“É um caso que vai além do pagamento à [ex-atriz pornográfica] Stormy Daniels… tem fraude financeira, fraude eleitoral, pagamentos para encobrimento de crime”, explicou a analista. A expectativa é de que seja “um julgamento longo”, com muitas testemunhas. “As acusações são mais sérias do que aquilo que se esperava”.
Os contornos que estão na origem da acusação trazida pelo procurador distrital de Manhattan, Alvin Bragg, já eram conhecidos. Donald Trump terá pago subornos para evitar que histórias comprometedoras fossem divulgadas e terá falsificado os registos desses pagamentos.
Mas a acusação eleva a seriedade das infrações por terem sido feitas, segundo disse Alvin Bragg, para encobrir crimes relacionados com a eleição presidencial de 2016.
Estes contornos são “densos” e a complexidade poderá tornar o caso mais difícil de provar em tribunal, sublinhou Daniela Melo.
Há uma variedade de opiniões sobre a solidez do processo, com alguns analistas a apontarem que ninguém está acima da lei e que, se foram cometidos delitos, não podem ser ignorados consoante o perpetrador.
Vários outros levantam dúvidas sobre a força das acusações e a sua permeabilidade a críticas de que se trata de um processo dúbio de contornos políticos.
“O ponto principal é que isto é obscuro”, disse o professor Richard Hasen, da escola de Direito da Universidade da Califórnia em Los Angeles, citado pela Associated Press. “E o procurador não ofereceu uma análise legal detalhada de como podem fazer isto, como podem contornar os potenciais obstáculos”, disse Hasen, considerando que o caso poderá arrastar-se durante muito tempo.
Há dúvidas, por exemplo, de que o candidato a um cargo federal possa ser indiciado por casos que envolvem leis eleitorais estaduais. Há também incerteza sobre se o caso pode ser julgado num tribunal estadual se envolver leis eleitorais federais.
Chris Conroy, um dos procuradores envolvidos, disse ao juiz do Tribunal Criminal de Manhattan que o pagamento de subornos foi feito para encobrir outros crimes. Os 130 mil dólares pagos a Stormy Daniels excederam o limite federal de contribuições de campanha, sendo que em Nova Iorque é um crime promover candidatos por vias ilegais.
“Foi isso que o arguido fez quando falsificou registos financeiros para encobrir esforços ilegais para promover a sua candidatura, e é por isso que estamos aqui”, disse Conroy.
Michelle Cottle, membro do conselho editorial do New York Times, disse numa mesa redonda do jornal que este caso é “incrivelmente complicado” e será mais difícil de explicar aos norte-americanos e aos próprios jurados que vão julgar Trump.
A colunista Lydia Polgreen afirmou, na mesma mesa redonda, estar muito mais interessada nas investigações em curso sobre as pressões de Trump para subverter o resultado eleitoral na Geórgia e os documentos classificados ocultados em Mar-a-Lago.
Isso é algo que Daniela Melo também referiu, mas colocou em perspetiva.
“Comparado com os outros, este caso parecia mais fraco. Os crimes em si não tinham penas muito graves e é aquele caso mais passível de ser interpretado como um ataque pessoal”, indicou a analista. “Mas quando pegamos nos casos principais e os pomos todos juntos, há um padrão de comportamento do ponto de vista da lei que também será considerado”.
Além da possível interferência na Geórgia e a investigação do procurador especial Jack Smith aos documentos classificados encontrados em Mar-a-Lago, Trump também está a ser investigado pelo seu papel no assalto ao Capitólio.
“Olhando para o caso da Geórgia, do [assalto ao Capitólio em] 6 de janeiro [de 2021] e dos documentos, o que eu vejo é um presidente que com este caso começou a tomar certas liberdades com a lei – para ajudar a primeira campanha eleitoral – e vemos aqui uma escalada de comportamento ilegal”, frisou Daniela Melo.
“Vistos todos juntos, do ponto de vista legal, o ex-presidente está definitivamente em sarilhos”, disse, considerando ainda que “com 34 acusações é difícil que consiga ser ilibado de todas”.
No entanto, há uma ponderação de que o indiciamento de Trump será benéfico para a sua campanha à nomeação Republicana para as presidenciais.
“A campanha de Donald Trump conseguiu converter este momento e capitalizar nele para relançar a campanha que estava com dificuldades em ser assertiva”, disse Daniela Melo. “Neste momento não há espaço para mais ninguém, Donald Trump volta o ser o foco total da atenção com todo um discurso populista em que tanto é vítima como salvador da nação”.
A campanha de Trump angariou 12 milhões de dólares em donativos na semana que se seguiu à acusação e o ex-presidente conseguiu o apoio unânime dos Republicanos, incluindo críticos como Mitt Romney.
“Do ponto de vista dos adversários isto foi péssimo, porque mais uma vez temos Trump no centro”, frisou Melo. “Para Ron DeSantis, isto é o pior que podia ter acontecido”.
O que a politóloga questiona é se o apoio da base a Trump será suficiente numa eleição nacional.
“Isto provavelmente ajuda Trump na campanha para as primárias, mas as indicações é de que é terrível para a eleição nacional”, afirmou. “Apesar de manter o apoio sólido de uma base dos eleitores Republicanos, está a perder o voto dos independentes”. E, sem eles, Trump não consegue recuperar a coligação que o elegeu em 2016.
“Este momento é bom para a campanha de Trump, mau para a campanha nacional de Trump, mau para os adversários dentro do partido Republicano e potencialmente ótimo para Biden”, resumiu a analista.
Melo também disse não ter a certeza se o ex-presidente vai conseguir manter este apoio por muito mais tempo, sobretudo se for alvo de outras acusações, e o Partido Republicano dá sinais de que gostaria de ver outra pessoa como candidato.
“Esta candidatura de Trump só faz sentido para Trump”, considerou. “Ele vê esta candidatura como uma forma de se salvaguardar contra estes processos-crime. Temos aqui um homem em fase de sobrevivência”.
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