“Na perspetiva do arguido é injusto estar a ser investigado tanto tempo, com uma espada sobre a cabeça tanto tempo. Na perspetiva da comunidade é injusto ter tido notícia da possibilidade da indiciação de determinados factos e ficar sem saber se eles foram efetivamente cometidos ou não. Temos de encurtar estes prazos seja como for, de um modo que seja aceitável para a comunidade e para a justiça que a comunidade quer ver feita”.

Em entrevista à Lusa, no âmbito da conferência “Megaprocessos — Quando a justiça criminal é especialmente complexa”, que decorre entre quinta e sexta-feira no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Artur Cordeiro refere que o estudo realizado a partir de 140 processos de criminalidade altamente complexa distribuídos na comarca de Lisboa desde 2013 aponta para a existência de casos a arrastarem-se quase 20 anos até ao seu epílogo.

“É muito complicado que um processo dure 10 ou 15 ou mais anos e depois chegamos a julgamento e temos de declarar prescritos um sem número de crimes. Serviu o quê?”, questiona o magistrado, vincando que a abordagem “à antiga, em papel”, e muitas vezes sem os meios necessários inibe uma realização plena da justiça.

De acordo com o levantamento realizado pelo gabinete de apoio aos magistrados judiciais ao longo dos últimos meses, entre os vários dados estatísticos sobressaem os 49% de processos com uma fase de inquérito que durou mais do que três anos (duração média de três anos e oito meses) ou que dos processos transitados em julgado naquela amostra houve 31% que duraram mais de uma década desde a abertura de inquérito até ao trânsito em julgado.

“Temos de encontrar mecanismos que sejam muito mais satisfatórios para a comunidade do que aquela velha máxima que temos: investigação, instrução, julgamento, recurso e depois o processo está findo. Só que o problema é que nestes processos a investigação, a instrução, o julgamento e o recurso demoram décadas e isso é tremendo”, lamenta.

Assumindo que os megaprocessos são uma “realidade transversal” às diferentes jurisdições, mas com especial impacto na esfera criminal e sobretudo na vertente económico-financeira, muitas vezes com figuras públicas de relevo como arguidos, Artur Cordeiro defende que uma alteração legislativa com vista à imposição de um prazo limite para a duração dos inquéritos pelo Ministério Público (MP) não seria necessariamente a resposta mais adequada.

“A consequência desse prazo máximo seria o quê? A impossibilidade de o inquérito prosseguir? É muito complicado dizer isto… imagine-se quando se faz uma dessas operações e o MP tem um X tempo. É pior, não só pelos meios que existem, mas pelos métodos de trabalho, que são do século XX”, frisa, resumindo: “Não vejo como exigir perentoriamente ao MP que acabe uma acusação. Não só por imperativos constitucionais, mas também por imperativos de ausência de meios, que não temos, e de formas de trabalhar”.

A conferência “Megaprocessos — Quando a justiça criminal é especialmente complexa” conta com a apresentação de um estudo quantitativo e qualitativo a partir de 140 processos de criminalidade mais complexa distribuídos desde 2013 na comarca de Lisboa, no qual foram comparados várias estatísticas e diversos prazos das diferentes fases processuais para traçar um retrato desta realidade da justiça portuguesa.