“Para ser franco não me surpreendeu este dia ter sido calmo. Em primeiro lugar porque hoje é a consagração de uma grande ambição, sentida muito profundamente e de uma forma genuína e intensa pela grande maioria do povo congolês”, começou por explicou o embaixador António Gaspar Inocêncio Pereira.
Cerca de 40 milhões de congoleses foram chamados hoje às urnas para escolher o sucessor do Presidente da República, Joseph Kabila, – que não pode concorrer a novo mandato – e os deputados nacionais e provinciais de 75.781 colégios eleitorais.
Estas eleições já deveriam ter acontecido em 2016, mas foram sucessivamente adiadas.
Segundo dados recolhidos pelo diplomata — que se encontra no exterior do país – através dos observadores internacionais e do reconhecimento de segurança feito por equipas da embaixada portuguesa em Kinshasa, apesar da calma vivida na capital congolesa, há relatos de vandalização de equipamentos de voto, votação paralela (em duas cidades cujo escrutínio oficial foi adiado para março), vítimas mortais após carga policial e denúncias de viciação de urnas eletrónicas.
Hoje, as urnas deveriam ter encerrado às 17:00 locais (16:00 GMT), mas muitas continuaram abertas até mais tarde, devido às numerosas demoras.
“Infelizmente houve mortos, pelo menos dois, mas o dia das eleições não é normalmente um dia problemático. O problema são os dias seguintes. Ultrapassada a festa do dia de hoje, começa a consolidação e o apuramento de resultados, e a partir de agora, nas próximas duas semanas (até à publicação dos resultados finais), não estamos isentos de que surpresas possam surgir, surpresas de toda a natureza”, alertou o embaixador português.
De acordo com os mais recentes registos consulares, há cerca de 700 portugueses a viver na RDCongo, a grande maioria (570) na capital, Kinshasa, uma comunidade de cerca de uma centena de portugueses na cidade de Lubumbashi e pequenos núcleos em Kisangani e Kananga.
“A comunidade portuguesa estava a viver intensamente o dia, nas suas casas, agarrados à televisão e à rádio, mas de uma forma extremamente pacífica”, relatou o embaixador António Gaspar Inocêncio Pereira, após vários contactos com Kinshasa, ao longo deste domingo.
A violência foi uma constante durante a campanha eleitoral para as eleições de hoje e em mais de 50 anos de independência o país, antiga colónia belga, nunca viveu uma transição pacífica no poder.
Para já, o embaixador afasta a necessidade de retirada dos portugueses em Kinshasa.
“Não estou em crer que se chegue a um ponto tal que uma operação dessas, que seja de repatriamento ou de evacuação, venha a ser necessária. Não acredito eu nisso e não acredita nenhum dos nossos colegas europeus”, afirmou o diplomata português, questionado pela Lusa.
Ainda assim, alerta para a necessidade de “seguir a velha máxima de ‘esperar o melhor e preparar-nos para o pior'”, até tendo em conta que “vêm aí tempos equivalentes a uma mudança”: “Que se não for de regime [presidência de Kabila] é de atores, pelo menos”.
Segundo António Gaspar Inocêncio Pereira, a comunidade portuguesa tem o “privilégio” de contar com uma embaixada em plena baixa de Kinshasa. Um espaço “com alguma dimensão” e capacidade para ser “securizado”.
Embora não entre em pormenores, por questões de segurança, o diplomata afirma que “todas as medidas foram tomadas” nas instalações da embaixada para receber os cidadãos portugueses, em caso de necessidade.
“Temos elementos e todas as valências que são necessárias para que este espaço seja securizado e possa ser utilizado pela comunidade portuguesa num momento de aflição”, explicou.
Caso seja necessário e a situação de segurança em Kinshasa se deteriore, a embaixada está ainda em condições de fornecer, nomeadamente, alimentos e medicamentos aos portugueses.
“Posso garantir aos portugueses que há um porto de abrigo quando as outras opções começarem a falhar ou se tornam problemáticas. Esses procedimentos estão de pé e se for necessário acioná-los, iremos acioná-los-emos”, concluiu.
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