"Estamos a eliminar sistematicamente o círculo de líderes do EI. O exército americano matou vários terroristas importantes do EI esta semana, incluindo Haji Iman (um outro nome usado por Abdel Rahmane al-Qaduli), que era um dos líderes do EI, agindo como ministro das Finanças e que foi responsável por várias operações internacionais", afirmou Carter. "A eliminação deste líder do EI dificultará a sua capacidade de realizar operações no Iraque e na Síria, e no estrangeiro", considerou o secretário.
O site de notícias Daily Beast tinha indicado, ao referir a morte de al-Qaduli, que este figurava na lista de potenciais sucessores de Abu Bakr al-Baghdadi, o líder do EI. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos oferecia sete milhões de dólares de recompensa para obter informações sobre Al-Qaduli.
Desde o último trimestre do ano passado, os Estados Unidos intensificaram as ações contra os jihadistas na Síria e no Iraque, estabelecendo como prioridade a eliminação dos líderes da organização extremista. Para isso, implantaram no norte do Iraque uma unidade de forças especiais para coordenar as operações terrestres contra os líderes do EI. A este respeito, Carter afirmou: "há alguns meses, eu disse que atacaríamos a infraestrutura financeira do EI. Desta forma, começamos a atacar os locais de armazenamento, e agora começamos a livrar-nos dos líderes que administram as finanças". "Isso irá atenuar a capacidade do grupo de realizar pagamentos e recrutar novos terroristas. A nossa campanha concentra-se nos centros de poder do EI, que são as cidades de Raqa (Síria) e Mossul", no Iraque.
Mas qual é o impacto de matar os líderes?
No entanto, a estrutura de comando do grupo extremista permanece um enigma e o seu modo de organização pode fazer com que o desaparecimento de um líder não tenha o mesmo impacto que nas organizações militares (e políticas) tradicionais. Aaron Balshan, analista de segurança do grupo de gestão de risco Levantine Group, comentou em julho de 2015 ao International Business Times: “É uma estrutura muito disseminada. Eu caracterizaria a liderança e estratégia deles, no campo de batalha, como tendo um elevado grau de fluidez e mobilidade, que tipicamente permite a substituição das lideranças intermédias com relativa facilidade”.
Para quem se habituou a ver nos media a figura de Osama Bin Laden, o líder da Al-Qaeda abatido em 2011, como o rosto do terror neste início de milénio, a presença mais discreta do líder actual do Estado Islâmico causa alguma estranheza. Muitos não conseguirão lembrar-se, sequer, do seu nome - ao contrário do que acontecia com bin Laden.
Vários analistas apontam para o facto de, hoje em dia, a rede do terrorismo se ter tornado mais global e difusa: não se trata já de um grupo escondido nas montanhas remotas do Afeganistão, que a partir daí e de alguns outros centros nevrálgicos orquestra ataques em grande escala, como o das Torres Gémeas, mas sim duma estrutura ramificada, com braços que se estendem a todo o Médio Oriente, mas também ao norte e ao centro de África, com nomes e estruturas distintas, milícias locais, tudo sob uma mesma lealdade aos princípios do islamismo radical tal como o Daesh o apregoa. E por vezes estes grupos, embora sem grande ligação hierárquica (o que os torna também mais imprevisíveis), coordenam-se operacionalmente, aumentando a eficácia da sua acção. Leon Panetta, diretor da CIA que supervisionou a captura de Bin Laden, disse em 2013, dois anos depois desse acontecimento, quando já era secretário da defesa dos EUA: “É certo que pusemos um travão no cancro principal - mas sabemos que ele metastizou para outras partes de todo o corpo”.
O facto de não haver um conhecimento aprofundado sobre a dimensão e o poder militar efectivo destes grupos, que mantêm o secretismo, torna-os opacos - e o que se conhece mal, é mais difícil de combater. Nos últimos meses, repetidas vezes, os EUA têm anunciado a morte de várias figuras do Estado Islâmico, mas nem sempre é certo qual o papel exacto que elas ocupavam na estrutura, ou se não serão, no fim de contas, fáceis de substituir.
Num artigo da CNN que analisa este tema, o jornalista Tim Lister refere o ‘planeamento sucessório’ a que os chefes do EI se têm dedicado. Montando uma estrutura hierárquica complexa, com redundâncias, é fácil substituir chefias, que ainda por cima sabem que são alvo da estratégia de ‘decapitar lideranças’ da administração Obama. Seguramente, matar al-Baghdadi seria importante, mas provavelmente não iria pôr fim à capacidade militar do Estado Islâmico.
Um outro factor torna este combate difícil: neste momento, quase 20 anos depois do primeiro grande golpe da Al Qaeda no estrangeiro - contra as embaixadas dos EUA no Quénia e na Tanzânia, em 1998 - há muitos combatentes que são já ‘filhos do jihadismo’. Eram crianças quando estas organizações começaram a actuar, e podem tornar-se aprendizes de homens que têm já vasta experiência em várias áreas - da construção de bombas, à propaganda, à angariação de fundos para financiar as operações. É toda uma nova geração que pode facilmente ser formada para o combate.
O EI está a perder força e território, dizem os militares dos EUA
Apesar de todas estas dúvidas, os serviços secretos dos EUA dão conta de progressos efectivos, com uma perda de influência do Daesh, não só a nível do número de combatentes, que um relatório recente diz não passar dos 25 mil soldados na Síria e no Iraque (face a 31 mil, há alguns meses), como também no que diz respeito ao território controlado: oficiais norte-americanos falam numa perda de 40% face ao território controlado pelo ISIS em 2014. O Estado Islâmico, segundo algumas vozes mais optimistas, estaria já a entrar em colapso.
E afinal, quem são os outros homens-chave do Estado Islâmico?
As autoridades americanas parecem ter conseguido identificar apenas alguns dos líderes do EI. No site governamental Rewards for Justice (com o lema 'Páre um terrorista. Salve vidas") há neste momento destaque para quatro homens ligados ao EI, sendo um deles o entretanto morto al-Qaduli. Já não se encontra na lista Omar, "O Checheno", cuja morte os Estados Unidos anunciaram a 4 de março. Omar era um dos principais líderes militares do EI. O seu nome verdadeiro era Tarjan Tayumurazovich Batirashvili, e morreu num ataque aéreo americano na região de Chaddade, cujo controlo foi retomado pelas Forças Democráticas da Síria, um grupo aliado dos Estados Unidos. Aqui ficam os perfis destes homens, para os quais se oferecem recompensas num valor total de 20 milhões de dólares.
Abu Bakr al-Baghdadi
O líder do grupo Estado Islâmico e do seu auto-proclamado califado é uma figura discreta, mas crucial na obtenção de financiamento das operações. Numa entrevista recente à revista The Atlantic, o presidente Barack Obama deu a entender que eliminar al-Baghdadi é um dos principais objectivos do seu último ano de mandato. Consta que o alegado califa está na lista (secreta) de terroristas que os oficiais norte-americanos têm autorização para matar. A recompensa pelas informações que possam levar a al-Baghdadi é de 10 milhões de dólares. Mais do que uma figura militar, é um líder religioso, com um papel fundamental na leitura radical do Islão usada para justificar, aos olhos dos militantes, a guerra e as atrocidades do Estado Islâmico.
Nasceu no Iraque, em 1971, e, aquando da invasão do país pelas tropas da coligação que derrubaram Saddam Hussein, juntou-se a grupos militantes jihadistas locais. Chegou a estar preso - nesse período, conviveu com outros futuros líderes do ISIS -, e foi depois da sua libertação, já em 2010, que se tornou líder do braço da Al-Qaeda no Iraque, o chamado Estado Islâmico do Iraque. Em Abril de 2013, numa mensagem audio, Al-Baghdadi anunciou que o Estado Islâmico do Iraque e o grupo jihadista sírio Jabhat Al-Nusra se uniam num só, passando a constituir o ISIS - Estado Islâmico do Iraque e da Síria. Em Julho de 2014, por sua vez, foi criado um califado de ambição global, o Estado Islâmico, que o teria a ele, Al-Baghdadi, como califa - na prática, o líder.
Ao longo dos anos houve vários anúncios de que Al-Baghdadi teria sido ferido ou mesmo morto, mas nunca se confirmou a sua morte, embora se tenha falado de ataques por drones ao seu quartel-general em Raqqa, na Síria.
Abu Mohammed al-Adnani
Adnani é um sírio, nascido em 1977, que se tornou porta-voz do EI em 2014. Segundo fontes da defesa americana, foi um dos primeiros a opor-se à presença de tropas estrangeiras no Iraque. Terá estado detido numa prisão dos EUA, segundo a CNN, entre 2005 e 2010 (a mesma prisão onde esteve detido al-Baghdadi, Camp Bucca).
Abu Mohammed al-Adnani foi o responsável pela difusão de muitas mensagens oficiais do grupo, incluindo a declaração da instituição do califado do Estado Islâmico. Segundo a Associated Press, teve um papel relevo nas campanhas de bombardeamento no Iraque e na expansão do califado na Síria. O seu papel de porta-voz dá-lhe, segundo alguns especialistas, acesso privilegiado a muita informação importante da cúpula da organização.
Abu-Muhammad al-Shimali
Saudita, nascido em 1979, o seu nome está associado ao ISIL (braço da Al-Qaeda no Iraque) desde 2005. Presentemente, tem um papel de relevo no comité de Imigração e Logística, o que significa que o seu foco é conseguir financiar e coordenar as viagens de combatentes estrangeiros para a Sìria e o Iraque a partir da Europa, Norte de África e Península Arábica.
Omar Shishani
Foi o primeiro líder morto em março deste ano. Tarkhan Tayumurazovich Batirashvili, também conhecido como Omar Shishani (que significa "o checheno"), o comandante militar da barba ruiva, nasceu na Geórgia em 1986. Era um líder militar de topo do EI, tendo sob o seu comando a região norte da Síria - incluindo as operações em Aleppo, Raqqa e outras zonas estratégicas da guerra. Ficou conhecido pela sua barba ruiva, que figurou em vários cartazes do EI.
Shishani juntou-se ao EI em 2013, mas já tinha experiência num grupo ligado à Al-Qaeda. Os combatentes da Chechénia e do norte do Cáucaso estavam sob a sua responsabilidade.
No inicio de março, Shishani ficou ferido num ataque da coligação no nordeste da Síria. Durante alguns dias houve dúvidas sobre se estaria morto ou vivo. Mias tarde, oficiais norte-americanos vieram confirmar que tinha morrido na sequência dos ferimentos sofridos nesse ataque. Peter Cook, secretário de imprensa do Pentágono, comentou que a morte de Omar iria diminuir a capacidade de o EI recrutar combatentes estrangeiros, sobretudo oriundos da Chechénia e do Cáucaso.
Abdel Rahmane al-Qaduli
De acordo com as forças de segurança iraquianas, Al-Qaduli nasceu em Mossul, no norte do Iraque. No final dos anos noventa, viajou para o Afeganistão. Segundo as autoridades dos Estados Unidos, ter-se-ia unido, em 2004, à rede extremista Al-Qaeda, na qual chegou a ser o vice de Abu Musab al-Zarqawi, líder da Al-Qaeda no Iraque que morreu em 2006, num ataque de drones americanos. Pouco depois, foi capturado, tendo permanecido na prisão até 2012, quando foi libertado e se juntou às fileiras do EI.
Em maio de 2015, o governo iraquiano tinha sugerido que Al-Qaduli fora morto num ataque aéreo da coligação internacional que atua contra o EI. Mas essa informação foi negada pelo Pentágono. A sua morte foi confirmada agora, a 25 de março de 2016, e é considerada pela defesa norte-americana um golpe importante na estrutura do EI.
Como está organizado o Estado Islâmico?
O Estado Islâmico nunca tornou pública a sua estrutura oficial, mas entre os especialistas que se têm dedicado a acompanhar o fenómeno encontramos referências a uma série de conselhos, que são os organismos responsáveis pelas principais áreas necessárias ao funcionamento do califado - com nítidas semelhanças com a organização e burocracia de um estado normal, aliás. O site AL Monitor indica as seguintes:
- conselho da charia, ou conselho de defesa, segurança e serviços de informação, que é o mais importante da estrutura (escolhe o califa e monitoriza a aplicação da lei islâmica - a charia - nos territórios controlados pelo EI). É gerido directamente pelo líder al-Baghdadi.
- conselho da chura, com 11 elementos escolhidos por al-Baghdadi, que assegura que os órgãos menos importantes cumprem as regras da charia.
- conselho militar
- conselho financeiro
- conselho judicial
- conselho fiscal
- conselho de comunicação e media (que conta com uma série de especialistas em media e redes sociais)
Al-Baghdadi nomeou ainda um conjunto de 15 governadores, cada um responsável por um território do califado.
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