"Sem essas pessoas, não poderíamos comer", afirma John, um britânico que, como muitos outros, sobrevive graças ao apoio do banco alimentar. Numa altura em que está em jogo a escolha do próximo chefe de Governo do Reino Unido, para muitos o combate à pobreza é um tema quase mais contundente do que o Brexit.

John é um nome fictício. O homem, que prefere não dar o seu nome verdadeiro, vive em Slough, uma cidade a oeste de Londres, próxima do Castelo de Windsor, uma das residências da rainha Isabel II.

O seu caso ilustra a extrema dificuldade em que muitas pessoas vivem no Reino Unido após uma década de austeridade.

Serviços como o banco alimentar a que John recorre numa igreja batista no bairro onde vive têm registado um grande fluxo de pessoas a pedir ajuda. A associação Trussel Trust, que gere 1.200 destes serviços, incluindo o de Slough, distribuiu um recorde de 823.145 kits entre abril e setembro. Cada um dos kits permite alimentar uma pessoa durante três dias.

Em Slough, a distribuição aumentou 29% em relação ao ano anterior, impulsionada pela forte procura dos trabalhadores que não conseguem chegar ao final do mês sem esta ajuda.

A “negação” de uma realidade aos olhos de todos

"O que me parece ridículo é que ninguém" entre os responsáveis políticos "fala sobre problemas reais, como saúde mental, pobreza e toxicodependência, entre a população que tem menos dinheiro", lamenta John, ele próprio ex-toxicodepedente.

As associações humanitárias têm alertado para as consequências para os mais pobres das políticas de austeridade aplicadas na última década.

Um relator da ONU acusou ainda no ano passado o Governo britânico de "negação" do aumento das desigualdades, tendo vindo a cortar sistematicamente os apoios sociais.

O comité independente britânico Social Metrics Commission considera que a pobreza afetou 14,3 milhões de pessoas no país em 2017-2018, um quinto da população total. Entre eles, há 4,6 milhões de crianças.

“O poder de compra das famílias foi afetado pelas mudanças nos apoios sociais, pelo aumento do custo de vida, em particular pelo valor das rendas", afirmou Judith Cavanagh, da associação de luta contra a pobreza infantil End Poverty Child.

“As famílias precisam de fazer sacrifícios em relação à comida, à roupa e às condições de habitação", afirma.

Ao mesmo tempo, os sem-abrigo têm aumentado, representando um quinto daqueles que recorrem aos bancos alimentares.

A crise habitacional e os sem-abrigo: A expressão mais extrema da pobreza

Em 2017, cerca de 171 mil famílias ou indivíduos dormiam nas ruas, em carros, em autocarros ou em abrigos de emergência, de acordo com um estudo da associação Crisis.

Segundo Jasmine Basran, da associação, o Reino Unido sofre uma "crise“ que requer ação imediata. A instituição está a pressionar o próximo governo para aumentar os apoios sociais e construir mais habitações acessíveis.

"O problema dos sem-abrigo é a expressão mais extrema da pobreza", considera Basran.

"As pessoas devem receber a ajuda de que necessitam para viver”, sem precisar de recorrer a um banco alimentar, afirma a responsável.

John, que vive num lar temporário depois de ter morado na rua, não se está convencido de que as eleições mudem as coisas para os mais desfavorecidos.

"Acho que a política é puro absurdo. Precisamos de alguém mais realista e que tenha vivido nas ruas de Londres, que tenha passado pela pobreza. É preciso passar por isso para uma pessoa se dar conta", desabafa John.