Para os politólogos António Costa Pinto (Instituto de Ciências Sociais) e André Azevedo Alves (Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica), ouvidos pela agência Lusa, há um antes e um depois do incêndio de Pedrógão Grande que vitimou 64 pessoas e do roubo de material de guerra da base militar de Tancos (Santarém).

Apesar de ser ainda cedo para determinar os efeitos que estes dois acontecimentos terão, a longo prazo, no Governo, os politólogos acreditam que vão contaminar o debate do Estado da Nação, marcado para quarta-feira à tarde na Assembleia da República.

"Até Pedrógão Grande e Tancos é relativamente fácil: nós temos o Governo socialista que este ano continua a conseguir fazer duas coisas improváveis que são aproveitar a recuperação económica e a melhoria das relações com Bruxelas, mantendo a estabilidade fundamental com os seus parceiros de acordo parlamentar", referiu António Costa Pinto.

Para o politólogo do Instituto de Ciências Sociais, "a contaminação por estes fatores conjunturais não vai permitir ao Governo no debate do Estado da Nação fazer um balanço - ainda que vá ser essa a sua tentativa - sobre a recuperação económica".

Já André Azevedo Alves considerou que "é ainda muito cedo e, portanto, há efeitos que não é possível medir já" destes dois acontecimentos, sendo apesar disso certo que "as posições da ministra da Administração Interna e do ministro da Defesa estão muitíssimo enfraquecidas".

"Mas o mais relevante é que a dimensão sem precedentes da tragédia, juntamente com a gravidade do roubo de armamento de guerra em Tancos, deixam muitas questões em aberto, e são daqueles raros casos de problemas nos quais há uma clara implicação dos pilares fundamentais do Estado, tendo por isso potencial para se constituírem como fatores de desgaste a médio e longo prazo", anteviu.

Para lá dos casos de Pedrógão Grande e Tancos, António Costa Pinto realçou que os estudos apontavam até agora para "uma recuperação eleitoral do PS sem grandes danos eleitorais para os partidos que os apoiam".

"Sobretudo o PSD demonstrou ao longo da sessão legislativa grandes problemas - como quase sempre acontece - em conseguir suster uma oposição que possa ser alternativa e seja percecionada como tal", defendeu, avisando que "quanto mais tempo esta solução governativa de mantiver estável, maior é o potencial para crises no interior do PSD".

Para André Azevedo Alves "há uma conjugação de fatores" que justificava a estabilidade do Governo: "a habilidade política de António Costa, o efeito indireto de silenciamento e apagamento do BE e do PCP que a solução acabou por ter, o apoio do Presidente da República e o estado da oposição".

"O CDS pelas dificuldades de afirmação da nova líder até ao momento. O PSD pela inabilidade, que tem sido largamente reconhecido que a oposição não tem sido eficaz, provavelmente porque Passos Coelho e o seu círculo mais próximo apostava, como muitos analistas, numa queda rápida do Governo", concretizou.

Também sobre a importância e centralidade do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ambos os politólogos estão de acordo.

António Costa Pinto é perentório ao afirmar que o chefe de Estado se "transformou no eixo semipresidencial" e "é e será até às próximas eleições o elemento decisivo da vida política portuguesa".

"Marcelo Rebelo de Sousa transformou-se ao longo desta legislatura no principal elemento de confiança, mas também no principal elemento de desconfiança dos partidos políticos em Portugal porque está nas mãos do Presidente da República, de uma forma bem mais clara, apoiar, estabilizar ou provocar alterações ao nível eleitoral, perante a eventualidade de uma crise", destacou.

Recordando que o próprio Presidente da República se assumiu como "um aliado precioso da estabilidade desta solução governativa", André Azevedo Alves disse que Marcelo Rebelo de Sousa tem tido um "papel quase de amparar o Governo em momentos de maior dificuldade, realçando números bons, desvalorizando números maus".