“Peço desculpa pelo profundo dano causado às mães irlandesas e aos seus filhos acolhidos” nestes estabelecimentos administrados por freiras católicas e pelo Estado, declarou o chefe do Governo no Parlamento irlandês.

"O Estado falhou-vos”, reforçou Micheál Martin, um dia depois da publicação de um relatório de uma comissão de inquérito que denunciou os abusos registados ao longo de várias décadas nestas residências de acolhimento e a morte de milhares de crianças, algumas enterradas em valas comuns.

A comissão de inquérito em questão investigou durante cinco anos o funcionamento de 18 residências espalhadas pelo país ao longo de 76 anos, entre 1922 e 1998, por onde terão passado cerca de 56 mil mulheres solteiras e 57 mil crianças.

"As mulheres eram admitidas (…) porque não conseguiam garantir o apoio da sua família e do pai do filho. Eram forçadas a sair de casa e a procurar um lugar onde pudessem ficar sem ter de pagar. Muitas eram indigentes. As mulheres entravam nas residências porque que receavam que as famílias ou vizinhos soubessem da gravidez”, lê-se no documento, divulgado na terça-feira.

A maioria dos casos foram registados nos anos 1960 e 1970.

Na Irlanda, a proporção de mães solteiras que foram admitidas neste tipo de instituições no século 20 foi “provavelmente a mais alta do mundo", segundo o documento.

Muitas das mulheres eram jovens cujas gravidezes fora do casamento eram consideradas “ilegítimas” por uma sociedade conservadora devota à Igreja Católica, sendo encaminhadas pelas próprias famílias em segredo para as residências, que se encarregavam de dar os bebés para adoção.

A comissão de inquérito descobriu e identificou cerca de 9.000 mortes de crianças, o que equivale a perto de 15% do total das crianças que passaram pelas instituições, uma taxa de mortalidade muito superior à média nacional.

O inquérito foi aberto em 2015 na sequência do trabalho da historiadora Catherine Corless, que afirmou que quase 800 crianças nascidas numa dessas residências, a casa de Santa Maria das irmãs Bon Secours de Tuam (oeste da Irlanda), foram enterradas numa vala comum entre 1925 e 1961.

Na terça-feira, o primeiro-ministro irlandês afirmou que o relatório descrevia “um capítulo obscuro, difícil e vergonhoso da História irlandesa muito recente”, capítulo esse que teve "consequências reais e duradouras para muitas pessoas”.

“As crianças nascidas fora do casamento eram estigmatizadas, tratadas como párias”, denunciou hoje o primeiro-ministro.

E prosseguiu: “Adotámos uma moralidade e um controlo religioso perversos, um julgamento e uma certeza moral, mas rejeitámos as nossas filhas”.

“Honramos a piedade, mas não mostrámos a mais elementar bondade para com aqueles que mais precisavam dela”, concluiu Micheál Martin.

A República da Irlanda foi um dos últimos países ocidentais a legalizar o aborto, após um referendo em 2018.