“Portugal está a dar ao mundo um exemplo prático e esperançoso de como se pode governar e se pode legislar, de como se pode ser um Estado operante respeitando e abraçando as diferenças: vocês têm um tipo de Governo que na Colômbia descreveríamos como ‘variopinta’ (multicolorido), a que alguns prognosticavam um fracasso rotundo”, declarou Juan Manuel Santos.

O chefe de Estado colombiano falava numa sessão realizada ao fim da tarde na Assembleia da República em sua honra, em que participou o antigo Presidente da República António Ramalho Eanes.

“Gosto de falar de paz em Portugal, porque esta é uma nação de alma pacífica, comprometida com as liberdades, com os direitos humanos (…) e gosto de falar de paz neste recinto, na Assembleia [da República], porque aqui se respira o ar da convivência democrática e harmónica”, disse o Estadista, distinguido em 2016 com o prémio Nobel da Paz pela bem-sucedida negociação de um acordo de paz com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), principal guerrilha do país.

Recordou que mais de meio século de “guerra irregular entre o Estado e a guerrilha” fez no seu país “mais de oito milhões de vítimas e mais de 250.000 mortos que ainda pesam na memória”.

“E as guerras longas têm uma coisa: embora sejam perversas, acabamos por habituar-nos a elas, acabamos por acostumar-nos às notícias dos atentados, dos massacres, dos combates, e transformam-se em parte do cenário quotidiano, correndo-se inclusivamente o risco de começarmos a perder – como nos aconteceu a nós, colombianos – um sentido tão importante na vida, o sentido da compaixão”, frisou.

Por isso, tomou a seu cargo encetar “um processo de paz necessário” e, ao cabo de seis anos de conversações, conseguiu alcançar um acordo de paz para pôr fim “ao mais absurdo dos conflitos: aquele que opõe filhos de uma mesma nação”.

Numa época em que se vivem tantos problemas a nível mundial, “a única notícia boa no mundo é a paz na Colômbia”, observou Juan Manuel Santos, voltando a agradecer o apoio de Portugal e deixando também uma palavra de apreço pela ajuda da União Europeia, por ter “decidido tirar da lista de organismos terroristas as FARC”.

Agora, notou, “o acordo de paz transformou-se num verdadeiro laboratório que poderá ser útil para a paz noutros cenários”, por consagrar “o direito à justiça, à reparação e à não-repetição”.

“Mais do que um pacto contra a guerra, foi um pacto de humanidade”, resumiu, explicando que as vítimas lhe “ensinaram que é possível perdoar”.

Salientou, contudo, que “o acordo é só o princípio”, faltando “aplicá-lo da melhor forma possível”, o que também pode apresentar dificuldades, que ilustrou citando José Saramago, “um grande português”.

“Como escreveu Saramago, ‘é muito mais fácil educar os povos para a guerra do que para a paz: para educar no espírito bélico, basta apelar aos instintos mais básicos; educar para a paz, implica ensinar a reconhecer o outro, a ouvir os seus argumentos, a entender as suas limitações, a negociar com ele, a chegar a acordos”, sublinhou.

“Este é hoje o nosso maior desafio, como sociedade”, apontou o Presidente colombiano, acrescentando: “Estou otimista, porque sei que os valores da unidade, do amor, da tolerância, da compaixão são, a longo prazo, muito mais poderosos que os seus opostos do medo, do ódio, da vingança, da exclusão”.

Falava do processo de paz colombiano, mas indicou que se trata de “uma verdade universal que se pode aplicar no mundo, por exemplo, ao combate ao terrorismo ou à gestão das crises dos migrantes”.

“Teremos muito melhores resultados se trabalharmos a partir de uma perspetiva humana mais ampla, mais integral, que nos permita compreender as motivações alheias e apoiar os que mais necessitam de ajuda”, vincou.

[Notícia corrigida às 21:55 - o antigo Presidente da República Ramalho Eanes participou na cerimónia na Assembleia da República, mas não a dirigiu]