais discussão, ainda que esta aconteça dentro do PCP, por vezes até da "forma mais violenta". "As grandes discussões que já tive foram sempre dentro do partido", diz-nos Fausto Neves, docente e investigador na Universidade de Aveiro e militante desde 1977, quando tinha 20 anos.

"Estou muito mais à vontade para discutir seja o que for dentro do partido do que fora", continua. Fausto Neves integrou a Assembleia Municipal de Espinho como vogal efetivo durante dois mandatos, foi cabeça de lista à Câmara nas autárquicas de 2005, 2009 e 2013 e 2017, e integrou por três vezes as listas da CDU pelo Círculo Eleitoral de Aveiro à Assembleia da República.

"No partido discute-se muito violentamente tudo o que se tem a discutir, mas depois quando se chega a uma conclusão, essa conclusão é para cumprir por todos. O que se chama de centralismo democrático e que na verdade todos os partidos têm. A grande diferença é que no PCP a discussão vem das bases", diz o militante de Espinho, que é ainda membro da direção da Organização Regional de Aveiro.

As bases

"Todas as coisas que se discutem no partido começam a discutir-se nas bases. É isso que é o centralismo democrático. Começa nas bases, discute-se nas bases e vai sendo transformada até chegar aos organismos centrais, que as aplica", continua Maria de Los Ángeles, que hoje é militante de base, mas já fez parte dos organismos concelhios e regionais e já foi vereadora e deputada da Assembleia Municipal do Bombarral.

O jovem de Castelo Branco completa: "Toda a gente dentro do partido tem voz. Todas as decisões tomadas são tomadas pelo coletivo. Cada um dá a sua opinião, a sua realidade. Cada um conta pelo que passa e pelo que já passou. A partir dessa discussão é que são tomadas as decisões".

"A partir do momento em que chegamos a um resultado é esse resultado que defendemos. Isso faz com que provavelmente digamos todos a mesma coisa. Mas isso é sinal da saúde do partido e da nossa capacidade de organização, não é de mais nada", continua Rita.

"Grande parte da população não conhece a forma como que os comunistas se organizam e discutem coletivamente os assuntos do partido. Tudo isto leva a que se tenha construído a ideia da tal cassete", remata Eduardo.

O discurso

"Já antes do 25 de Abril se dizia a cassete quando se falava dos comunistas", lembra Eduardo. E o que, afinal, a cassete?

"É um discurso supostamente repetitivo, que de repetitivo não tem nada", diz a militante do Bombarral. “É uma forma que quem não é ou não gosta do partido encontrou para classificar um discurso que tem de ser forçosamente repetitivo", acrescenta o militante de Évora.

"Enquanto não se alcançar uma sociedade sem classes, é difícil de dizer de uma forma sempre diferente uma coisa que tem a mesma natureza: que é a necessidade de acabar a exploração do homem pelo homem”, conclui Luís Garcia.

Fausto Neves compara a expressão à da Geringonça, "algo que foi inventado para nos insultar". "A cassete acaba por ser uma coisa muito interessante num tempo em que as pessoas se vendem por muito pouco e mudam de opinião todos os dias", ironiza.

Os camaradas

Na história do partido, com que militante se identifica mais? "Não tenho uma resposta para isso. Ao longo da vida fui conhecendo muitas pessoas com quem fui aprendendo, já aprendi muito com quem é militante há menos ou ao mesmo tempo do que eu", responde Rita Governo.

O programador cultural de Évora também se diz identificar "com muitos", mas destaca dois: João Ferreira, porque "tem uma forma de estar que marcará as gerações dirigentes futuras", e Jerónimo de Sousa, "por toda a sua vida e pela sua postura".

Eduardo Ferreira e Fausto Neves evocam Álvaro Cunhal. E por falar no histórico comunista, Maria de Los Ángeles conta como teve o "o seu batismo de fogo" com uma das figuras mais marcantes do partido.

Era a primeira vez que a professora do Bombarral se candidatava a um órgão autárquico pelo partido, mais concretamente à junta de freguesia da sua área, da Roliça. "Na altura era Secretário-Geral o Álvaro Cunhal. Antes das eleições fez uma volta pelo distrito de Leiria e passou por aqui. Quando chega, cumprimenta toda a gente e antes de fazer a sua intervenção pergunta quem era o candidato. 'Então é ela a falar', disse. O meu batismo de fogo foi com o Álvaro Cunhal nas minhas costas a dizer-me para falar", recorda.

Apesar desta história, a militante do oeste prefere não destacar figuras, diz que se "identifica com os princípios partido", "não propriamente com os militantes". Porque, acrescenta, no PCP "não há chefes, não há seguidismo, há luta coletiva”.

Militantes PCP reagem após a intervenção do secretário-geral do partido, Jerónimo de Sousa (ausente na foto), durante o almoço comemorativo do 98.º aniversário do PCP, no Pavilhão do Clube de Pessoal da Siderurgia Nacional. Imagem de António Pedro Santos / Lusa com edição de Rodrigo Mendes / MadreMedia.

Militantes, sempre

Dos seis que ouvimos, nenhum ponderou alguma vez desvincular-se do partido. O "não" surgiu prontamente em todas as respostas. A militante do Bombarral foi a única que desenvolveu a resposta. "Tal como entrei pelo meu pé, exatamente porque me identificava, no dia em que não me identificar saio pelo meu pé. Se isso acontecer [discordar e quiser sair], a porta está aberta", atirou.

Depois de alguns contactos prévios com outros militantes, que também mostraram disponibilidade para colaborar com o presente artigo, mas não sem antes informar a sua organização, perguntámos aqueles com chegámos à conversa se também o teriam feito.

“Não, porque não achei que fosse necessário. Estou a falar como militante não em nome do partido”, respondeu Maria de Los Ángeles.

Luís Garcia também respondeu no mesmo sentido. "Falei como militante e não em nome do PCP", disse.

Já Fausto Neves disse ter informado o partido, mas por um acaso, "calhou o tema vir noutra conversa". "Mas para mim seria perfeitamente aceitável que informasse [deliberadamente]. Somos vítimas de tantas rasteiras foleiras, que se não seria estranho se dissesse: 'Olha, fui abordado". Nunca somos abordados para nada e desconfiamos um bocadinho. Já levámos muita pancada [da comunicação social]", explica.

Também Rita Governo o fez. "É a nossa forma de funcionamento", defende.

"Vou dar o exemplo de uma coisa que outro dia me fez rir. A Mariana Vieira da Silva [ministra da Presidência] foi falar a uma conferência da Juventude Socialista enquanto Mariana e não enquanto militante do PS. E eu ri-me, porque isso não é possível. Nós somos o que somos sempre, eu sou militante do PCP sempre. Em todas as esferas da vida e em todo o que faço. Estando a falar sobre o partido, estou de alguma forma a falar pelo partido. Não fazia sentido sentido fazê-lo sem informar a organização".