Para tentar compreendê-los, o sociólogo Farhad Khosrokhavar, da Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais (EHESS), e o psiquiatra e criminologista Roland Coutanceau conversaram, dentro e fora de penitenciárias, com islamistas radicais que defendem o jihadismo e simpatizam com os ideais do grupo Estado Islâmico (EI). Nem todos cometeram delitos.

"Aqueles que vêm de subúrbios transformados, em menor ou maior medida, em guetos, sentem-se muito rejeitados, estigmatizados", afirmou à AFP Khosrokhavar. "É o que chamo de vitimização. Existe uma dimensão real - um Mohammed tem três vezes menos possibilidade de conseguir um emprego do que um Didier - que se justapõe a uma dimensão totalmente imaginária. Eles têm uma sensação profunda de injustiça", acrescenta. 

“Nos nossos diálogos na prisão e nos subúrbios dizem-me: 'Tratam-nos como insetos, como o exército israelita faz com os palestinianos. Por causa da nossa pronúncia, da nossa forma de ser, do nosso comportamento", diz. "Vivem isto como uma injustiça total", adverte Khosrokhavar.

"Constroem uma visão paranóica do mundo e deles mesmos: sou uma vítima. Na medida em que me negam a humanidade, tenho o direito de ser profundamente injusto e cruel, de matar desconhecidos", é o que pensam para consigo, segundo Farhad Khosrokhavar. "Apresentam uma forma quase clínica de caráter paranóico", afirma à AFP o Dr. Coutanceau, presidente da Liga de Saúde Mental francesa, que avaliou vários acusados.

'Desumanizar o inimigo'

Estes jovens, alguns perdidos, outros idealistas, sentem-se atraídos pelo Islão difundido pelo Estado Islâmico e fascinados pelas armas e pela violência; "são, através da Internet e de mediadores conhecidos, uma presa fácil para os recrutadores do Estado Islâmico".

Este consegue, segundo Coutanceau, "convencê-los a tomar armas e disparar contra civis sentados em terraços de cafés ou dentro de uma sala de concertos, numa situação de legítima defesa. Para nós, é uma monstruosidade. Para eles, a causa é nobre".

Estão convencidos de que defendem e vingam membros de uma comunidade muçulmana agredida e idealizada, que na realidade não conhecem: os palestinianos, civis sírios e iraquianos mortos pelos bombardeamentos ocidentais, os muçulmanos da Caxemira indiana confrontados pelo exército do seu país. “Tu matas os meus irmãos, eu mato-te”, disse Mohammed Merah a um soldado francês antes de apertar o gatilho.

Os depoimentos sobre o ataque à sala de concertos Bataclan contam que os assassinos esvaziavam, a sangue frio, os cartuchos das suas kalashnikovs enquanto a multidão gritava, às vezes mostrando um sorriso. As análises de sangue mostram que não estavam drogados.

Para matar civis desconhecidos desta maneira, antes de fazer explodir o colete de explosivos, é preciso desumanizar as vítimas, explica o psiquiatra. Esta violência levada ao extremo permite, segundo Khosrokhavar, "transformar" a sua sensação. "Eles pensam: 'julgaram-me, pois agora sou eu quem julga, condeno-os à morte e torno-me num carrasco'. Até àquela altura, sentiam-se menosprezados; agora, somos nós que temos medo deles. O temor faz desaparecer o desprezo, há uma espécie de respeito e de reconhecimento no medo", explica.  O raciocínio é: "Sou um herói, embora seja um herói negativo. Sou o cavaleiro da fé que combate as forças do mal. Já não me desprezam, mas temem-me. Já não sou um inseto".