A Lousã, no interior do distrito de Coimbra, tem pergaminhos nas atividades velocipédicas, com provas de ciclismo ao longo do século XX, a que se juntaram nas últimas décadas eventos cicloturísticos e competições com motos de nível internacional. Mas foi a necessidade de transporte próprio na juventude que permitiu a José Fernandes, antigo operador de máquinas pesadas, e João Francisco Carvalho, que trabalhou em estações de serviço, estarem hoje entre os reformados mais populares de um concelho montanhoso onde diariamente continuam a pedalar pela sua saúde.

Nascido em 1930, José Fernandes completa 90 anos em dezembro. É conhecido na zona por Zé Maquinista, epíteto que herdou do pai, José Jacinto, e que não rejeita precisamente porque ambos exerceram a profissão na antiga Junta Autónoma de Estradas (JAE).

“Nasci e batizaram-me logo como Maquinista”, graceja, durante a reportagem da agência Lusa.

Ainda jovem, fez o curso que o habilitaria a guiar as máquinas na construção de estradas, barragens e aeroportos do país. Na empresa Alves Ribeiro, queriam que tirasse a carta de motorista de veículos ligeiros e pesados.

“Eu era o único maquinista que sabia ler”, explica, para esclarecer que trabalhou por duas vezes na construtora, antes e depois da JAE.

Sempre que era preciso, conduzia “uma camioneta que não tinha motorista destinado”, não podendo sair dos troços onde decorriam as empreitadas.

José Fernandes, com 89 anos, nunca tirou a carta de automóvel mas vai a todo o lado de bicicleta
PAULO NOVAIS/LUSA créditos: © 2020 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

Aos 12 anos, “já tinha a carta de ciclista”, obtida na Câmara da Lousã, após José Jacinto, que percorria grandes distâncias ao volante das máquinas da JAE, ter ensinado ao filho os sinais e regras de trânsito.

“Por necessidade e prazer”, José Fernandes faz compras, visita amigos e vai às repartições no seu veículo de duas rodas.

“Andar de bicicleta faz movimentar o corpo todo. É melhor para a saúde do que andar a pé”, defende José Fernandes. Se estiver bom tempo, afirma, “todos os dias ando de bicicleta”, chegando a ir com outros ciclistas almoçar a Miranda do Corvo, a oito quilómetros de casa.

No regresso, na descida mais íngreme do percurso, diz que não usa travões: “É a velocidade que a bicicleta der”. Este exercício proporciona “um envelhecimento com mais saúde”, congratula-se, enquanto lamenta que pessoas mais novas não preservem de igual modo a qualidade de vida.

Mais conhecido localmente por João Fão, o conterrâneo João Francisco Carvalho tem raízes na Ponte Velha, muito perto do local onde a mítica Estrada Nacional 2 cruza os municípios de Lousã e Vila Nova de Poiares.

O antigo operário do ramo automóvel nasceu no auge da ditadura do Estado Novo, em 1935, e faz 85 anos em novembro. Diariamente, percorre a vila montado na bicicleta. Teve carta de pesados, mas deixou-a caducar quando se reformou.

Só precisava dela na estação de serviço, “para experimentar os carros”, aos quais mudava o óleo, calibrava os pneus e alinhava a direção, entre outros trabalhos.

“Eu aqui corro tudo de bicicleta”, salienta, contando que às vezes vai a Poiares e arrisca mesmo trepar a serra da Lousã. Nas subidas acentuadas ou quando está cansado, tem na bicicleta “uma bengala bestial” com que se ampara.

“Quando me falta a bicicleta, sinto logo. Aquilo dá uma saúde às pernas que é uma maravilha”, assegura.

“São exemplos vivos de um envelhecimento de qualidade"

João Malva, investigador coordenador da Faculdade de Medicina de Coimbra, recomenda algumas atividades para um envelhecimento ativo e saudável.

“Não basta dar anos à vida se esses anos vão ser de má qualidade. É sobretudo necessário dar mais vida aos anos que tempos para viver”, preconiza.

A dependência de cuidados “retira qualidade de vida e dignidade à condição humana”, cabendo à sociedade investir na prevenção, segundo o coordenador do Ageing@Coimbra, um consórcio que valoriza o papel do idoso na comunidade e promove “boas práticas em prol do seu bem-estar geral”.

“Devemos estimular a adoção de estilos de vida saudáveis de modo a evitar a doença”, sublinha o especialista.

Correr, caminhar, nadar e andar de bicicleta “têm um benefício muito significativo na qualidade de vida das pessoas”, com reflexos positivos na idade avançada.

João Malva, que não conhece pessoalmente José Fernandes e João Carvalho, define-os à luz dos objetivos do Ageing@Coimbra e das atuais políticas da União Europeia nesta área.

“São exemplos vivos de um envelhecimento de qualidade que aqui se relaciona diretamente com o seu hábito de prática de exercício físico diário”, conclui. Velhos, afinal, sãos os trapos.

Segundo os atuais projetos em curso, dentro de 10 anos Portugal deverá contar com 7.000 quilómetros de vias cicláveis em Portugal, contra os atuais 2.000 quilómetros.

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