Numa nota publicada no “site” da Presidência no Dia Internacional contra a Corrupção, Marcelo Rebelo de Sousa defendeu “um maior esforço nacional” de cidadãos, empresas, comunicação social e instituições em defesa “da transparência e da integridade”.
“Importa, para que esse combate seja cada vez mais eficaz, um sobressalto de cidadania, uma reafirmação da urgência de uma luta mais eficaz e efetiva contra a corrupção”, disse.
O Presidente da República considerou “imperioso progredir institucional, jurídica e operacionalmente, dotando as respetivas instituições dos meios necessários a uma ação célere e eficiente”, capaz de gerar “um clima de confiança e de uma correta perceção quanto à eficácia e à justeza da sua ação”.
O chefe de Estado destacou ainda como “muito relevante” o trabalho desenvolvido no “aprofundamento da literacia e em defesa da ética contra a corrupção, seja com a participação das escolas e universidades, mobilizando os jovens, ou com os centros de investigação e organizações não governamentais na contribuição para um juízo critico e esclarecido em defesa da Democracia”.
Combate à corrupção depende de vontade real do poder político
O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), Paulo Lona, considerou hoje que o combate à corrupção depende de vontade real do poder político para dotar esta magistratura e as polícias de meios.
Nas comemorações do Dia Internacional contra a Corrupção que, este ano, decorrem na Marinha Grande (Leiria), Paulo Lona afirmou que o combate efetivo à corrupção depende, “em primeiro lugar de uma vontade real e efetiva do poder político que o leve a dotar o Ministério Público (MP), titular da ação penal, e as polícias dos meios” para o fazerem.
Além dos meios, esse combate depende, também, de “pequenas alterações, algumas legislativas, que agilizem o processo e eliminem entropias existentes”.
Ao abordar a temática “Eficácia no combate à corrupção”, Paulo Lona salientou que “o atual Governo colocou como prioridade o combate à corrupção”, mas este exige um MP “institucionalmente independente e magistrados funcionalmente autónomos”, e recursos materiais, humanos e tecnológicos.
Por outro lado, impõe “polícias, técnicos, peritos e magistrados especializados, que possam trabalhar em equipas multidisciplinares, por vezes em exclusividade de funções”.
Contudo, os magistrados do MP “são insuficientes para dar a resposta que a sociedade e os cidadãos merecem”, pelo que fica comprometido um efetivo combate, sustentou o dirigente do SMMP.
O problema dos recursos humanos estende-se à falta de oficiais de justiça, registando-se um “enorme e persistente défice de preenchimento dos quadros dos funcionários de justiça nos serviços do MP”, faltando “mais de 500”.
Paulo Lona advertiu ainda que, “sem polícias especializados que no terreno, em tempo útil, realizem as diligências de recolha de prova necessárias, é fácil comprometer o sucesso de qualquer investigação”, defendendo, entre outros aspetos, o reforço de meios para a Polícia Judiciária e Inspeção-Geral das Finanças, ou o aumento de magistrados nos tribunais administrativos e fiscais, para “garantir a celeridade em decisões com impacto económico-financeiro”.
Após elencar também necessidades ao nível dos recursos materiais e tecnológicos, o dirigente do SMMP lembrou que a autonomia financeira do MP é uma recomendação europeia, mas o Estado “continua a fazer depender os meios necessários para o exercício das [suas] funções” das opções políticas do Ministério da Justiça.
“Isto compromete a autonomia financeira e, consequentemente, a independência do MP”, declarou o presidente do SMMP.
Paulo Lona enumerou depois algumas alterações, que “podem tornar mais eficiente o combate à corrupção”, enviadas à tutela e grupos parlamentares.
Entre as sugestões está a possibilidade de conferir o acesso do MP aos contribuintes da Autoridade Tributária, o acesso à central de responsabilidade de créditos e contratos de seguro, acesso às bases de dados do Banco de Portugal e acesso irrestrito ao Portal Base.
A concentração da legislação relativa à criminalidade económico-financeira e a revisão do regime da instrução, para evitar que se torne num pré-julgamento, “arrastando os processos para além do razoável e necessário ao exercício do direito de defesa”, estão entre as propostas.
Outros aspetos passam pela consagração de um regime que permita a aplicação de uma taxa de justiça similar àquela que é aplicada pelo Tribunal Constitucional às situações de requerimentos, incidentes e recursos efetuados com intenção manifestamente dilatória, e a criminalização do enriquecimento ilícito, enumerou.
Ao nível da prevenção, Paulo Lona defendeu a “incorporação de um módulo específico sobre os efeitos nefastos da corrupção na disciplina de educação cívica no sistema de ensino”, assim como a “definição de um apertado regime de incompatibilidades para os titulares de cargos públicos” e a regulamentação da atividade de ‘lobbying’.
Paulo Lona apontou, igualmente, a regulamentação, de “forma geral e absoluta”, em todos os setores, “da questão dos presentes e ofertas”, e das “transições entre cargos públicos e setor privado bem como associações, fundações e similares”.
“Continua a faltar o essencial, isto é o real, sério e efetivo investimento nos meios humanos, materiais e tecnológicos necessários, sem o qual tudo o resto é escasso e insuficiente”, acrescentou o presidente do SMMP.
Associação dos Juízes diz não ser salutar mudança legislativa constante no combate à corrupção
O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) afirmou hoje não ser salutar alterações legislativas constantes no combate à corrupção sem avaliação das medidas existentes e defendeu a inclusão da sua prevenção nos currículos escolares.
“Não é salutar a mudança legislativa constante sem prévia avaliação do impacto das medidas existentes”, disse Nuno Matos, nas comemorações do Dia Internacional contra a Corrupção, na Marinha Grande (Leiria).
Ao abordar o tema “Transparência e combate à corrupção: uma questão de cidadania”, Nuno Matos considerou que uma primeira dificuldade no combate à corrupção “reside na falta de eficácia na aplicação prática das soluções legislativas”.
A este propósito, exemplificou a criação do Mecanismo Nacional Anticorrupção, para assinalar que são públicos os seus bloqueios de funcionamento.
Uma segunda dificuldade está “na falta de funcionamento de mecanismo de recolha e sistematização de informação estatística e qualitativa”, para “ajudar na planificação das reformas e na avaliação dos seus impactos”, continuou.
Já no âmbito das propostas para superação das dificuldades, o juiz desembargador no Tribunal da Relação de Lisboa defendeu ser essencial para a prevenção da corrupção a criação de projetos educativos de “promoção da cultura de integridade e transparência”.
“A corrupção instala-se e a cultura da corrupção aprende-se, pelo que é fundamental a criação e funcionamento de programas sérios e sólidos de cidadania, nomeadamente, ao nível dos currículos escolares, que apostem na prevenção da corrupção e promovam uma cultura de integridade e transparência”, adiantou Nuno Matos.
Por outro lado, a ASJP defende “a regulamentação do ‘lobbying’, nos termos propostos no Programa do Governo”, e, ao nível da repressão, preconiza, por exemplo, a “regulamentação adequada do combate ao enriquecimento incongruente com o património conhecido e lícito, que pode passar pela criminalização do enriquecimento ilícito, em respeito pelas normas e princípios constitucionais”.
O presidente da ASJP frisou, contudo, que “o efetivo combate à corrupção passa pelo reforço dos recursos humanos, materiais, organizativos e tecnológicos para a investigação e eventual julgamento dos crimes de corrupção e outros crimes cometidos no exercício de cargos públicos”.
No discurso, o dirigente da ASJP declarou estar de acordo com medidas da Agenda Anticorrupção apresentadas pelo Governo, desejando que sejam implementadas, mas questionou se o poder político está disposto a investir financeiramente na sua concretização.
Nuno Matos reconheceu que o “regime português vigente em matéria de combate à corrupção permite identificar algumas fragilidades de natureza substantiva, mas sobretudo permite identificar várias fragilidades a nível organizativo e executivo, sobretudo no âmbito da prevenção da corrupção”.
Considerando que permanece o fosso entre a ‘law in books’ e a ‘law em action’, “com a falta de assunção do combate à corrupção como prioridade na ação”, o dirigente sustentou que o modelo assente na intervenção estritamente legislativa - “havendo um problema, legisla-se e o problema fica resolvido” - é um modelo falhado, nomeadamente em matéria de corrupção.
Para o presidente da ASJP, “a relevância da questão da transparência e do combate à corrupção, quer no plano da perceção, quer no plano do seu real impacto, merece o empenho de todos aqueles que pretendem uma sociedade livre, justa e solidária”.
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