Inicialmente, as autoridades chinesas optaram por censurar qualquer informação sobre os protestos, que decorrem há dez semanas, mas, nos últimos dias, optaram por caracterizá-los como tumultos violentos, perpetuados por mercenários pagos por forças externas.

Na semana passada, uma jornalista da agência noticiosa oficial Xinhua visitou Hong Kong e descreveu a cidade como "envolta num terror negro". A cobertura diária na imprensa chinesa mostra imagens de manifestantes a atirar tijolos, provocar a polícia e a cercar esquadras.

Os manifestantes são descritos como "radicais" e "bandidos", os polícias como "heróis" - imagens de alegados abusos pelas autoridades são omitidas. As dezenas de homens armados com barras de ferro que, em julho passado, agrediram violentamente manifestantes pró-democracia, num ataque atribuído a tríades mafiosas controladas por Pequim, foram descritos como "patriotas".

Uma notícia difundida na segunda-feira, e que surge no topo das sugestões do motor de busca chinês Baidu, líder no país, — o Google está bloqueado na China — informa que os manifestantes recebem, por dia, 8.000 dólares de Hong Kong por participarem ou 50.000 dólares de Hong Kong, caso matem um polícia.

A notícia, publicada pela edição em língua chinesa do Global Times, jornal oficial do Partido Comunista (PCC), não refere a origem do financiamento, mas a imprensa de Pequim tem acusado Washington de fomentar a insurreição.

"Trata-se, afinal de contas, do trabalho dos Estados Unidos", disse Hua Chunying, porta-voz do ministério chinês dos Negócios Estrangeiros, na semana passada, sem apresentar qualquer evidência.

A notícia do Global Times surgiu também no mesmo dia em que o Governo chinês afirmou que há "sinais de terrorismo" nos protestos antigovernamentais em Hong Kong.

"Os manifestantes já se converteram num grupo terrorista", comentou também um dos internautas. "Só com uma intervenção militar é que é possível conter o terrorismo", escreveu outro.

A imprensa oficial chinesa tem também apelado ao público do continente para ajudar a proteger a soberania da China, encorajando uma forte reação nacionalista.

Em 3 de agosto passado, depois de os manifestantes retirarem uma bandeira chinesa do mastro e a atirarem à água no icónico porto de Vitória, a televisão estatal chinesa CCTV lançou uma campanha de apoio à bandeira do país, com milhões de internautas a fazerem "gosto" na imagem.

No país mais populoso do mundo, com cerca de 1.400 milhões de habitantes, a narrativa é controlada pelo PCC, cujo Departamento de Propaganda emite diretrizes para os órgãos de comunicação nacionais.

Vários órgãos de comunicação ou portais estrangeiros, incluindo Facebook, Twitter ou Instagram, estão banidos da rede chinesa, a maior do mundo, com cerca de 710 milhões de utilizadores.

A educação patriótica, reforçada após o movimento pró-democracia da Praça Tiananmen, esmagado na noite de 3 para 4 de junho de 1989, quando tanques do exército foram enviados para pôr fim a sete semanas de protestos, ajudarão também ao furor nacionalista.

Hong Kong vive um clima de contestação social desencadeado pela apresentação de uma proposta de alteração à lei da extradição, que permitiria ao Governo e aos tribunais da região administrativa especial a extradição de suspeitos de crimes para jurisdições sem acordos prévios, como é o caso da China continental.

A proposta foi, entretanto, suspensa, mas as manifestações generalizaram-se e denunciam agora aquilo que os manifestantes afirmam ser uma "erosão das liberdades" na antiga colónia britânica, enquanto apelam à demissão de Carrie Lam, a chefe do governo local, pró-Pequim e à eleição de um sucessor por sufrágio universal direto, e não nomeado pelo Governo central.

(Por: João Pimenta da Agência Lusa)