Dos comícios para a televisão. A campanha à liderança do PSD  estava até hoje a decorrer num circuito fechado aos militantes, faltando ganhar o espetro nacional que se impõe quando se trata de eleições num dos partidos do tradicional arco da governação .

Com o debate a decorrer na RTP, foi a oportunidade para Rui Rio, Luís Montenegro e Miguel Pinto Luz darem a conhecer os seus projetos e exporem as suas diferenças. Houve, porém, mais do primeiro que do segundo.

Propositada ou não, a data escolhida para este debate coincidiu com um dia de grande significado para o PSD, já que ontem se assinalaram 39 anos da morte de Francisco Sá Carneiro, co-fundador do partido. De resto, os três candidatos fizeram questão de prestar as devidas homenagens ao longo do dia.

Em dia de paz armada, foi o atual líder dos sociais-democratas a dar o primeiro disparo e a quebrar o armistício. Questionado pela editora de política da RTP, Luísa Bastos, quanto à sua margem de manobra no partido depois de duas derrotas pesadas — nas Europeias e nas Legislativas deste ano — Rui Rio recuperou a sua tese de que “as coisas têm de ser vistas em termos relativos” e “os resultados eleitorais têm de ser contextualizados”. Dentro das várias justificações que deu, entre a conjuntura internacional favorável ao PS, o facto de ter estado a concorrer contra um primeiro-ministro em exercício e de terem “surgido três novos partidos à direita”, mencionou o “clima de guerrilha interna permanente” no partido.

A reação foi imediata: os dois concorrentes de Rio começaram de imediato a tomar notas e ele deu por isso. Nos 15 minutos seguintes, seria um ataque de dois contra um.

“Uma alternativa que não é alternativa”

A primeira resposta veio da parte de Montenegro. Referindo que os resultados “mesmo relativizados, são os piores de sempre”, o ex-presidente do grupo parlamentar lembrou que o PS só ganhou as legislativas com 36%, o que “demonstra que havia eleitorado disponível para poder confiar na alternativa política do PSD”. Tal não aconteceu, defendeu, porque o PSD “ apresentou-se como uma espécie de PS número 2”, sendo “uma alternativa que não é alternativa”. Por isso mesmo, Montenegro disse a Rio que “não vale a pena apresentar desculpas”, considerando a menção de guerrilha uma “desculpa esfarrapada” que “não colhe”, frisando que o partido sempre teve “espaço para haver uma opinião plural”. “Se não houve unidade no PSD, isso deve-se ao dr. Rui Rio”, concluiu.

Igual mote apresentou Pinto Luz, que falou numa “estratégia de subalternização ao PS”, dando a “iniciativa política” ao partido de governo, nomeadamente nos dois temas em que chegou a acordo: a descentralização e os fundos estruturais. “Das duas vezes que Rui Rio optou por se aproximar do PS, correu mal”, considerou o candidato. Para além disso, o vice-presidente da Câmara de Oeiras lamentou que Rui Rio estivesse “numa lengalenga” de “contra tudo e contra todos” e rejeitou situações de conflito interno no partido, dizendo que “sempre foi assim a dialética de liberdade dentro do PSD”.

“Eu não queria puxar por isto, se não viessem com esta história”

As respostas apenas acirraram o tom e o “round 2” prosseguiu ainda mais amargo. Perante as críticas aos seus resultados, Rio apontou aos próprios insucessos dos seus rivais. ““Estes dois senhores tiveram resultados eleitorais brilhantes: Luís Montenegro foi duas vezes candidato à concelhia de Espinho e não ganhou, uma vez à distrital de Aveiro e não ganhou, agora quer ganhar as legislativas, até acho que com maioria absoluta, e a Câmara de Lisboa. Os pergaminhos que apresenta são estes”, ironizou. Já com Pinto Luz, recordou que o PSD teve maus resultados no distrito nas autárquicas de 2013 e 2017, com valores de 22% e 11%, quando este foi presidente da distrital de Lisboa. 

“Eu não queria puxar por isto, se não viessem com esta história”, defendeu-se o atual presidente do PSD. Mas puxou, e o confronto prosseguiu.

“Sabe o que aconteceu com Passos Coelho, não sabe? Perdeu a câmara da Amadora e depois ganhou duas eleições legislativas e foi primeiro ministro”, disparou Montenegro, recordando também que Marcelo Rebelo de Sousa foi igualmente um candidato perdedor a Lisboa mas que agora é Presidente da República. “Sabe, dr. Rui Rio, você tem de respeitar mais as pessoas do PSD e as pessoas que dão a cara pelos combates difíceis”, lançou o candidato.

"Onde é que o sr. estava nessa altura?"

Ao seu lado, o outro concorrente fez a admissão, “olhos nos olhos”: “eu perdi eleições, mas eu não me escondo nem transformo derrotas em vitórias”, sublinhou, salientando, porém, que tais desaires ocorreram com o país sob um programa de assistência e dizendo que não viu nessa altura Rui Rio ao lado de Passos Coelho. “Onde é que o sr. estava nessa altura? Andava por aí, de facto, mas não estava ao lado de Pedro Passos Coelho nas grandes transformações que era necessário fazer”, apontou Pinto Luz.

A estes ataques, que considerou serem uma “hipocrisia completa”, Rio lembrou que “as características dos principais apoiantes” dos dois candidatos foi terem-se “notabilizado a criar permanente instabilidade no partido e a tentar que este tivesse o pior resultado possível”. Para pacificar o PSD, o seu presidente disse que tentou não dar gás à contestação.

Montenegro rejeitou qualquer responsabilidade nos maus resultados do partido pelas críticas que fez a Rio e perguntou-lhe não só se também incluía o seu antigo vice-presidente Castro Almeida e o ex-Presidente da República Cavaco Silva entre esses críticos, como também se ele próprio não foi o oponente interno a Passos Coelho. A esta insinuação, Rio respondeu que “praticamente” não fez críticas ao governo de Passos Coelho, recordando apenas duas situações em que o fez, uma delas enquanto autarca do Porto.

“Você não contribuiu para unir o partido”, atirou Montenegro; “você também não, quando tentou fazer aquele golpe de estado”, retorquiu Rio. A troca de acusações pareceu chegar a um impasse, mas o debate teve ainda de bater no fundo antes de voltar à tona.

“Os senhores são conhecidos como sendo da maçonaria”

Luísa Bastos perguntou a Rio se, quando alertou previamente para uma possível infiltração da Maçonaria no partido, estava a referir-se aos outros dois candidatos, e o presidente do PSD foi perentório: “os senhores são conhecidos como sendo da maçonaria”.

O incómodo sentiu-se, mas antes da esperada resposta, Rio explicou ainda o porquê desta sua oposição. “Não consigo compreender como, no pós-25 de Abril, há necessidade de haver sociedades ou associações com um certo secretismo”, referiu o presidente do PSD, falando na incompatibilidade entre ter um papel político alvo de escrutínio ao mesmo tempo que se tem “obediências secretas que não são devidamente escrutinadas”.

Na resposta, Montenegro falou em “política de insinuação” de “lançar anátemas para o ar, ainda por cima atingindo o próprio partido”. “Não pertenço nem pertenci à Maçonaria, já disse isto em público”, continuou o candidato, dizendo que, na ausência de argumentos políticos, Rio fazia ”lembrar um náufrago que se agarra a uma bóia que já está furada”

Já quanto a Pinto Luz, este quis dirigir-se “ao elefante dentro da sala”. “Fui membro da Maçonaria quando tinha 20 e poucos anos, já não sou há mais de dez”.“Nunca me senti limitado na minha liberdade. Com a mesma liberdade que entrei, foi com a que saí, de cabeça erguida, desde que tenho cargos públicos que não pertenço à Maçonaria”, afirmou, pondo um fim ao assunto.

Uma questão de orçamentos

Se no plano político interpartidário, os candidatos se apresentaram profundamente divergentes — Rio vindo da ala antiga, Montenegro da ala passista e Pinto Luz de uma espécie de “terceira via” — na sua análise socioeconómica do país houve convergência. ““Acho que estamos mais ou menos todos de acordo nesta matéria”, disse, às tantas, Pinto Luz.

A segunda metade do debate, porém, começou com uma “divergência real”, como assumiu Rui Rio. Em causa estava a possível aprovação de um Orçamento do Estado proposto pelo PS.

Montenegro foi claro na sua posição: “Eu não me revejo nos princípios programáticos deste governo e é por isso que lhe digo, comigo não há nem negociação com o Partido Socialista, nem vamos viabilizar nenhum orçamento”, disse, evocando a memória de Francisco Sá Carneiro e lendo uma passagem do seu livro "Impasse", de 1978 — obra que, de resto, Pinto Luz também fez questão de exibir e passar ao atual presidente do PSD durante o debate.

Rio porém, dando seguimento àquilo que tem sido a sua postura enquanto presidente do PSD, falou na necessidade de ser “oposição construtiva”, onde se deve “criticar quando é de criticar e “apresentar a visão alternativa”, mas também “concordar” porque para isso “é preciso grandeza” e essa “um partido responsável tem de ter”.

Em termos mais pragmáticos, o presidente do PSD estava a referir-se à necessidade inevitável de negociar com os socialistas em casos onde “o país tem estrangulamentos de ordem estrutural em relação ao seu desenvolvimento”. Dando um exemplo, Rui referiu como a reforma do sistema político só se pode fazer com o PS.

Se as posições de Rio e Montenegro já eram bem conhecidas antes do debate, faltava a de Pinto Luz. Por um lado, disse admitir aprovar “qualquer Orçamento do Estado que seja bom para os portugueses”, posicionando-se “diametralmente oposto” a Montenegro no que toca ao “permanentemente bota-abaixo simplesmente porque a origem do orçamento é do PS”. Por outro, meteu sal na fervura, dizendo também não acreditar “ que António Costa apresente um Orçamento do Estado bom para os portugueses” e que Rui Rio tem apostado nas áreas erradas para propor pactos de regime, que devem ser feitos na área do ambiente e que o PSD deve ser “a locomotiva da mudança”.

Vendo-se subitamente em minoria, Montenegro defendeu que não ia “votar contra tudo só por vir do PS” mas que, realisticamente, dada a escolha dos socialistas de governar com apoio parlamentar do PCP e do BE, dificilmente haverá pontos de contacto com o PSD. “Não temos ilusões, o PS não quer fazer entendimentos estruturais connosco”, justificou o candidato, dizendo que a solução passa por “ganhar uma maioria ao PS”.

Aí, também Rio concedeu ser “muito difícil” viabilizar orçamentos. “Tenho de ver o documento para estar de acordo ou desacordo, mas é muito pouco provável que o PS consiga apresentar um documento que colha simpatias no PSD e ao mesmo tempo no PCP e no BE”, justificou o presidente do PSD.

Por fim, a paz

Passando as diferenças quanto ao orçamento e à relação com o PS, o debate amainou consideravelmente quando o tema foi criticar as políticas do governo, deixando de haver farpas trocadas entre os candidatos.

Pinto Luz, por exemplo, deixou críticas ao peso do Estado na economia, designadamente ao nível da sua presença no setor dos transportes em geral - falou mesmo no caso da TAP -, e defendeu em contraponto que deve ter um papel mais forte, por exemplo, na rede de creches. 

Já em matérias de estado social, o candidato defendeu a necessidade de "um novo contrato social com os portugueses", juntando o Estado, o privado e o setor social. “Os portugueses de hoje anseiam por opções de qualidade e essas não lhes são dadas pelo Estado social”, apontou.

No mesmo sentido, Luís Montenegro, antigo líder parlamentar social-democrata, atacou o Governo socialista e considerou irónico que Portugal "atingiu a maior carga fiscal de sempre, e ao mesmo tempo, não utiliza o montante arrecadado pelos impostos para melhorar os serviços públicos".

"O caso da saúde é escandaloso, o sistema está a rebentar pelas costuras. Há um complexo do PS atual que está amarrado, insisto, ao PCP e ao Bloco de Esquerda, segundo o qual todos os serviços devem ser prestado pelos equipamentos do Estado, e não há complementaridade com o setor privado e com o setor social", apontou.

“Aquilo que deve estar no centro de uma política pública”, disse,  é “o cidadão, que tem de ver o seu problema resolvido, independentemente do prestador do serviço. Outro apontamento que deixou foi no facto de durante um governo de esquerda se atravessar “o pior momento no acesso dos portugueses à saúde” e “no melhor momento dos prestadores de saúde privados, que nunca ganharam tanto dinheiro como nos últimos quatro anos”.

Já o atual presidente do PSD centrou as suas críticas no atual modelo económico seguido pelo executivo de António Costa, colocando aqui a fonte dos problemas ao nível do funcionamento dos serviços públicos.

"A componente nuclear, o ponto de partida tem a ver com o modelo de crescimento económico. Se nós não invertermos o modelo de crescimento económico que o PS tem seguido, não vamos conseguir resolver nada disto. Precisamos de crescimento económico, de mais organização na despesa, otimização da despesa pública e, depois, mais receita, mas mais receita por via de maior crescimento económico e não por maior carga fiscal, que atingiu um patamar do outro mundo - e penso que vai continuar a subir", afirmou Rio.

Na reta final do debate, houve de novo pequenas divergências, mas sem crispação. As diferenças entre os três candidatos registaram-se na resposta à questão sobre se este Governo minoritário socialista tem condições para durar os quatro anos da legislatura, com Luís Montenegro a acreditar que sim e Rui Rio a dizer que esta legislatura será "mais difícil", até porque a sua chegada à liderança "acabou por ajudar a destruir um bocado o cimento" que antes existia entre os parceiros de esquerda.

A conversa encerrou-se com os objetivos traçados por cada um dos três candidatos para as próximas eleições autárquicas, sendo que Luís Montenegro considerou que a vitória do partido está ao alcance, inclusivamente na disputa da Câmara de Lisboa.

"Tenho na minha cabeça várias pessoas que podem cumprir esse objetivo", afirmou, embora recusando-se a falar de nomes e já depois de reconhecer que "o definhamento" do PSD no poder local "vem de trás", ou seja, de um período anterior a Rui Rio.

O presidente do PSD considerou que as próximas eleições autárquicas são "fundamentais", até "mais importantes do que as legislativas" e classificou como "muito difícil" o objetivo de os sociais-democratas voltarem a ter a presidência da Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP), já que implica "ganhar para aí umas 40 câmaras" face a 2017.

Já Miguel Pinto Luz considerou que a vitória em número de câmaras é "uma fasquia ambiciosa mas possível", o que implica regeneração.

O PSD, observou Miguel Pinto Luz, nas autárquicas de 2013 e 2017 tem vindo a perder câmaras para independentes, autarcas que foram sociais-democratas. "Eu, como líder, também proponho agregar, somar, multiplicar. E aí, se calhar, aquele resultado que Rui Rio coloca como uma fasquia quase impossível, eu coloco como uma fasquia ambiciosa, mas possível", acrescentou.

Depois de um início a quente, um final morno e que não servirá (ainda) para convencer os indecisos. Se os três estiveram fortes nos ataques, o capítulo das ideias para o país ficou descurado, e se os níveis de intensidade começaram por bater no vermelho, depois desceram para o amarelo. Um debate laranja, no seu cômputo geral.

*com Lusa