Rajendra Pachauri, ex-presidente do Intergovernmental Panel for Climate Change (Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, IPCC na sigla em inglês), instituição laureada com o prémio Nobel da Paz (2007), esteve hoje em Cascais para apelar aos jovens a mudar comportamentos e travar as alterações climáticas. Num debate enquadrado nas Conferências do Estoril, o fundador e principal mentor do movimento POP — Protect Our Planet (proteger o nosso planeta), elogiou os esforços feitos por Portugal para neutralizar as emissões de carbono até 2050.
Porém, alerta, “apesar das medidas governamentais, são precisas mudanças no comportamento e no modo de vida”. Porque os fenómenos climáticos extremos vão aumentar de frequência e intensidade. Estas mudanças vão obrigar as sociedades a não apenas mitigar os impactos dos comportamentos que contribuem para as alterações climáticas, como a adaptar as comunidades. Isto para não só fazer frente aos já inevitáveis efeitos da mudança do clima, como para prevenir que se agrave ainda mais o clima, mudando os modos de vida.
Por isso, lançou o desafio aos jovens. Consumir menos e comer melhor (“comam menos carne, serão mais saudáveis e é bom para o planeta”, disse) e plantar árvores, para que a Península Ibérica não tenha no futuro o clima que hoje tem o norte de África.
É que, se nada for feito, os fenómenos extremos serão mais frequentes e intensos e, por exemplo, o Ártico deixará de ter gelo. “Já imaginaram isso? Vai ser no vosso tempo”, disse, antes de enumerar alguns dos efeitos que as alterações climáticas vão provocar.
Prevê-se que o aumento do nível do mar e da chuva extrema piorem o risco de inundação, tanto nas áreas costeiras como nas zonas ribeirinhas do continente europeu. Se não forem tomadas medidas preventivas, os danos causados pelas cheias vão também ser maiores, com perdas quer económicas, quer humanas, antevê o especialista.
A produção e transmissão de energia também deverão ser afetadas pelas mudanças climáticas. A energia hidroelétrica (energia produzida através da água), por exemplo, pode decrescer um pouco por toda a Europa, exceto na Escandinávia.
As mudanças climáticas vão aumentar as necessidades hídricas nos territórios, porém, no futuro, a irrigação vai ser prejudicada pela redução da escorrência, pela procura de outros setores e pelos custos económicos que o transporte de água vai acarretar. Para além disso, o aumento da evaporação vai fazer diminuir a disponibilidade de água nas reservas naturais.
Há alguns problemas em particular que vão afetar diretamente culturas portuguesas, como a produção vinícola. As castas de uvas para a produção de vinho vão distribuir-se de forma diferente pelo território, o que reduzirá o valor dos produtos da indústria do vinho, afetando as comunidades que dependem deste recurso, sobretudo no sul do continente europeu, onde Portugal se inclui. Pelo contrário, essas castas vão dar-se melhor no norte da Europa, onde se prevê que a produção de vinho aumente.
Da mesma forma, também o turismo, importante fonte de rendimento para o país, sairá afetado com as mudanças no clima. No sul da Europa, o turismo deverá diminuir, aumentando, por outro lado, no norte do continente europeu.
No mar, o aumento da temperatura da água tem estado a afetar a distribuição das espécies marinhas, levando os peixes a subir em latitude e a diminuir em tamanho.
Também os humanos deverão ser afetados pelas alterações climáticas. Espera-se que as mortes e os ferimentos relacionados com o calor aumentem, particularmente no sul da Europa, alerta Pachauri.
Pachauri lembrou ainda aos presentes que as temperaturas e o nível do mar (com maremotos mais devastadores) têm vindo a subir desde meados do século passado, à medida que as emissões de gases com efeito de estufa também aumentaram, e salientou que situações climáticas extremas observadas desde 1950 estão relacionadas “com a interferência humana”.
“Donald Trump e muitos outros têm andado a dizer que a América do Norte teve um inverno terrível pelo que precisamos de mais um bocadinho do bom velho aquecimento global. Mas quero dizer-vos que o inverno terrível que a América do Norte teve resulta das alterações climáticas”, explica o antigo presidente do IPCC.
“O que é que estamos a fazer ao nosso planeta? Não temos outro sítio para ir”, disse Rajendra Pachauri, que se afirmou, ainda assim, um otimista, e que salientou três ações que terão de ser tidas em conta desde já para mitigar os efeitos das alterações climáticas: o uso mais eficiente da energia, usar energias limpas e reduzir a desflorestação.
"As alterações climáticas são reais, estão a afetar-nos, são más, são comprovadas cientificamente e ainda há esperança", disse, centrando o seu otimismo no combate às alterações que está a ser feito um pouco por toda a parte.
“Gostaria que o meu país, a Índia, fizesse mais”, acrescentou, concluindo que sem mudanças para reduzir as emissões de gases a vida no planeta vai tornar-se “muito mais difícil”.
Na mesma linha, o secretário de Estado Adjunto e do Ambiente, José Mendes, lembrou que Portugal já está a sentir os efeitos das alterações climáticas, como as altas temperaturas, os grandes incêndios ou a erosão costeira, mas salientou que “ninguém no planeta” deixa de ser afetado.
“Este é o momento para a ação. Já temos o diagnóstico, o tempo de agir é agora. E a ação é a adaptação [às alterações] e a mitigação”, disse, salientando a necessidade de se viajar de forma mais sustentável e de se aumentar a eficiência energética dos veículos. E depois, concluiu, é preciso proteger o planeta, mas proteger também as pessoas mais vulneráveis.
Foi precisamente a proteção de pessoas e elementos naturais sensíveis que no público surgiu a questão: para que serve a prospeção de petróleo na costa portuguesa? A questão, que inicialmente ficou sem resposta, foi recuperada por Filipe Duarte Santos. O professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa não vê “nenhuma justificação para explorar combustíveis fósseis em Portugal”, acrescentando que já assinou documentos a dizer isso mesmo. Perante a posição, parte da audiência aplaudiu o especialista.
“Se queremos mudança, não podemos subsidiar carvão, gás ou petróleo”, critica Duarte Santos. “Temos de pensar que esta é uma questão que nos atinge a todos, os que aqui estão e os que não estão. A exploração de combustíveis fósseis em Portugal não é necessária e não devia continuar”, conclui o também presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS).
“Tivemos muitas oportunidades para mudar o nosso comportamento, mas é preciso que toda a gente mude o seu comportamento. Isto está ligado à legislação e à tecnologia”, diz Duarte Santos.
Momentos antes, Duarte Santos alertava: “estamos a mudar a composição da atmosfera”. A atmosfera, a camada gasosa que envolve o planeta, é constituída por oxigénio e azoto, e alguns componentes minoritários, como o dióxido de carbono (CO2), que estão a aumentar. Em 250 anos, desde a revolução industrial, o homem tem alterado a composição de toda a atmosfera, com efeitos significativos, como seja o aumento da temperatura, explica.
Também a floresta e os incêndios foram tema de conversa. Fátima Alvarez, espanhola a viver em Portugal há cinco anos, pergunta ao secretário de Estado Adjunto e do Ambiente qual o impacto da campanha Portugal Sem Fogos quando os municípios receberam um panfleto em papel a pedir às pessoas para cortar todas as árvores meia centena de metros à volta das casas e a 100 metros à volta das aldeias.
José Mendes, que sublinhou não ser deter esta pasta em específico, disse que “as árvores são importantes, mas nos sítios certos. A razão por que mais de cem pessoas morreram no ano passado foi porque tínhamos árvores no sítio errado”, atirou o secretário de Estado Adjunto e do Ambiente.
Antes, Filipe Duarte Santos sublinhava a necessidade de “ter uma floresta economicamente viável”, embora reconheça que a área de eucalipto no país não deve aumentar. Critica a fragmentação da floresta portuguesa, cuja área reduzida e propriedade essencialmente privada dificultam a implementação de medidas.
E são as árvores o mote do apelo à mudança deixado por Rajendra Pachauri. Os jovens “têm de ser parte da solução e não parte do problema”, atira o indiano, antes de pedir aos muitos estudantes presentes no auditório da Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais, que comecem a mudança, com árvores, plantando “as árvores certas nos lugares certos”.
Em novembro do ano passado, o ministério do Ambiente admitia ao SAPO24 que mais de metade dos concelhos portugueses tem “territórios suscetíveis ao fenómeno desertificação e seca”. Apesar de as conclusões não serem novas, em 308 concelhos, só 27 tinham na altura um plano de adaptação às alterações climáticas.
Cascais é um dos poucos municípios com um gabinete dedicado às mudanças climáticas. Joana Pinto Balsemão, vereadora para o ambiente, estruturas verdes, mudanças climáticas e objetivos de desenvolvimento sustentável diz que a mudança não se pode limitar às políticas. “Se em Cascais dissermos às pessoas para não usarem os seus carros, mas não lhes dermos alternativas, ou se os membros da autarquia continuarem a usar os seus carros, não estamos a dar o exemplo”.
A estratégia cascalense passou pela documentação e o estudo daquilo que é Cascais e daquilo que pode ser Cascais dentro de cem anos. Depois disso, a autarquia desenvolveu medidas específicas para mitigar os efeitos e adaptar-se a eles. Combinando-as, temos um território “à prova das alterações climáticas”, explica Joana Pinto Balsemão.
O presidente da câmara de Cascais, Carlos Carreiras, que encerrou a conferência, alertou para o facto de as alterações climáticas não serem algo que vai apenas afetar as pessoas do futuro, mas sim as que já estão nas casas de cada um. “Já são os meus netos que serão prejudicados se não fizermos nada, não é ninguém desconhecido”, disse.
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