Na reunião de terça-feira à noite da comissão de revisão constitucional, que decorreu pouco antes de serem públicas as divergências entre primeiro-ministro e Presidente da República a propósito do episódio com o ministro das Infraestruturas, foram os poderes do chefe do Estado que estiveram no centro da discussão.

O PSD ficou isolado na defesa de um mandato único de sete anos para o Presidente da República (atualmente são de cinco, renováveis num segundo mandato), com a deputada Paula Cardoso a considerar que pode gerar “uma prática presidencial mais estável e mais homogénea”, dizendo até credibilizar a função o facto de não estar condicionada pela reeleição.

Em contraponto, o PS, pela deputada Alexandra Leitão, rejeitou um mandato político “tão longo”, citando o exemplo francês — já foi de sete e passou para cinco anos, renovável — e quem defendeu nesse país que “a legitimidade ia sendo menos fresca ao longo do mandato”.

“O Presidente da República é um órgão político, eleito por maioria de cidadãos diretamente, não me parece particularmente negativo que atue de uma forma a confirmar a vontade que será a da maioria que o elegeu, apesar de ser sempre o Presidente de todos os portugueses”, defendeu a socialista.

Mais apoio mereceu a proposta do PCP — apresentada há vários meses – para ‘mexer’ noutro artigo que ganhou atualidade à luz dos acontecimentos dos últimos dias e que levou vários partidos a querer esclarecer no parlamento o alegado envolvimento dos serviços de informações na recuperação do computador atribuído ao ex-adjunto do ministro das Infraestruturas, João Galamba.

Os comunistas querem que seja o Presidente da República a presidir ao órgão de coordenação do sistema de informações da República e que seja ele a nomear e exonerar, sob proposta do Governo, os diretores dos serviços que integram as ‘secretas’, tuteladas pelo primeiro-ministro.

“Não fechamos a porta a esta proposta, obviamente que não tem a ver com a atualidade”, ressalvou o coordenador do PSD André Coelho Lima, num ponto sobre o qual o PS não se pronunciou diretamente, mas manifestando-se confortável com a generalidade do atual artigo 133.º.

O único ponto da reunião de terça-feira em que os dois partidos poderão acordar numa mudança do texto constitucional foi sobre quem pode ser elegível para o cargo de Presidente da República

O PS, pelo coordenador Pedro Delgado Alves, concordou com as propostas de IL e Livre, que pretendem substituir a atual condição de “portugueses de origem” pelo de “nacionalidade portuguesa”, seja originária ou adquirida.

O PSD manifestou-se favorável à “intenção subjacente” de IL e Livre, mas deixou por enquanto um ‘nim’, alertando que tal abertura pode possibilitar candidaturas de cidadãos que obtiveram a nacionalidade portuguesa de uma forma polémica, citando como exemplo o caso do bilionário russo Roman Abramovich.

Todas as restantes propostas, como a introdução da possibilidade do voto eletrónico em eleições ou referendos (PSD), a abertura à coincidência de referendos com eleições (PSD), a marcação das autárquicas pelo Presidente ao invés de pelo Governo (PSD) ou o aumento de poderes presidenciais ou parlamentares na nomeação de reguladores (PSD e IL), mereceram o voto contra do PS, sempre com o argumento de que não apresentou propostas de alteração e “está confortável” com a atual lei fundamental.

Esta posição repetida dos socialistas — que não têm propostas de alteração desde o artigo 74.º, numa discussão que já chegou ao 140.º – levou o coordenador do PSD a pedir ao PS mais arrojo neste processo de revisão, em que só serão aprovados matérias em que os dois maiores partidos estiverem de acordo, perfazendo os necessários dois terços.