Keita, que tinha sido detido na companhia do primeiro-ministro Boubou Cissé no final da tarde de terça-feira e levado para o acampamento militar onde se iniciou um motim no início do dia, surgiu por volta da meia-noite na televisão pública ORTM, usando máscara.

Na declaração, citada pela agência de notícias France-Presse (AFP), disse que tinha trabalhado desde a sua eleição, em 2013, para dar a volta ao país e “dar corpo e vida” ao exército maliano, que enfrenta a violência ‘jihadista’ há anos.

Apresentado como “presidente cessante”, Keita referiu-se depois às “várias manifestações” que têm vindo a exigir a sua partida há vários meses, afirmando que “o pior aconteceu”.

“Se hoje pareceu bem a alguns elementos das nossas forças armadas concluir que tudo deveria terminar com a sua intervenção, será que tenho realmente escolha? Não tenho outra escolha senão submeter-me, porque não quero que seja derramado sangue para me manter [no cargo]”, disse.

“É por isso que gostaria neste preciso momento, agradecendo ao povo do Mali o seu apoio ao longo destes longos anos e o calor do seu afeto, de vos anunciar a minha decisão de deixar as minhas funções, todas as minhas funções, a partir deste momento”, anunciou. “E com todas as consequências legais: a dissolução da assembleia nacional e do governo”, acrescentou.

Ibrahim Boubacar Keita e alguns membros do seu Governo foram detidos ao final da tarde de terça-feira, durante uma revolta por militares.

“Podemos dizer-vos que o Presidente e o primeiro-ministro estão sob o nosso controlo. Prendemo-los na sua casa [do chefe de Estado, em Bamako, capital]”, disse à AFP um dos líderes do motim, sob anonimato.

O ministro da Defesa Nacional de Portugal disse na terça-feira estar a acompanhar com grande preocupação a crise no Mali, onde estão destacados 63 militares da Força Aérea Portuguesa, na sequência da detenção do Presidente e do primeiro-ministro do país.

“O ministro da Defesa Nacional está a acompanhar a situação no Mali com grande preocupação, mais ainda numa altura em que Portugal tem no território uma Força Nacional Destacada de 63 militares e um avião de transporte C-295″, segundo informação prestada à agência Lusa pelo gabinete de João Gomes Cravinho.

O ministro acentuou “a ilegitimidade da imposição” da força para resolver o conflito e “considera fundamental respeitar a ordem constitucional do país”, adianta a mesma informação.

“Qualquer mudança que venha a ocorrer no Mali não pode ser imposta pela força das armas”, salienta a fonte do gabinete de João Gomes Cravinho.

Portugal tem desde 01 de julho uma Força Nacional Destacada no Mali, no âmbito da Missão Multidimensional Integrada para a Estabilização do Mali (Minusma), das Nações Unidas, que inclui 63 militares da Força Aérea Portuguesa e um avião de transporte C-295.

O objetivo da missão portuguesa é assegurar missões de transporte de passageiros e carga, transporte tático em pistas não preparadas, evacuações médicas, largada de paraquedistas e vigilância aérea e garantir a segurança do campo norueguês de Bifrost, em Bamako, onde estão alojados os militares portugueses.

Militares que tomaram poder no Mali anunciam eleições dentro de "prazo razoável"

Os militares que tomaram o poder no Mali e forçaramo Presidente Ibrahim Boubacar Keita a demitir-se, afirmaram hoje que pretendem uma "transição política civil" que conduza a eleições gerais dentro de um "prazo razoável".

“Nós, as forças patrióticas agrupadas no Comité Nacional para a Salvação do Povo (CNSP), decidimos assumir as nossas responsabilidades perante o povo e perante a história”, disse o porta-voz dos militares e vice-chefe de Estado-Maior da Força Aérea, coronel Ismaël Wagué, numa declaração emitida às 03:40 (04:40 em Lisboa) pela televisão pública ORTM.

“O nosso país […] afunda-se dia após dia no caos, na anarquia e na insegurança, por culpa dos homens encarregados do seu destino”, acusou o oficial, denunciando o “clientelismo político” e “a gestão familiar dos assuntos do Estado”.

“A sociedade civil e os movimentos sociopolíticos são convidados a juntar-se a nós para criar as melhores condições para uma transição política civil conducente a eleições gerais credíveis para o exercício da democracia, através de um roteiro que lançará as bases para um novo Mali”, acrescentou.

O porta-voz garantiu ainda que todos os acordos internacionais do Mali serão respeitados, afirmando que os militares estavam “empenhados no processo de Argel”, o acordo de paz assinado em 2015 entre Bamako e os grupos armados do norte do país.

O porta-voz dos militares pediu ainda o apoio das organizações internacionais “para o bem-estar do Mali”.

“A [missão da ONU] Minusma, a operação [anti-extremista francesa] Barkhane, o G5 Sahel [que inclui cinco países da região], a força Takuba [‘task-force’ de forças especiais europeias] continuam a ser nossos parceiros”, acrescentou.