Este livro que agora vos apresento é uma proposta de síntese interpretativa da História de Portugal contada do ponto de vista feminino.

Assim, embora o fio condutor seja a vida das biografadas, estará sempre presente o contexto político, social, económico e cultural de cada época e de cada momento histórico em que elas se inseriram. E aqui está a História de Portugal levando, também, ao conhecimento público aspetos menos conhecidos como o papel, a influência e atuação, os percursos, objetivos, combates e quotidianos de cada uma delas. É cada vez mais importante que a sociedade tenha em conta o olhar das mulheres, porque é um olhar diferente do dos homens sobre os problemas e as possíveis soluções. E, se alguma virtude tem a História de género (quer masculino, quer feminino), a conclusão que se pode sempre retirar é que ambos tecem e compõem o tecido histórico, se complementam e explicam a realidade apreendida pelos historiadores.

É impossível falar de mulheres sem falar dos homens que viveram no seu tempo, que fizeram parte das suas vidas e do papel deles em relação a elas.

Através de uma narrativa contínua, e de uma linguagem que pretendi o mais legível e clara possível, o leitor irá compreender com facilidade quais os momentos mais importantes na formação e consolidação do reino de Portugal, na construção do Estado e no seu desenvolvimento e expansão, sem esquecer a sua integração na História da Europa. Dado que, nas últimas décadas, o interesse pela temática feminina numa perspetiva não romanceada tem sido muito e variado, para esta síntese tornou‑se necessário reduzir, selecionar e clarificar muita informação; esse trabalho foi sempre feito tendo em conta o mais importante no evoluir dos acontecimentos sem, no entanto, sacrificar alguns deles que, embora mais complexos, são fundamentais para a compreensão do contexto histórico.

Frederico Lourenço junta-se ao É Desta Que Leio Isto no próximo encontro, marcado para dia 23 de maio, uma quinta-feira, desta vez com um horário diferente: pelas 20h00. Consigo traz o seu romance "Pode Um Desejo Imenso", editado pela Quetzal.

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Em maio, a propósito das comemorações dos 500 anos de Camões, o clube vai olhar de outra forma para o autor do poema épico "Os Lusíadas", através do romance de Frederico Lourenço.

Saiba mais sobre o livro e o autor aqui.

Mulheres de diferentes épocas, com perfis biográficos muito diversos, participaram na evolução histórica de Portugal. No caso concreto das nossas rainhas, com exceção de duas, não ocuparam o trono por direito próprio, mas, sim, como consortes ou regentes.

No entanto, apesar de afastadas, por tradição, do governo do reino, a maioria destas mulheres conseguiu projetar o seu poder e a sua capacidade de influenciar os homens e as mulheres que viviam ao seu redor, construindo extensas redes de relacionamentos de natureza muito diversa. Assumindo papéis tradicionalmente atribuídos aos homens, mas mantendo atitudes consideradas tipicamente femininas e por meio de práticas como a mediação, estas mulheres contribuíram para fortalecer pactos e alianças, fosse a nível externo, entre as suas famílias de origem e aquelas com quem estabeleceram vínculos matrimoniais, fosse a nível interno, entre diferentes fações da corte ou mesmo entre o poder real e o povo. Educadas sabendo que lhes caberia o domínio do privado, que deviam ser bondosas, caritativas, prudentes, boas conselheiras, apaziguadoras e mediadoras de conflitos, boas esposas e mães, muitas delas ultrapassaram em muito aquilo para que haviam sido criadas e educadas, não se limitando a ser peças de troca no xadrez político da época.

Mas mesmo tendo atingido a dignidade régia, a vida e a memória de muitas destas mulheres não foram objeto de registo e as lacunas são abundantes. Não podemos esquecer que a História, escrita por homens, narrava, sobretudo, os aspetos político e militar e, neste mundo maioritariamente masculino, a história das rainhas, e das mulheres em geral, foi relegada para segundo plano.

Durante séculos, os homens registaram a História de uma perspetiva exclusivamente masculina, como se as mulheres não existissem, esquecendo‑se de que o contributo delas foi fundamental para o desenvolvimento da Humanidade. Contaram‑nos, afinal, metade da História, a História de uma só parte. E o pouco que nos deram a conhecer da parte em falta foi sempre filtrado pelo olhar masculino, por aquilo que pensavam e pelos padrões que assimilaram.

Mesmo as nossas rainhas, presentes desde os primórdios de Portugal, só muito tarde mereceram atenção especial e um estudo autónomo que as diferenciasse dos maridos, os reis de Portugal. No século XVIII, mais concretamente em 1728, D. José Barbosa,
queixando‑se do quão difícil era escrever sobre as monarcas portuguesas, dado o esquecimento a que elas tinham sido votadas pelos estudiosos, publicou o Catalogo chronologico, historico, genealogico, e critico das rainhas de Portugal, e seus filhos. O século XIX foi mais profícuo com a publicação de duas importantes obras dedicadas às rainhas de Portugal: Memoria das rainhas de Portugal (D. Theresa – Santa Isabel), em 1859, por Frederico Francisco de la Figanière e, em 1878, Rainhas de Portugal: Estudo historico com muitos documentos, por Francisco da Fonseca Benevides, apresentado em dois volumes. Esta obra retoma e sintetiza, no essencial, o trabalho de Figanière sobre as primeiras monarcas, alargando‑o ao conjunto das rainhas portuguesas.

Qualificando as rainhas como um «curioso capítulo da história pátria», Fonseca Benevides justifica que tenham sido postergadas ao silêncio e ao esquecimento por se terem conservado «pelo menos em aparência, desviadas da governação d’estes reinos».

Apesar destas obras, o estudo das rainhas e das mulheres em geral não conheceu grande desenvolvimento até finais do século XX. Foi a partir daí que se começaram a abrir as portas da História às mulheres, e que elas surgiram, de uma forma mais criteriosa e documentada, envoltas na revalorização do género biográfico e da história das mulheres.

Porém, nem só de rainhas vos falará este livro. Versará também sobre outras mulheres que, com circunstâncias pessoais e experiências de vida muito diversas, agiram e exerceram o poder, foram senhoras feudais, mecenas e filantropas, administraram latifúndios, escreveram, combateram por mais direitos, lutaram por aquilo em que acreditavam, alcançando notoriedade em várias áreas e em diferentes esferas de atuação. Mulheres de distintos protagonismos e percursos de vida. É sobre essas mulheres de todos os tempos que, embora frequentemente coagidas por obrigações, educação e preconceitos, souberam agir de acordo com
os seus objetivos, lutar por um pensamento próprio e por um mundo melhor, de quem vos vou falar neste livro. A seleção aqui reunida não foi, por isso, aleatória. De uma forma ou de outra, estas mulheres influenciaram a História de Portugal e o seu evoluir, fosse através da participação direta ou indireta no poder, fosse através da mudança de mentalidades, de códigos sociais ou morais da sociedade da época. Foram mulheres que se distinguiram na sociedade do seu tempo pelas mais variadas razões.

Escrever a história de uma vida é sempre um percurso difícil e um risco, principalmente de mulheres que, embora tendo sido,
por vezes, personagens importantes da construção da nossa História (direta ou indiretamente), deixaram um ténue rasto. Além disso, a biografia é uma forma «perigosa» de fazer História porque, inevitavelmente, se cria alguma empatia (ou não) entre a biografada e a biógrafa. Não posso negar que isso aconteceu comigo e que, em tantas mulheres biografadas, me «aproximei» mais de umas do que de outras. Contudo, como é óbvio, tudo o que aqui está escrito foi feito sem qualquer efabulação ou negação e pode ser comprovado. Daí que este livro que vos deixo, construído em torno de personagens reais, embora algumas delas muito fugidias nas fontes, nada tenha de ficção histórica, registo que me é completamente estranho e fora dos objetivos propostos.

Por último, acresce referir que esta obra não é exaustiva. Muitas outras mulheres com idênticos percursos ficaram por referir. Sirva ela para incentivar a continuação deste caminho. Espero que este livro possa interessar a todos quantos sabem que a sociedade atual é fruto de tudo aquilo que já existiu, e que essa sociedade foi, e será sempre, feita de Homens e Mulheres.

É este o meu modesto contributo para a nossa História e para as gentes que dela fizeram parte.

Proponho‑vos, então, uma agradável viagem na companhia de algumas mulheres da nossa História, cujas vidas nos remetem,
afinal, para o evoluir da História de Portugal.

A DEMOCRACIA E A CHEFIA DO GOVERNO

MARIA DE LOURDES PINTASILGO (1930‑2004)

Nascimento e formação académica

Maria de Lourdes Ruivo da Silva Matos Pintasilgo nasceu no concelho de Abrantes, a 18 de janeiro de 1930. O pai, Jaime de Matos Pintasilgo, empresário ligado à indústria de lanifícios da Covilhã, abandonou a família cedo e tanto Maria de Lourdes como o seu irmão, José Manuel, foram educados sob a alçada da mãe, Amélia Ruivo da Silva Matos Pintasilgo, da avó, Raquel Ruivo da Silva, e do tio, Augusto Ruivo da Silva. Por altura da nomeação do tio, militar, para um quartel da capital, a família abandonou Abrantes e instalou‑se em Lisboa, passando Maria de Lourdes a frequentar o Colégio Garrett. Três anos depois, em 1940, prosseguiu os estudos no Liceu D. Filipa de Lencastre, onde, por duas vezes, foi distinguida com o Prémio Nacional. Terminou em 1947 o curso secundário como melhor aluna do liceu.

Em 1947, ingressou no Instituto Superior Técnico de Lisboa para tirar o curso de Engenharia Químico‑Industrial, tendo terminado a licenciatura em 1953, com 23 anos, numa época em que poucas mulheres enveredavam pela área da engenharia.

Entre os 253 alunos do seu curso, apenas 3 eram mulheres. A sua preocupação pela causa das mulheres e o seu questionamento da ordem social, e as subsequentes desigualdades de sexo, foram fatores que, como ela própria afirmou, a levaram a tornar‑se
engenheira.

Percurso profissional

Iniciou a sua carreira profissional, em setembro de 1953, como investigadora na Junta de Energia Nuclear, na qualidade de bolseira do Instituto de Alta Cultura. Em julho de 1954, foi nomeada chefe de serviço no Departamento de Investigação e Desenvolvimento da Companhia União Fabril (CUF), que aceitava pela primeira vez uma mulher nos seus quadros técnicos superiores. Trabalhou nas fábricas do Barreiro e nos centros de investigação de Sacavém e Lisboa.

Livro: "Portugal, Uma História no Feminino"

Autor: Ana Rodrigues Oliveira

Editora: Casa das Letras

Data de Lançamento: 21 de maio de 2024

Preço: € 23,90

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Ao trabalhar nas fábricas, em particular na do Barreiro, deu‑se conta das condições miseráveis em que os habitantes da zona
industrial, particularmente as mulheres trabalhadoras, viviam e da ausência de qualidade de vida. Em paralelo, com os problemas sociais somavam‑se os económicos, provenientes de um sistema que perpetuava as desigualdades. Terá sido o contacto direto com a realidade do mundo industrial, com esta camada da população mais carenciada e marginalizada, que a terá feito pensar na política como rumo a seguir.

Entre 1 de setembro de 1954 e 30 de outubro de 1960, assumiu a direção de projetos no Departamento de Estudos e Projetos da CUF, dos quais se destacam a edição da revista Indústria e a organização dos Colóquios de Atualização Científica, destinados aos quadros técnicos da empresa.

A Igreja e a intervenção cívica

A sua atividade profissional não a deixou descurar o seu compromisso cristão e os seus ideais de justiça e de uma melhor e mais igualitária sociedade. No mesmo ano em que iniciou a vida universitária, Pintasilgo aderiu à Juventude Universitária Católica Feminina (JUCF), organismo integrado na Ação Católica Portuguesa (ACP), tendo sido sua presidente entre 1952 e 1956.

Em 1953, copresidiu com Adérito Sedas Nunes, Presidente da JUC, ao I Congresso Nacional da Juventude Universitária Católica, subordinado ao tema «O Pensamento Católico e a Universidade». Realizado entre 15 e 19 de abril, em Lisboa, reuniu 2 mil
participantes dos três centros universitários do país.

A 17 de abril, Maria de Lourdes discursou sobre «A mulher na universidade». A comunicação versou sobre as interpretações bíblicas da génese da mulher, a maternidade, física e espiritual, a ascese a uma cultura superior e seus benefícios, as profissões universitárias, a necessidade de incutir métodos de trabalho nos jovens universitários e uma mentalidade de busca constante do saber.

A realização deste congresso, expressão de uma nova geração de católicos sociais que então emergia, inquietou o poder político e teve impacto nas próprias organizações católicas, uma vez que também estava em jogo a liberdade de atuação da Igreja Católica na universidade através da prática do apostolado intelectual pelo estudante universitário. A projeção que, entretanto, adquiriu no interior do movimento católico português conduziu à sua indigitação para representar Portugal no Congresso da Pax Romana, a realizar nos Países Baixos. Nesse mesmo evento, tornou‑se presidente do Movimento Internacional de Estudantes Católicos (MIEC), fundado em 1921, na Suíça, com o objetivo de promover o apostolado estudantil em universidades e outras instituições superiores.

Este acontecimento originou um pedido especial de aceitação ao Vaticano, pois nunca nenhuma mulher tinha assumido o cargo até então. Nessa qualidade, ao longo do ano de 1957, presidiu ao I Seminário de Estudantes Africanos, no Gana, e à Assembleia‑Geral do movimento realizada em El Salvador. Em 1958, presidiu ao Congresso Mundial de Estudantes e Intelectuais Católicos, realizado em Viena de Áustria. Em Acra, presidiu ao I Seminário de Estudantes Cristãos Africanos das Universidades ao sul do Saara, expressando, no discurso de boas‑vindas, o desejo de independência de todos os países africanos. Num país colonial como era Portugal, numa altura em que um número significativo de países europeus já tinha deixado, ou começava a deixar, as suas anteriores colónias na Ásia e em África, tal atitude não podia deixar de ter repercussões. Maria de Lourdes Pintasilgo posicionou‑se, então, publicamente, a favor da independência das colónias, ou seja, contra uma das vertentes do ideário do regime salazarista.

Em 1957, depois de uma passagem pelos Estados Unidos da América numa das suas participações no MIEC, conheceu o Graal, movimento cristão feminino, fundado em 1921, nos Países Baixos, que visava promover valores como a paz e a justiça no mundo. Criou, então, em 1957, conjuntamente com Teresa Santa Clara Gomes, sua companheira de longa data, uma filial do Graal em
Portugal.

Nesse mesmo ano, deslocou‑se ao Ohio, onde discursou sobre a importância dos estudantes universitários católicos na construção de um futuro coeso e positivo. Em março de 1958, apresentou um projeto a Marcello Caetano para se realizar um estudo sobre a situação da mulher portuguesa. Nesse documento, Maria de Lourdes Pintasilgo denunciou a ausência de estruturas sociais que permitissem uma inclusão eficaz das mulheres trabalhadoras tanto no domínio privado como público. A sua convicção profunda sobre o papel das mulheres na sociedade foi tema constante das suas intervenções públicas.

Em agosto de 1958, viajou até Moçambique, e, em 1961, a Genebra, para participar na Comissão do Estatuto da Mulher. Neste mesmo ano, no campo de férias da Juventude Católica Feminina, interveio refletindo sobre o tema «Educação Feminina».

Em 1964, foi eleita para o cargo de vice‑presidente do Graal Internacional, fixando‑se em Paris. Permaneceu nessa função até 1969 e foi Teresa Santa Clara Gomes quem lhe sucedeu na presidência do Graal em Portugal. Em 1966, foi recebida, em audiência, pelo papa Paulo VI. Em 1968, publicou vários artigos sobre o papel das mulheres na Igreja. Maria de Lourdes Pintasilgo manteve, ao longo da sua vida, uma forte ligação com esta Organização.

Decidiu interromper a sua carreira de engenheira para se dedicar a questões sociais e culturais, sempre norteada pela fé cristã. Enquanto vice‑presidente internacional do Graal, foi coordenadora de programas de formação e de projetos‑pilotos no domínio da emancipação da mulher e da sua ação sociocultural. Neste período, representou o Graal em diversas atividades internacionais. Simultaneamente, foi designada pelo papa Paulo VI, representante da Igreja Católica num grupo de ligação ecuménica com o Conselho Mundial das Igrejas (1966‑1970).

No final de 1968, quando Salazar adoeceu e foi substituído, Maria de Lourdes acreditou que Marcello Caetano fosse mudar a situação. Em novembro de 1969, recusou o seu convite para integrar a lista de deputados da Ação Nacional Popular à Assembleia Nacional, por ser contra o sistema de partido único. Aceitou, depois, o cargo de Procuradora à Câmara Corporativa, nas duas
últimas legislaturas deste órgão (X, XI, 1969‑1974).

Foi a primeira mulher a exercer funções nesta secção, cargo que desempenhou até abril de 1974. Na qualidade de Procuradora, assinou com «voto de vencida» vários pareceres relativos a questões como a liberdade de imprensa, o modelo de desenvolvimento económico e as alterações à Constituição. Apesar de ter entrado na política a convite de Marcello Caetano, Maria de Lourdes Pintasilgo demarcou‑se sempre do ponto de vista ideológico, nunca se identificando com nenhuma fação política. Entre 13 de maio de 1970 e 23 de setembro de 1973, assumiu, como independente, a posição de consultora do secretário de Estado do Trabalho e da Previdência, Joaquim Silva Pinto, e presidiu ao Grupo de Trabalho para a definição de uma Política Nacional Global acerca da Mulher.

Em maio desse ano, o mesmo Secretário criou o Grupo de Trabalho para a Participação da Mulher na Vida Económica e Social, do qual Pintasilgo se tornará presidente, e que será o embrião da Comissão da Condição Feminina.

Portugal atravessava um momento da sua História em que pulsavam diferentes problemas, nomeadamente os decorrentes da entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho e a legislação as considerava como grupo social a quem competia a dupla tarefa do trabalho e da família. Neste âmbito, e sob orientação de Maria de Lourdes, foi feito o primeiro levantamento das discriminações entre mulheres e homens no direito público e privado e foram propostas várias alterações ao direito da família e à legislação sobre o trabalho feminino.

No exercício dessas funções, integrou, no decorrer de 1971, a Delegação Portuguesa à Assembleia Geral da ONU, tendo aí realizado intervenções sobre a situação social no mundo, a condição feminina, o direito à autodeterminação dos povos, a juventude e a liberdade religiosa. Regressou, ainda, em dezembro de 1971 e em outubro de 1972, a Nova Iorque, a pedido de Marcello Caetano.

No decorrer do seu trabalho, em 1973, foi nomeada Presidente da Comissão para a Política Social Relativa à Mulher, pertencendo ao Ministério das Corporações e Previdência Social.

O percurso no Portugal democrático

Depois da revolução de 25 de Abril de 1974, foi nomeada secretária de Estado da Segurança Social no I Governo Provisório.

O primeiro‑ministro era o advogado Adelino da Palma Carlos, marido de Elina Guimarães, uma feminista. Além de Maria de Lourdes, só havia outra mulher no governo, Maria de Lurdes Belchior, secretária de Estado dos Assuntos Culturais e Investigação Científica. Foi ministra dos Assuntos Sociais nos II e III Governos Provisórios, presididos pelo general Vasco Gonçalves, entre 17 de julho de 1974 e 25 de março de 1975, sendo a primeira mulher portuguesa a desempenhar funções ministeriais.

O programa de ação que concebeu para aquele Ministério mereceu a classificação de programa‑modelo, por parte do Secretariado
do Desenvolvimento Social para a Europa da ONU. Entre maio e setembro de 1975, foi ainda designada membro eleito do Conselho de Imprensa.

Em 1975, Maria de Lourdes criou a Comissão da Condição Feminina e assumiu a sua presidência até agosto, data em que tomou posse como embaixadora junto da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). Permaneceu como embaixadora delegada de Portugal junto da UNESCO, em Paris, até 1979, embora administrativamente tenha conservado o cargo até 27 de maio de 1981. Foi eleita, por quatro anos, membro do Conselho Executivo da UNESCO, por proposta dos países ocidentais, durante a Conferência Geral de 1976, realizada em Nairobi, pelo reconhecimento das suas capacidades na resolução de problemas difíceis e pelo seu conhecimento profundo em matérias como ciência, educação e cultura.

Em 19 de julho de 1979, foi indigitada pelo então Presidente da República, general António Ramalho Eanes, para chefiar o V Governo Constitucional (1 de agosto de 1979 – 3 de janeiro de 1980), um governo de gestão, incumbido de preparar as eleições legislativas intercalares marcadas para 2 de dezembro desse ano. Ao aceitar desempenhar aquelas funções, tornou‑se a única mulher portuguesa – até agora – a assumir o cargo de chefe do Governo. Foram características da sua ação governativa uma liderança dialogante, tentando descentralizar as instâncias de decisão política, aproximando‑asdas pessoas, bem como a manifesta preocupação de justiça social que perpassou a produção legislativa daquele período. Embora vozes dissonantes do próprio governo a tivessem acusado de extrapolar as atividades de um governo de gestão, Maria de Lourdes não quis perder a oportunidade de pôr em prática aquilo em que acreditava. Demitiu‑se a 27 de dezembro de 1979, dando lugar ao governo encabeçado por Francisco Sá Carneiro, presidente do Partido Popular Democrático que vencera as eleições no princípio desse mês. Em 1980, apoiou a candidatura do general Ramalho Eanes à Presidência da República. Nesse ano, participou num simpósio organizado pela NATO, em Lisboa, discursando sobre «Women as World Makers».

Quando Ramalho Eanes se tornou Presidente da República, Maria de Lourdes assumiu o cargo de sua assessora e acompanhou, com particular atenção, a ocupação militar da Indonésia em Timor‑Leste. Foi agraciada, nesse mesmo ano, a 9 de abril, com a Gra‑Cruz da Ordem Militar de Cristo.

Dinamizou importantes movimentos sociais e cívicos, como a Rede de Mulheres que mobilizou cerca de 500 participantes, de
15 distritos do país, e permitiu a partilha de experiências e a consciencialização da existência de uma estrutura patriarcal subjacente à dinâmica social, cultural, linguística e histórica (1980‑1986), a Plataforma Inter‑Grupos, o Movimento para o Aprofundamento da Democracia (MAD) e a Plataforma Europeia para o Ambiente.

Em 1985, candidatou‑se à Presidência da República. Sem o apoio de qualquer máquina partidária e gozando do prestígio que recolhera enquanto primeira‑ministra, formalizou a sua candidatura em 9 de dezembro de 1985, com cerca de quinze mil assinaturas. Percorreu todo o país em campanha, suscitando grande entusiasmo e uma adesão massiva, recolhendo elevadas percentagens das intenções de voto que, surpreendentemente, não vieram a concretizar‑se.

As terceiras eleições presidenciais portuguesas após o 25 de Abril de 1974 tiveram lugar a 26 de janeiro de 1986 e foram as mais competitivas e polarizadas do regime democrático português, obrigando à realização de uma 2.ª volta em 16 de fevereiro. Além de Maria de Lourdes Pintasilgo, apresentaram‑se como candidatos à corrida presidencial Diogo Freitas do Amaral (apoiado pelo CDS e também pelo PSD), o ex‑primeiro‑ministro Mário Soares (apoiado pelo PS e que, ao apresentar a sua candidatura, não contava com mais de 5% das intenções de voto) e Francisco Salgado Zenha (que contava com o apoio do PRD do ainda Presidente António Ramalho Eanes, bem como de alguns membros do PCP, cujo candidato próprio – Ângelo Veloso – viria a desistir).

Embora Freitas do Amaral não tenha conseguido a vitória na 1.ª volta por pouco, 46,31% contra 25,43% do candidato do PS, Mário Soares, foi neste último que se concentraram os votos dos restantes candidatos da esquerda, na 2.ª volta, tendo acabado por derrotar Freitas do Amaral por uma escassa margem de 139 mil votos. Mário Soares viria a ser empossado Presidente da República em 9 de março de 1986, tendo afirmado ser, para acabar com as dissensões, «o Presidente de todos os Portugueses» – frase que desde então entrou no discurso político nacional. Os resultados eleitorais traduziram o triunfo dos aparelhos partidários sobre as apostas singularizadas, penalizando fortemente aquela que havia sido a candidatura mais personalizada, a de Maria de Lourdes, com 7,4% dos votos. A partir daqui, afastou‑se da cena pública portuguesa e empenhou‑se na sua carreira internacional.