Pedro Ribeiro de Castro é o advogado do processo que reuniu as “várias queixas-crime que se fundiram num processo”, mas também um dos que na serra da Agrela, em 18 de julho de 2020, tentou evitar a morte dos animais atingidos pelo incêndio iniciado na véspera em Valongo.

É, por isso, com alguma “surpresa” que, um ano depois, vê “continuar parado o processo” acionado e que, no caso concreto do partido Pessoas–Animais–Natureza (PAN), depressa identificou os alvos: o presidente da Câmara de Santo Tirso, Alberto Costa, elementos da GNR local, Proteção Civil de Santo Tirso, o ex-veterinário municipal Jorge Salústio e as proprietárias dos abrigos ilegais "Cantinho das Quatro Patas" e "Abrigo de Paredes".

“Aqui chegados, que conste no processo, ainda ninguém foi ouvido. Aliás, o PAN foi notificado para apresentar prova dos factos denunciados, o que muito nos admirou, pois acontece ao fim de um ano e depois de ter apresentado um rol de 25 testemunhas e mais um CD cheio de fotografias e de vídeos. Imaginamos que possa ter havido um equívoco no Ministério Público”, relatou o advogado.

Pedro Ribeiro de Castro acrescentou que “foram também entregues autópsias feitas aos animais que perderam a vida nos incêndios”.

A Lusa contactou o tribunal que confirmou ainda não ter sido deduzida a acusação.

Afirmando desconhecer “quantos animais morreram e quantos foram salvos” naquele dia, o advogado acrescenta, na primeira pessoa, mais episódios ao vivido na serra da Agrela.

“Participei no resgaste dos animais, estive lá no dia 18, e nas duas semanas seguintes, procurei e encontrámos cerca de 10 animais que fugiram para a serra”, relatou, antes de deixar críticas ao apoio que “não existiu”.

Segundo Pedro Ribeiro de Castro, “se tivesse havido um resgate concertado das autoridades policiais com a Proteção Civil e as associações que estiveram no local, as coisas tinham corrido da melhor forma e nem se verificava aquela indignação popular, porque o que se assistiu no local foi uma inoperância e uma omissão terrível da parte dos órgãos de polícia criminal que estiveram no local”.

Por isso, vincou, a “versão dada pela GNR não corresponde, de todo, à verdade dos factos, como todos os que lá estiveram testemunham”.

Pedro Ribeiro lembrou que, naquele dia, os populares que estiveram no local a tentar socorrer os animais acusaram a GNR de os impedir de entrar nos abrigos, o que terá provocado a morte de mais cães e gatos.

Por seu lado, acrescentou, a GNR alegou não os deixar entrar naqueles espaços por se tratar de propriedade privada.

O advogado deixou outro lamento relacionado com aquela autoridade: “O comandante Brás, da GNR de Santo Tirso, fez uma data de queixas contra cidadãos que estavam na serra da Agrela no dia do incêndio e desse processo já há constituição de arguidos por difamação e injúrias, continuando o principal, que é o nosso, sem arguidos”.

As primeiras denúncias, recordou o advogado, foram feitas em 2017, mas o processo-crime acabou arquivado, ficado no ouvido de Pedro Ribeiro de Castro a “frase do então médico veterinário de Santo Tirso, Jorge Salústio, que afirmou: os cães têm comida e água”.

Jorge Salústio, que, segundo informação divulgada a 30 de junho pela Ordem dos Médicos Veterinários, vai ser alvo de um processo disciplinar, foi suspenso das suas funções e substituído no cargo por Hélder Tulha, no dia seguinte ao incêndio.

Para assinalar o primeiro ano da tragédia, o PAN vai organizar no domingo, junto ao “Cantinho das Quatro Patas”, em evento que será transmitido pelas 16:00 nas redes sociais e que contará com a presença da porta-voz Inês Sousa Real.

Câmara de Santo Tirso contabilizou 73 animais mortos

A Câmara de Santo Tirso registou 73 animais mortos, 69 cães e quatro gatos, no incêndio de 18 de julho de 2020 que atingiu os dois abrigos ilegais situados na serra da Agrela, disse à Lusa o município.

O "Cantinho das Quatro Patas" e o "Abrigo de Paredes" foram atingidos na altura pelo incêndio que começara na véspera em Valongo e que levou ao local muitas pessoas que anteriormente haviam denunciado a falta de condições em que estavam alojadas centenas de cães e gatos, acabando uma parte dos animais resgatada com vida por muitos desses populares.

De forma oficial pela primeira vez desde o incêndio, uma das entidades envolvidas revelou à Lusa o número de animais mortos, confirmando a estimativa de cerca de 70 que prevaleceu nos dias seguintes ao incêndio.

Na informação disponibilizada, aquele município do distrito do Porto liderado pelo socialista Alberto Costa argumenta que, no “dia do incêndio, em resultado da invasão dos canis por parte dos populares, foi impossível terminar o trabalho de identificação dos animais, que estava a ser desenvolvido pela autarquia, em colaboração com a GNR e algumas associações”.

Depois da invasão, refere no documento, foi possível encontrar o rasto a cerca de 190 animais.

Acusada pelos populares de “nunca antes ter resolvido o problema apesar das sucessivas denúncias de falta de condições”, a autarquia de Santo Tirso figura nas diversas comunicações que resultaram num processo-crime que corre termos no tribunal judicial local.

Depois do incêndio, a fim de “serem controlados os danos e garantir o acompanhamento da situação destes animais”, a câmara “contactou as associações e os particulares que os acolheram, para compreender de que forma estava a decorrer o processo de adaptação dos mesmos”, acrescenta na informação enviada à Lusa.

O município assegura ter respondido aos “diversos pedidos de apoio (vacinação medicamentos e esterilizações)” e que, com o apoio de várias empresas, “distribuiu mais de quatro toneladas de ração”.

A contratação de um novo veterinário municipal, o alargamento do horário de funcionamento do Centro de Recolha Oficial (CRO) do município e a conclusão do processo de esterilização e vacinação dos animais dos abrigos atingidos pelo incêndio, entre os dias 12 de outubro e 27 de novembro de 2020, foram algumas das medidas implementadas pelo município, lê-se ainda.

Comparando o primeiro semestre e segundo semestres de 2020, a câmara dá conta de “um crescimento de 251% em adoções, 467% em esterilizações, 708% em vacinas e 290% em recolha/entrega de animais no CRO”.

“Já em 2021, aproveitando o período de isolamento motivado pela pandemia, o município avançou com o programa CED (Captura, Esterilização e Devolução), atuando junto das colónias de gatos de rua, capturando-os, esterilizando-os e devolvendo-os ao seu local de origem. Uma ação com a colaboração da Associação Midas (Matosinhos) para a captura”, assinalou a câmara.

No âmbito desta ação, até ao final de junho foram esterilizados mais de 500 animais de rua (321 gatas e 189 gatos), o que representou um investimento de 15 mil euros, totalmente municipal, acrescenta.

Relativamente aos terrenos onde estavam instalados os dois abrigos ilegais, a autarquia informa que “continuam a ser privados” e que a “limpeza dos mesmos já foi realizada”.

“No entanto, por não ter sido feita de forma totalmente satisfatória para o município de Santo Tirso, as proprietárias foram notificadas para a necessidade de remoção de todas as construções (casotas) e das vedações”, conclui o comunicado.

A Lusa contactou também o Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) da GNR, que após o incêndio realizou um relatório pericial sobre os animais, procurando, também aqui, saber quantos animais morreram, mas a resposta foi que o documento foi remetido para o Ministério Público, cujo inquérito se encontra em segredo de justiça.