“Acreditamos que Portugal pode ter uma presidência muito bem-sucedida. Não apenas tendo em consideração a experiência das anteriores presidências portuguesas, mas porque Portugal é um Estado-membro da UE de pequena-média dimensão e pode assumir a função de um mediador honesto, não possui uma agenda oculta”, referiu em entrevista à Lusa Nikos Christodoulides.

O governante cipriota, de 47 anos, manteve na quarta-feira em Lisboa conversações com o seu homólogo português, Augusto Santos Silva, e quando Portugal passou a assumir a presidência semestral do Conselho Europeu da União Europeia (UE).

Em termos de prioridades, o ministro cipriota definiu como principais objetivos da presidência portuguesa o combate à pandemia do novo coronavírus e as medidas para enfrentar as consequências sociais e económicas da pandemia.

“Nestes tempos de desafios o principal objetivo da presidência portuguesa será na forma como combater o coronavírus, mas também a forma de enfrentar as consequências sociais e económicas da pandemia. É um grande desafio para a UE, e acredito que a presidência portuguesa será bem-sucedida nestas áreas”, assinalou o diplomata de carreira e que assume a pasta dos Negócios Estrangeiros desde março de 2018 no Governo da República de Chipre dirigido pela União Democrática (DISY, liberal-conservador) do Presidente Nikos Anastasiades.

Numa referência à situação em Chipre motivada pela pandemia de covid-19, o ministro considerou o atual cenário “muito desafiante” e revelou que na próxima sexta-feira, o conselho de ministros do seu país “anunciará novas medidas que vão limitar muitas atividades da população para enfrentar estes tempos de grandes desafios”.

Nikos Christodoulides frisou que, em plena presidência portuguesa da UE, a pandemia irá revelar “sérios problemas económicos e sociais” em todos os Estados-membros.

“É o momento para a UE intervir e demonstrar a sua liderança não apenas na abordagem da pandemia, mas também face a todos os problemas económicos e sociais”, insistiu.

Perante a atual situação, em que o surto pandémico continua sem controlo, o chefe da diplomacia de Nicósia indicou que outro dos objetivos prioritários da presidência portuguesa consiste na “conclusão do plano [de recuperação e resiliência] para que os Estados-membros garantam o financiamento necessário para enfrentar a consequências económicas e sociais da pandemia”.

Numa referência à situação na República de Chipre, definiu-a como “difícil”, e adiantou: “Estamos na segunda vaga, como tem sido afirmado, já foram iniciadas as vacinas, vai levar algum tempo, mas até ao momento a situação é muito dura”.

“O turismo foi seriamente afetado com uma redução de 91% na última estação turística devido à pandemia, e que implica grandes desafios para a nossa economia. Mas de momento, a nossa prioridade é a saúde da população”, salientou.

Questão de Chipre seria resolvida “numa semana” sem interferência turca

A Turquia permanece o principal obstáculo para uma solução negociada do problema de Chipre, que poderia ser resolvido entre cipriotas gregos e cipriotas turcos sem interferências de Ancara, disse à Lusa o chefe da diplomacia de Nicósia.

“Se apenas dependesse dos cipriotas gregos e cipriotas turcos, o problema de Chipre poderia ser resolvido numa semana. O problema é a Turquia, e a forma como aborda o problema de Chipre”, indicou Nikos Christodoulides.

“[A Turquia] apenas observa os seus direitos, e não os direitos dos cipriotas turcos para a resolução do problema. Não se trata de uma questão bicomunal, não é uma questão entre cipriotas gregos e cipriotas turcos, é uma questão com a Turquia, que invadiu ilegalmente e ainda hoje ocupa 37% da República de Chipre”, indicou.

Nas eleições presidenciais de outubro passado na autoproclamada República Turca de Chipre do Norte (RTCN, apenas reconhecida pela Turquia) Ersin Tatar, o candidato apoiado por Ancara, venceu o escrutínio por curta margem face ao dirigente cessante, Mustafa Akinci, e defende a solução de “dois Estados” para a ilha dividida, em oposição à solução federal bizonal e bicomunal também proposta pela liderança da República de Chipre (a parte grega da ilha), Estado-membro da UE desde 2004.

Na perspetiva do chefe da diplomacia cipriota, a única solução para a resolução do problema de Chipre está descrita nas resoluções do Conselho de Segurança da ONU, através de “uma federação bizonal e bicomunal”, na sequência de uma eventual reunificação da ilha, dividida desde 1974 na sequência da intervenção militar turca, justificada por uma tentativa falhada de golpe de Estado dirigida por ultranacionalistas cipriotas gregos e que pretendia união do país com a Grécia.

“Congratulamo-nos pelo facto de o secretário-geral da ONU, António Guterres, ter entendido desde o início a essência do problema de Chipre e tentar juntar todas as partes à mesa das negociações para encontrar soluções assentes nas resoluções do Conselho de Segurança”, precisou.

“Não pode ser encontrada ou aceite qualquer outra solução que garanta o apoio dos cipriotas gregos, da União Europeia (UE) ou da comunidade internacional. É uma mensagem clara para a Turquia e para os cipriotas turcos”, disse.

Nikos Christodoulides, um diplomata de carreira e que assume a pasta dos Negócios Estrangeiros desde março de 2018 no Governo dirigido pela União Democrática (DISY, liberal-conservador) do Presidente Nikos Anastasiades notou que “cerca de 50% dos cipriotas turcos não apoiam as posições de Tatar”, e recordou as posições das instâncias internacionais, em particular das Nações Unidas, que têm mediado o conflito.

“Estamos a trabalhar numa abordagem muito específica descrita nas resoluções do Conselho de Segurança. E as iniciativas do secretário-geral da ONU António Guterres são baseadas nesta abordagem, uma federação bizonal e bicomunal. Para nós, para a ONU, para a comunidade internacional, não existe qualquer oura solução. Chipre é um país pequeno e queremos voltar a reunificar o nosso país, e não dividi-lo ainda mais”.

Numa referência à atual presidência portuguesa da UE, recordou que a União “tem a mesma abordagem e que qualquer solução deve ser baseada no projeto acordado sobre uma federação bizonal e bicomunal. É um elemento muito importante, e nesse aspeto esperamos que a UE desempenhe um papel ativo nos esforços para o reinício das negociações”.

Em abril de 2004, um plano da ONU sobre a reunificação de Chipre foi aprovado pelos cipriotas turcos mas recusado pelos cipriotas gregos, uma posição que Nikos Christodoulides entendeu esclarecer.

“Os cipriotas gregos votaram contra esse plano específico, não votaram contra a solução do problema de Chipre baseada numa federação bizonal e bicomunal. Nesse referendo, 76% da população votou contra esse plano, e a vontade do povo tem de ser respeitada. Mas em simultâneo não recusaram a federação bizonal e bicomunal, votaram contra esse plano específico”, explicou.

As negociações diretas foram, entretanto, retomadas, mas estão bloqueadas desde 2017 e não foi possível obter um novo acordo global “devido à insistência da Turquia em continuar a manter tropas permanentes em Chipre e exigir uma interferência nos assuntos de Chipre”, disse, numa referência aos cerca de 30.000 militares turcos que permanecem estacionados na RTCN.

“Pode imaginar-se qualquer Estado-membro da UE com um terceiro Estado a intervir ou decidir em nome desse país? Mas quero sublinhar que se apenas dependesse dos cipriotas gregos e dos cipriotas turcos, o problema de Chipre já estaria solucionado”, ressalvou.

O chefe da diplomacia de Nicósia também considerou essencial o envolvimento da UE nas negociações, na sequência de um recente contacto telefónico entre presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e António Guterres, e pelo facto de o problema de Chipre “ser um problema europeu”.

“Chipre é Estado-membro da UE e acreditamos que a União deve estar presente no decurso do processo negocial. A ONU tem um secretário-geral que é europeu, Guterres acredita nos valores e princípios europeus, e pode de facto ajudar-nos a obter um acordo”.

Ainda numa referência às tensas relações com a Turquia, que se agravaram em torno das reivindicações de Ancara em zonas marítimas na região do Mediterrâneo oriental, Nikos Christodoulides assegurou a disponibilidade do seu Governo em dialogar com a liderança turca, mas também manter os estreitos contactos com organismos internacionais para uma decisão sobre direitos marítimos.

“Todos os países da região, Chipre, Grécia, Egito, Israel, Jordânia, Líbano, Autoridade Palestiniana, diversos países do Golfo, estão a colaborar em conjunto. O único país que não participa nesta cooperação regional é a Turquia. O principal motivo deve-se à sua abordagem que viola a lei internacional, que não aceita respeitar a soberania e integridade dos seus vizinhos”, sublinhou.

O ministro cipriota recordou a abordagem inicial da diplomacia turca após a chegada ao poder do atual Presidente Recep Tayyip Erdogan, em 2002, e assente na premissa de ‘zero problemas com os nossos vizinhos’.

“Hoje, a Turquia tem problemas com todos os seus vizinhos, com a Grécia, com a Síria, com o Iraque, veja-se o que acontece na Líbia, com a liderança do Egito, com Israel, a sua intervenção na Ásia central”, sustentou.

“É a política turca que não permite à Turquia integrar esta cooperação regional. Não excluímos a Turquia, queremos trabalhar com a Turquia, mas a Turquia tem de respeitar, pelo menos, as normas básicas das regras internacionais”.

Nesta perspetiva, Nikos Christodoulides sugeriu que as atuais relações entre Chipre e a Turquia constituem apenas um dos aspetos de um contencioso mais vasto.

“Vejamos o que se passa entre a Grécia e a Turquia, entre o Egito e a Turquia, em relação à Liba, vejamos a intervenção da Turquia na Síria, a intervenção da Turquia no norte do Iraque. O problema na nossa região é a Turquia, mas pretendemos manter excelentes relações com todos os nossos vizinhos. Se a Turquia pretende ter boas relações com os seus vizinhos, ou com a UE, cabe-lhe essa decisão”, concluiu.

Pedro Caldeira Rodrigues (texto), Pedro Martins (vídeo) e Manuel de Almeida (fotos), da agência Lusa