O presidente iraniano, Ebrahim Raisi, disse nesta quinta-feira que a morte de uma jovem que gerou protestos no país será investigada e acusa o Ocidente de hipocrisia por exacerbar as suspeitas sobre os alegados maus tratos perpetrados pela polícia da moralidade.
"Certamente será investigada", disse Raisi a jornalistas nas Nações Unidas, indicando que os relatórios oficiais não registaram abusos policiais.
Nos últimos dias, muitas iranianas saíram às ruas sem véu, aos gritos por "Liberdade!", numa onda de protestos que se levantou em várias cidades do país pela morte da jovem Mahsa Amini após a sua detenção, no dia 13 de setembro.
Fora do Irão, as mulheres iranianas também apoiam a revolta das suas compatriotas.
"[Amini] Foi a Teerão para visitar a família. Podia ter sido eu, a minha irmã, ou as minhas primas", disse à AFP Sara, de 48 anos, pseudónimo utilizado por motivos de segurança por ser mulher de origem iraniana e professora em França.
"Ela nem era uma ativista, apenas uma jovem tão normal quanto eu", completou.
Segundo Azadeh Kian, professor de sociologia da Universidade de Paris Cité e especialista em assuntos do Irão, “o inédito nestas manifestações é que as mulheres estão em primeiro plano”.
“As mulheres participaram no movimento de 2009”, recorda, destacando, no entanto, que, desde 2017, “os movimentos de protesto tinham como reivindicações a crise económica, o desemprego, o bloqueio político, etc... Mas desta vez ouvem-se protestos não apenas contra a situação geral do país, mas também pelos direitos das mulheres. É uma mudança importante", detalha.
Em muitos dos vídeos divulgados nas redes sociais, vê-se várias mulheres tirar o véu e deixar o cabelo exposto. As mulheres, especialmente no Curdistão iraniano, "queimaram os véus em protesto contra os fundamentos ideológicos do regime islâmico. É muito forte", ressalva Kian.
Rumores de violência
"Não tenho palavras (para explicar o que sinto)", diz à AFP, Mona (também de nome alterado), uma investigadora iraniana de 40 anos.
"Não consigo analisar a situação neste momento, o meu cérebro está bloqueado. Muitas pessoas que conheço estão agora na cadeia", continuou.
Com emoção, Sara lembra-se de uma vez ter tido "muito medo" quando foi detida pela polícia moral. Tinha 30 e poucos anos e estava de férias no Irão. Recorda-se que esteve no mesmo centro de detenção que Mahsa. Sara foi acusada de "não usar meias" e de estar de calças "muito curtas".
No Irão, as mulheres devem cobrir os cabelos. Também são proibidas de usarem casacos acima dos joelhos, calças justas, jeans rasgados, ou roupas de cores vivas.
Levada numa carrinha para o centro de detenção, Sara foi conduzida para um porão, onde havia outras mulheres. "Estava apavorada, porque tinha ouvido rumores de violência", recorda-se.
A sua mãe acabou por ir buscá-la, por volta da meia-noite, mas teve de deixar o cartão de identidade, recuperando o documento depois de um curso de "correção de comportamento" que durou várias horas.
Entre raiva e alegria
Em Nova Iorque, durante uma manifestação junto à sede da ONU, na quarta-feira, outra iraniana, uma profissional de saúde de 44 anos, que se apresentou sob o pseudónimo de Fereshteh, disse que as mulheres no Irão "atearam fogo aos véus em frente à polícia, porque não conseguem suportar este regime de loucos", comentou.
Saeideh Mirzaei, de 38 anos, estudante de doutoramento na Universidade de Manitoba, no Canadá, está dividida entre a "raiva" e a "alegria".
"Esperamos muito tempo (para reagir)", avalia a doutoranda que coorganizou várias manifestações em Winnipeg nos últimos dias e promete continuar, "enquanto as pessoas estiverem nas ruas no Irão".
Azadeh - também um pseudónimo -, de 63 anos, protestou na terça-feira em Genebra, em frente à sede das Nações Unidas.
"Sentimos raiva e não podemos controlá-la", reage, emocionada, pensando "na família que vive no Irão". "O véu não deve ser obrigatório, tem de ser livre", defende.
Na noite de quarta-feira o Governo iraniano bloqueou a internet quase totalmente e condicionou as aplicações WhatsApp e Instagram, numa aparente tentativa de controlar os protestos.
*com Lusa
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