A conta pessoal de WhatsApp de Mohammed bin Salman foi usada para enviar uma mensagem em 2018 a Jeff Bezos, segundo avança uma investigação do The Guardian.

De acordo com uma análise digital forense a que o jornal britânico teve acesso, o número usado pelo príncipe herdeiro da Arábia Saudita enviou uma mensagem encriptada com um vídeo de conteúdo malicioso no decurso de uma conversa aparentemente amigável com Jeff Bezos.

A intrusão no telemóvel do dono da Amazon terá ocorrido a 1 de maio de 2018, de acordo com várias fontes anónimas que falaram com o The Guardian, tendo sido extraídas grandes quantidades de informação do telemóvel de Bezos horas depois do hackeamento. Não se sabe, porém, qual a natureza dos dados extraídos.

O caso, escreve o The Guardian, poderá ter várias repercussões graves para Mohammed bin Salman, a começar pelo seu alegado envolvimento na morte de Jamal Khashoggi, jornalista e dissidente de nacionalidade saudita que foi morto a 2 de outubro de 2018 e cujo assassínio foi perpetrado por agentes do país do Médio Oriente.

Khashoggi, recorde-se, escrevia para o Washington Post, jornal detido por Jeff Bezos, sendo que o seu assassinato ocorreu cinco meses após este alegado roubo de informação do telemóvel do magnata. A Arábia Saudita, porém, continua a avançar de que a morte do jornalista decorreu no âmbito de uma operação rebelde, tendo avançado com condenações oito dos envolvidos, cinco dos quais com pena de morte.

A infiltração do telemóvel de Bezos traz também novos desenvolvimentos quanto às circunstâncias com que o tabloide norte-americano National Enquirer publicou mensagens de cariz íntimo do empresário — denunciando, inclusive, uma relação extraconjugal — em janeiro de 2019, nove meses depois do aparente hackeamento. 

Foi aliás, devido a este episódio que Bezos pediu uma análise forense ao seu telemóvel, de forma a apurar como é que as mensagens — e, segundo o próprio, fotografias que o National Enquirer ameaçou publicar — foram extraídas. O caso de aparente chantagem fez correr tinta.

A American Media, Inc (AMI) — empresa que, à época, detinha o National Enquirer — defendeu que obteve estes dados a partir do irmão da namorada de Bezos, mas a equipa de investigadores que analisou o telemóvel do magnata diz ter “alta confiança” de que os sauditas obtiveram acesso ao telemóvel do dono da Amazon para “conseguir informações privadas” quanto ele.

A adensar esta questão está o facto de que, continua o The Guardian, Mohammed bin Salman desenvolveu uma relação de proximidade com David Pecker, o diretor da AMI, meses antes desta operação se dar.

Tanto a Arábia Saudita como a AMI negam o seu envolvimento neste caso, mas estes novos desenvolvimentos podem agora chegar às Nações Unidas. O caso já estará a ser revisto por Agnès Callamard, responsável da ONU por investigar mortes extrajudiciais, sendo que este poderá ser considerado credível o suficiente para os investigadores pedirem explicações formais ao reino do Médio Oriente.

Callamard, de resto, já tem vindo a levar a cabo uma investigação à morte de Khashoggi, dizendo ter provas de que Mohammed bin Salman e outros oficiais sauditas estiveram diretamente relacionados com o assassinato do jornalista. A responsável da ONU, porém, prefere para já não tecer comentários quanto ao caso do telemóvel de Bezos, dizendo que todos os protocolos da ONU obrigam a que os investigadores avisem os governos em questão quanto às alegações públicas de que são alvo.

A 2 de outubro de 2018, o jornalista saudita Jamal Khashoggi, radicado nos Estados Unidos, entrou no consulado da Arábia Saudita em Istambul, na Turquia, para tratar de documentos necessários para o casamento com uma cidadã turca.

O jornalista não voltou a sair do consulado, onde foi morto por agentes sauditas provenientes de Riade, e que regressaram à Arábia Saudita logo após o assassínio.

O julgamento de 11 suspeitos pelo assassínio começou no início de janeiro, na Arábia Saudita, e o procurador-geral solicitou a pena de morte para cinco deles. Até ao momento ninguém foi condenado.

Em junho de 2019, a ONU publicou um relatório que responsabiliza diretamente Mohammed bin Salman e pediu mais sanções internacionais contra a monarquia saudita e o prosseguimento das investigações sob os auspícios do organismo internacional.