Agora aposentado, António de Almeida Gonçalves Mouro, de 80 anos, chegou com apenas 14 ao Brasil, na companhia de um irmão e da mãe, para os três se juntarem ao pai, que já se fixara em São Caetano do Sul, arredores de São Paulo.
Da aldeia natal, Lombo Meão, no município de Vagos, distrito de Aveiro, guarda "boas memórias", reproduzindo os pregões de mulheres que outrora colhiam camarinhas nos matagais da beira-mar que depois carregavam em cestas para vender pelas ruas.
“No Brasil, dediquei-me a diversos serviços, incluindo lidar com máquinas de pré-moldar sutiãs. Moldavam o bojo que depois se costurava, só que a minha máquina, essa, já deixava o sutiã pronto”, salientou António Mouro.
"Um trambolho mal feito”
O primeiro destes engenhos que conheceu, quando trabalhava numa fábrica de roupa interior feminina, em São Paulo, “veio dos Estados Unidos, mas era um trambolho mal feito”.
“Por um acidente de percurso, descobri que faltava na máquina um controlador de temperatura adequado. Acabou aí o problema das máquinas de moldar no Brasil”, regozijou-se.
As resistências queimavam-se frequentemente por sobreaquecimento. “Passei então a levar os moldes para a fundição já com a resistência embutida. E aí não se queima mais, só se houver um defeito na peça”, explicou António Mouro.
Com o passar do tempo, o emigrante foi aprofundando os conhecimentos. “E, assim, lancei alguma coisa com a especialidade de António Mouro”, recordou o antigo fabricante.
“Havia na época muita dificuldade em tecnologia, a que existia era alemã. Aprendi muito com um amigo tecelão e passei a usar essa experiência para que o sutiã moldado fosse aceite no Brasil”, disse.
A história do sutiã
Sucedâneo do primitivo espartilho, o sutiã como o conhecemos atualmente foi patenteado nos Estados Unidos há 110 anos, por Caresse Crosby, que usou a peça íntima numa festa em Nova Iorque, em 1914.
Porém, o primeiro sutiã com bojo e aro só surgiria entre 1930 e 1940, permitindo evidenciar o busto da mulher.
Em 1958, o navio argentino “Corrientes”, em que o jovem Mouro viajou de Portugal com os familiares, atracou no maior porto da América Latina, em Santos, estado de São Paulo.
“Fiquei em São Caetano do Sul com os meus pais, mas depois de casar passei para Santo André, no ABC”, afirmou o serralheiro criativo.
Para os brasileiros, ABC, na área metropolitana de São Paulo, é o conjunto urbano formado por três municípios: Santo André (A), São Bernardo do Campo (B) e São Caetano do Sul (C).
“Hoje, estou radicado no litoral de São Paulo. A nossa casa de lazer passou a definitiva”, disse António Mouro, que vive há vários anos com a mulher, Luzia Mouro, em Boracéia, município de Bertioga, a escassos 150 metros do mar.
A praia de Boracéia está situada junto a Rio Silveira, uma aldeia guarani que em junho firmou um acordo de geminação cultural com as Silveiras, dois antigos lugares agropastoris da Serra da Lousã, em Portugal.
“Tinha muita dificuldade em montar as máquinas lá no ABC, onde não existia espaço adequado, até que resolvi mudar definitivamente e aqui instalei uma oficina”, referiu, enquanto Luzia Mouro relatava as visitas que uma família de macacos faz todas as manhãs ao seu quintal, em busca de bananas e outros alimentos.
Uma loja de São Paulo, especializada em equipamentos do ramo das confeções, era o principal distribuidor dessas máquinas, melhoradas graças ao espírito inovador do português António Mouro.
“Fiz uma parceria com eles, até que resolvi parar definitivamente e passei a tecnologia para essa loja”, concluiu.
António e Luzia, filha de mãe brasileira e pai português oriundo da Madeira, tiveram dois filhos e já visitaram Portugal 10 vezes.
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