As alegações finais do julgamento de Ricardo Salgado ficaram marcadas esta terça-feira pela presença do ex-presidente do BES em tribunal, após oito sessões no Juízo Central Criminal de Lisboa sem estar presente, onde ouviu o Ministério Público (MP) pedir pelo menos 10 anos de prisão e a sua defesa requerer a absolvição.
O juiz-presidente Francisco Henriques começou por pedir ao arguido para se identificar com o nome completo, data de nascimento, naturalidade e nomes dos pais, algo que Ricardo Salgado fez, mas, quando questionado sobre se pretendia falar, alegou não estar “em condições de prestar declarações”, justificando-se com a condição clínica invocada pelos seus advogados: “Foi-me atribuída uma doença de Alzheimer”.
O juiz-presidente deu então a palavra ao procurador Vítor Pinto, que foi interrompido por Ricardo Salgado, que lhe pediu para falar mais alto, queixando-se de a sua audição estar “muito má” e acabando por ser autorizado pelo juiz a sentar-se mais perto do representante do MP.
Vítor Pinto percorreu a prova produzida em julgamento relativa aos três crimes de abuso de confiança imputados ao antigo líder do Banco Espírito Santo e lembrou que a moldura penal deste crime é de um a oito anos, concluindo que por força das regras do cúmulo jurídico “a pena aplicável não deve ser inferior a 10 anos de prisão”.
Depois de falar em documentos “forjados” e que não tinham credibilidade para justificar algumas das transferências em causa neste processo separado da Operação Marquês, Vítor Pinto deixou ainda críticas à conduta e à atitude de Ricardo Salgado.
“Parecem-nos decisivos os elevadíssimos montantes de que o arguido se apropriou. São quantias que, em cada uma delas, 95% da população portuguesa não conseguirá auferir durante toda uma vida de trabalho”, observou, reforçando a “especial obrigação” que o ex-banqueiro tinha de não cometer estes crimes, a motivação “manifestamente egoísta, dada a sua situação económica”, a “persistência criminosa” e a “ausência de arrependimento”.
A defesa do ex-presidente do BES fez as suas alegações durante quase uma hora, com o advogado Francisco Proença de Carvalho a argumentar que "a narrativa que já era frágil na Operação Marquês tornou-se manifestamente coxa neste processo”. O advogado lembrou que não estava em causa a “trágica resolução do BES” ou “o objeto central da Operação Marquês” e referiu que, “face à prova documental e testemunhal”, o único desfecho era a absolvição.
“Ao pedir a prisão efetiva de uma pessoa com a patologia comprovada do Dr. Ricardo Salgado, pede algo que vai contra a decência e o humanismo. O MP fingiu que não sabe da condição do Dr. Ricardo Salgado, desconsiderando tudo o que está na jurisprudência e no humanismo do estado de direito português”, disse Proença de Carvalho.
Desvalorizando vários testemunhos no julgamento, como o do inspetor tributário Paulo Silva – “o grande responsável pela teoria fracassada da Operação Marquês” — e de José Maria Ricciardi, primo de Salgado, o advogado sublinhou que o MP recorre a este “sempre que tem de acusar Salgado” e referiu que o “famoso mito da gestão centralizada” de Ricardo Salgado está assente em “generalizações”, considerando-a uma “narrativa oportunista” da acusação.
“É absolutamente essencial o tribunal atender às condições. O Dr. Ricardo Salgado tem 77 anos, não tem antecedentes criminais, desde 2014 que deixou de ter funções profissionais e tem-se dedicado à sua defesa. Está inserido na sociedade e leva uma vida recatada junto da sua mulher. Tem apresentado uma degradação da sua saúde e nada mais custou a esta defesa do que ter de transmitir a sua condição”, notou.
Francisco Proença de Carvalho insistiu nas críticas ao procurador Vítor Pinto: “A postura do MP é chocante quanto a esta matéria. O Dr. Ricardo Salgado não tem bens para dispor. O MP parece que quer vingar neste processo tudo aquilo que tem contra o Dr. Ricardo Salgado. Isto, para mim, roça o medieval”.
Apesar de reclamar a absolvição, o advogado admitiu o cenário de condenação em tribunal, mas exigiu de imediato que “qualquer pena de prisão tem de ser suspensa”, avançando como exemplo o recente caso do autarca de Santa Comba Dão, João Lourenço, que foi condenado, em novembro de 2021, pelos crimes de prevaricação de titular de cargo público e fraude na obtenção de subsídios, a uma pena suspensa de sete anos de prisão por padecer de doença de Alzheimer.
Na réplica, Vítor Pinto apontou à defesa do arguido algum “dramatismo” e “teatralização” e recusou não querer saber da condição de saúde de Ricardo Salgado.
“O que o MP não aceita é que [o arguido] não seja capaz de perceber o que é uma pena. O arguido soube referir aqui com pormenor todos os dados que lhe foram perguntados. Está capaz de entender os diálogos e o sentido de uma pena”, referiu, não deixando sem resposta a crítica à acusação do processo Operação Marquês: “Está em recurso e falta apurar se o fiasco é da acusação ou da não pronúncia”.
Francisco Proença de Carvalho voltou a usar da palavra para vincar que o procurador não poderia ajuizar das condições de saúde de Ricardo Salgado apenas a partir de algumas questões na sala de audiências.
“Pensava que já sabia tudo da Doença de Alzheimer. Eu não sei nada e o senhor procurador nada sabe também. Não é uma avaliação que seja feita aqui em conversa a olhar para o arguido. É uma avaliação que é feita por cientistas e por médicos”, contrapôs o advogado.
O juiz-presidente Francisco Henriques voltou a abordar Ricardo Salgado para saber se quereria dizer alguma coisa, mas notando que o silêncio “nunca o vai desfavorecer” perante o tribunal na decisão sobre este processo.
“Sinceramente, gostaria de poder dizer algo, mas estou muito diminuído nas minhas capacidades, a minha memória foi-se embora e não tenho condições”, disse o antigo presidente do BES, agradecendo a “atenção” do juiz, que esclareceu tê-lo tratado da mesma forma que a outro cidadão.
Depois de aproximadamente duas horas e meia de sessão, o coletivo de juízes marcou a leitura do acórdão para 7 de março, às 16h00. Ricardo Salgado responde neste julgamento por três crimes de abuso de confiança, devido a transferências de mais de 10 milhões de euros no âmbito da Operação Marquês, do qual este processo foi separado.
*com agência Lusa
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