O vereador do Bloco de Esquerda (BE) na Câmara Municipal de Lisboa, que durante a campanha autárquica de 2017 envergou faixas contra o “carrossel da especulação” imobiliária, comprou um prédio em Alfama, em 2014, juntamente com a irmã, por cerca de 370 mil euros. Agora o edifício está avaliado em 5,7 milhões de euros e chegou a estar à venda, noticia esta sexta-feira o Jornal Económico.

Foi uma notícia que fez abalar o discurso de Ricardo Robles, tendo inclusivamente o PSD enviado um comunicado às redações em que sugeria que o vereador se devia de demitir. Em resposta, o vereador do BE confessou, em conferência de imprensa na sede do Bloco de Esquerda ao final da tarde desta sexta-feira, ter condições para se manter no cargo e defendeu que o pedido de demissão feito pela concelhia do PSD não tem "qualquer base".

Questionado sobre se teria condições para continuar a integrar o executivo municipal, Robles foi taxativo: "com certeza que sim". Mais tarde, acrescentaria que procedeu "de forma exemplar" e que não fez "nada de condenável".

Depois explicou que adquiriu o imóvel, juntamente com a sua irmã, com recurso a empréstimos bancários e à ajuda dos pais, para posteriormente procederem às renovações do imóvel.

Os motivos estão transcritos no site oficial do Bloco de Esquerda, onde poderá ler a comunicação do vereador na íntegra.

Em 2014, a minha irmã, que está emigrada na Bélgica desde 2011, tinha a intenção de regressar a Portugal com o seu filho. O imóvel que conjuntamente comprámos num leilão aberto realizado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social - com recurso ao crédito bancário e ao apoio financeiro dos nossos pais - foi adquirido para ser a habitação da minha irmã. A gestão do arrendamento das restantes frações ficaria a seu cargo. Sublinho: a minha família comprou o prédio para o habitar e para arrendar a parte restante.

Em 2017, a minha irmã casou-se com um cidadão alemão, também residente na Bélgica, com o qual entretanto teve um segundo filho. Essa nova circunstância levou-a a abandonar a ideia de regressar a Portugal. Assim, a minha irmã teve de refazer o seu quadro de compromissos financeiros, para além de, estando no estrangeiro, ficar indisponível para a gestão dos futuros arrendamentos. Foi nesse contexto que aceitei colocar este imóvel à venda, ao contrário do plano inicial. A sua avaliação foi feita por uma agência imobiliária, que o teve à venda por seis meses até abril. Desde então, o imóvel não está a venda.

O vereador bloquista garantiu ainda que, para além de atuar "de forma exemplar com todos os arrendatários do imóvel", afirmou ser "falso que tenha havido qualquer despejo" e que procedeu sempre em coerência com aquilo que defende para a cidade. Robles explicou então o seguinte:

A necessidade de realizar obras profundas, inclusivamente no interior das frações, implicava a libertação dos espaços. No momento da aquisição, o imóvel tinha cinco contratos de arrendamento ativos: um escritório, uma habitação e três lojas. De imediato, transmiti a todos os inquilinos a minha intenção de manter os seus arrendamentos. Só uma fração do prédio estava arrendada para habitação, mas sem contrato legal. Em vez do despejo que hoje é a regra na cidade de Lisboa, realizei com este casal um novo contrato de arrendamento, agora regular. O contrato é por 8 anos e a renda é de 170 euros mensais. Acresce que a fração onde viviam tinha riscos graves de segurança e insalubridade, com uma parede em risco de colapso. No período em que aceitaram sair de casa para a realização da obra, realizei uma remodelação total, no valor de 15 mil euros. Assim que a fração ficou pronta, os inquilinos regressaram (e aliás recusaram receber de volta as rendas pagas no período em que estiveram fora, tal como lhes propusemos).

Ricardo Robles alegou ainda que vai colocar o prédio "em propriedade horizontal" para que seja possível "dividir as frações" com a irmã e que pretende arrendar — não vender — a sua parte.

Em comunicado enviado às redações, o PSD de Lisboa tinha informado que exigia "a demissão do vereador Ricardo Robles por manifesta falta de ética, de seriedade e de credibilidade política para permanecer no cargo de vereador na cidade de Lisboa".

Ricardo Robles integra o executivo liderado por Fernando Medina (PS) e é responsável pelos pelouros da Educação e Direitos Sociais, na sequência de um acordo de governação da cidade firmado com os socialistas após as últimas eleições autárquicas.

Na nota que fez chegar às redações, o PSD aponta que durante as últimas eleições autárquicas Ricardo Robles deu a cara em "cartazes e nas ruas contra o 'bullying' e a especulação imobiliária, contra os despejos, contra os abusos do alojamento local e contra a gentrificação".

Por isso, os sociais-democratas acusam o bloquista de ser "ele mesmo um especulador imobiliário, que 'despeja' inquilinos e que pretende ganhar milhões e enriquecer com a especulação imobiliária na zona histórica do município onde é vereador".