Um “braço-de-ferro” entre os pescadores da foz do rio, no Porto, e o capitão do porto do Douro, Cruz Martins, em torno da proibição de pescar no molhe norte da barra, tem crescido após a tomada de posse deste, a 17 de janeiro, e da aplicação de uma lei que, segundo o graduado, é de 2018, mas aplicada apenas em 2019.
Com as ondas a cerca de 300 metros de distância a galgar o molhe construído em 2009 e que está no centro da polémica, a Lusa falou com dois da cerca de uma dezena de pescadores que tentavam a sua sorte na pesca do robalo.
Reformado e habituado a pescar no local onde o rio Douro encontra o oceano Atlântico, José Silva lamentou a decisão da capitania de "proibir a pesca num molhe onde foi garantindo que era, também, para a pesca desportiva e lúdica".
"Nós sabemos que ali [no molhe] é perigoso, porque o chão está coberto de limo e não há segurança nenhuma", disse o pescador enquanto verificava o anzol depois de mais um arremesso à água e a memória trazer à conversa o "acidente, há dois anos, em que uma senhora com duas crianças caiu à água" e um outro, em que "um ciclista, apanhado por uma vaga, foi salvo por um barco".
Precisando que "em ambas as situações as pessoas foram salvas porque os pescadores estavam por perto e alertaram", José Silva baseia-se na "longa experiência" para afirmar que no "molhe apanha-se mais e melhor o peixe".
"Antes de haver o cais norte pescávamos aqui, no cais velho, mas ali pesca-se melhor, porque aqui o peixe pode ficar preso nas pedras", justificou José Silva, um dos milhares de pescadores que "anualmente paga oito euros de licença de pesca".
Questionado pela Lusa se a pesca ali não tinha fins comerciais, José Silva assumiu as duas faces da moeda.
"Não há aqui ninguém a fazer vida, mas se eu tirar dois peixes de meio quilo e depois engato um de seis quilos, não o vou comer, é para vender. É o que a gente faz", disse, revelando, a título de exemplo, ter apanhando em 1997 "um peixe de 6,3 quilos” que depois vendeu "por 18 contos (cerca de 96 euros)".
Paulo Gonçalves, também pescador nas horas livres, criticou a decisão da capitania, mas reconheceu haver abusos por parte de pescadores, afastando, contudo, a possibilidade de tal corresponder à intenção de pescar para venda.
"Em mil pescadores que pescam aqui, dois ou três é que vendem o peixe", garantiu à Lusa o jovem pescador, para quem os donos dos barcos parados umas dezenas de metros à frente, na água, perto da foz, são "quem se governa" com a pesca lúdica.
Convidado a explicar porque preferem pescar no molhe norte e não no antigo, onde ficam quando a ondulação galga a estrutura, Paulo Gonçalves disse que é por ser lá a "entrada do peixe atrás do alimento", numa rota seguida pelos "robalos, lulas, cavalas, sargos" à procura do "camarão, petinga, caranguejos e pilado" de que se alimentam.
"Não há aqui no porto nenhum local para pescar como aquele cais", assegurou, garantindo que assim que o tempo melhore será para lá que os "pescadores voltarão".
O capitão Cruz Martins recusou a "perseguição" aos pescadores, esclarecendo que a lei "foi publicada em edital em outubro de 2018", pelo seu antecessor, e que o que tem acontecido este ano é que "a Polícia Marítima, ao longo das suas ações de fiscalização, tem passado e informado as pessoas de que não se pode pescar no local".
"Estamos numa fase de sensibilização e ainda não autuei ninguém por pescar ali", disse, vincando que a decisão "visa garantir a segurança das pessoas, tomando as medidas a tempo de evitar tragédias".
Questionado pela Lusa sobre se tem conhecimento da venda ilegal de pescado, Cruz Martins assumiu que "a pesca lúdica e a venda de pescado é uma questão transversal ao país", afirmando-se "bastante familiarizado com o assunto" depois de já ter sido capitão dos portos de Portimão, Lagos e São Miguel, no arquipélago dos Açores.
"No Porto, se calhar, a insistência para pescar no molhe será de quem pretende, efetivamente, não uma atividade de lazer, mas o pescar maiores quantidades", disse.
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