Sabíamos que era uma questão de tempo até chegarmos ao domingo em que Lewis Hamilton cruzava a linha da meta e alcançava Michael Schumacher como piloto de Fórmula 1 com mais títulos mundiais.

Hoje foi esse domingo.

O sexto lugar de Hamilton na pole position, no sábado, face ao nono de Valtteri Bottas, único piloto que podia adiar, pontualmente, a conquista do Campeonato do Mundo pelo colega de equipa da Mercedes, deixava no ar um travo de incerteza e adrenalina para o Grande Prémio da Truquia. Mas quando na volta 37 do Istanbul Park, o inglês ultrapassou Sergio Pérez, da Racing Point, e assumiu a liderança da corrida, sabíamos que esta não seria uma prova muito diferente das outras, pelo menos no que diz respeito ao primeiro lugar.

Hamilton cruzou a meta, parou o carro e ficou com o capacete caído sobre o volante. Chorava. Ao lado, Vettel estaciona o Ferrari, salta do carro e de antigo campeão para campeão felicitou-o: “acabaste de fazer história”.

Não censurando um piloto que foi quatro vezes campeão do mundo, faltou apenas dizer "outra vez", não fosse o inglês recordista de pódios (162), de ‘pole positions’ (97), de vitórias (94) para além de, agora, títulos, em igualdade com Schumacher (7).

Às estatísticas, podemos ainda acrescentar o facto de ser o primeiro piloto negro da F1 e um reconhecido ativista pelos direitos das minorias

Hamilton é um daqueles atletas de classe mundial que aparece de poucos em poucos anos. Conseguimos relacionar-nos com ele, pelo percurso em crescendo, como conseguimos venerá-lo pelos feitos e barreiras que conseguiu ultrapassar, sobretudo para a comunidade negra no desporto motorizado. Não tem legiões de fãs como Schumacher ou Ayrton Senna, não foi ordenado cavaleiro pela rainha de Inglaterra como outros que o sucederam com conquistas menores. Mas nunca o ouvimos falar disso, em vez disso, Hamilton só quer ganhar e mostrar às futuras gerações que com trabalho e querer tudo é possível.

Aliás, basta recordarmos um dos episódios mais famosos da meninice do piloto para percebermos isso. Como tantos, Lewis Hamilton iniciou-se nos karts, com apenas oito anos, em 1993, e dois anos depois, já era campeão britânico. Por essa altura, cruzou-se com Ron Dennis, o patrão da McLaren, ao qual disse, aproveitando um pedido de autógrafo, que, "um dia", queria conduzir os seus carros. Ao lado do ‘rabisco', Ron Dennis escreveu: "Telefona-me dentro de nove anos. Veremos algo então". Não foi preciso esperar tanto.

Não é à toa que as primeiras palavras do piloto da Mercedes, nas entrevistas rápidas no final da prova, foram precisamente para os mais novos: “Quando somos crianças temos sonhos, e vemos a Fórmula 1 como algo muito distante. O importante é que todas as crianças persigam os seus sonhos e trabalhem duro para os alcançar. Quando o fazem, os sonhos podem tornar-se realidade”.

Hoje, Hamilton igualou Michael Schumacher, mas para o ano, muito provavelmente, irá ultrapassá-lo. Vai isolar-se como o melhor de sempre, numa modalidade em que esse título é imune às estatísticas, e vai subir mais um degrau no caminho da eternidade para continuar a ser exemplo da importância da luta, para também poder lutar pelos outros.