A TAP está a pagar um prémio de cerca de 10% do salário base a pilotos e tripulação que aceitem voar nas suas folgas ou períodos de férias. Em causa podem estar regras de segurança de voo. Sindicatos dizem que é prática comum, supervisor diz que desconhece.

A situação foi inicialmente descrita por Garcia Pereira, que numa entrevista diz ter feito uma participação à Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC), sem que tenha havido qualquer consequência.

O Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC) confirmou ao Sapo24 a denúncia. "Este tipo de retribuição é paga para aliciar os pilotos a alterarem o seu planeamento e saírem de casa para irem fazer voos" que, de outra forma, "a empresa cancelaria", "o que provocaria enormes prejuízos". E explica que, neste casos, a companhia devia chamar "pilotos de assistência, que não existem".

De resto, apesar de desconhecer se o mesmo sistema existe para "outras categorias profissionais", o SPAC garante que "é prática da indústria".

A Autoridade Nacional da Aviação Civil sublinha que "a prestação de trabalho, em dias de folga ou dias de férias, é expressamente proibida, caso viole os tempos de descanso previstos para os tripulantes, incluindo os pilotos". E acrescenta que "a ANAC não foi notificada sobre esta prática da empresa".

No entanto, o regulador admite que "tem vindo a receber queixas de diversas associações representantes dos profissionais em relação à TAP, designadamente quanto à interpretação e aplicação das regras aplicáveis aos tempos de voo".

O regime geral do tempo de trabalho está previsto no Código do Trabalho e também na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia: "Todos os trabalhadores têm direito a uma limitação da duração máxima do trabalho e a períodos de descanso diário e semanal, bem como a um período anual de férias pagas”. Mas, devido às características específicas da actividade, pilotos e pessoal de voo têm um regime próprio (legislação comunitária e legislação nacional), que tem em conta, por exemplo, a gestão de diferentes fusos horários, os turnos (diários e noturnos) ou a realização de voos sucessivos, que podem levar à acumulação de fadiga e ter consequências na segurança operacional.

Por este motivo, os próprios pilotos estão obrigados a denunciar más práticas. E o supervisor garante que "a ANAC faz auditorias não anunciadas para verificar os requisitos FTL e não se tem verificado a existência de não conformidades".

Segundo o SPAC, "não é suposto o recurso a este expediente para dotar os voos de pilotos". Isto "acontece quando há picos de operação ou para colmatar uma parte dos requisitos por sazonalidade", já que "se contratasse mais pilotos, ficaria mais caro à empresa". Para o sindicato, "com este tipo de previsão a empresa poupa muito dinheiro".

Apesar de em março deste ano, ainda na administração de Christine Ourmières-Widener, a TAP antecipar para 2023 uma procura ligeiramente acima dos níveis históricos de antes da pandemia, o número de voos ainda não terá ultrapassado o de 2019, altura em que a companhia tinha 105 aviões, contra os atuais 99 (sem contar com o outsourcing).

A TAP não respondeu às nossas perguntas até à hora de publicação deste artigo. Não sabemos, por isso, o número de pilotos de que a companhia dispõe atualmente, o valor pago da remuneração extra a pilotos ou tão pouco a frequência do recurso a leasing e aos chamados ACMI, acordos que implicam a contratação fora de aeronave, tripulação, manutenção e seguro.

O SPAC, por seu turno, "não tem métricas sobre o número de horas extraordinárias efetuadas por piloto". Garante que tem feito "grande pressão" para que "o recurso a esta forma de trabalho seja o menor possível e, a haver, que seja distribuído com transparência e justiça".

No processo, mesmo sem dar a cara, há quem defenda que, aparentemente, a segurança fica para segundo plano, já que o que está em causa, afinal, são interesses divergentes entre companhia e trabalhadores. De um lado, a TAP, a organização interna e a necessidade de controlar os custos. Do outro, os pilotos, a defesa de melhores salários e mais regalias. Isto numa altura em que está a ser negociado o novo acordo de empresa, suspenso com a pandemia.