Para quem segue os acontecimentos diariamente, este livro parece apenas um apanhado de todas as notícias dos últimos anos, mas depois percebe-se quais são as teses subjacentes: primeiro, que o populismo sempre existiu, pelo menos recuando até ao século XIX e, segundo, o que é mais importante, o populismo não é uma moda temporária e continuará a afirmar-se.

O livro usa uma expressão, “national populism” (“populismo nacionalista”) em vez da alternativa, “nacionalismo populista” porque assim, em inglês, tem um som mais próximo de “national socialism”, que é o nazismo. É propositado, certamente.

Pois, embora saibamos intuitivamente as diferenças entre fascismo e populismo, é fácil confundi-los. Porque a diferença na aparência é muito evidente, uma vez que o fascismo usa uma simbologia militar (paradas, fardas) que o populismo não tem. Mas, no conteúdo, a diversidade dos populismos torna a comparação mais difusa.

Então a pergunta é: vocês acham que o populismo nacionalista é uma uma nova roupagem do fascismo, que se renovou e vai viver para sempre, mesmo que seja numa forma mais suave?

Eatwell: Acho que há uma grande diferença entre e fascismo, nazismo, e aquilo a que chamamos de populismo nacionalista. Talvez a melhor maneira de abordar a questão seja observar como os jornalistas e os académicos (ingleses) veem o populismo. Em geral, os jornalistas veem-no como um estilo, uma maneira de fazer política. O que envolve uma liderança carismática, num estilo machista, como por exemplo Donald Trump, que tem um tom de agressividade e que, apesar de ser muito rico, se identifica com o povo. Ou então, em Inglaterra, com Nigel Farage, que pertence à elite, mas gosta de ser fotografado nos pubs a beber cerveja com os trabalhadores. E que também cultiva teorias da conspiração, como Trump com o “Estado oculto” (“Deep State”). Ou Viktor Orbán, com a afirmação de que o banqueiro George Soros está a corromper a Hungria.

Isto permite aos críticos do populismo nacionalista traçar alguns paralelos. Dizem que Trump se parece com Hitler – eu acho que sim, apesar da diferença de estilos.

Mas os académicos, como nós, argumentam que o populismo devia ser julgado em termos do anti-liberalismo, mais pelas suas ideias do que pelo estilo.

Lembram-se do “Não vai acontecer aqui” (de Sinclair Lewis, 1935)? Trump é muito mais esse género de líder. Porque o Berzelius Windrip (Presidente ficcional dos EUA no livro) era esse género de personalidade, sempre otimista, com um discurso ativo/positivo, que escondia uma governação sem piedade com os opositores.

Goodwin: Em parte, sim, mas não completamente. Trump é único; é uma personalidade que realmente não queremos usar como exemplo paradigmático de populismo, porque este movimento tem líderes de estilos diferentes. Se olhar para a Alice Weidel (da AfD) na Alemanha, verá que ela tem uns 40 anos, é doutorada em Economia, antiga bancária, fala mandarim, é abertamente lésbica e vive com um nativo do Sri Lanka. Não é o que se poderia esperar. A Marine Le Pen, que gera muito mais controvérsia, é uma advogada profissional, divorciada, e nos últimos anos rodeou-se de conselheiros gay. Portanto acho que não nos devemos fixar numa identidade comum nesses líderes, ou estrelas, embora a identidade de Trump seja a mais conhecida.

Matthew Goodwin
créditos: Rodrigo Mendes | MadreMedia

No caso da Grã-Bretanha, considera que quem é o nacional populista é o Nigel Farage e não o Boris Johnson, não é?

Goodwin: O Boris Johnson é um socialista liberal (“social liberal”), contra barreiras alfandegárias, por exemplo. Não está na mesma posição política do que Farage.

Leva o Boris Johnson a sério?

Goodwin: é o Primeiro-ministro.

Eu sei. Mas com a personalidade que ele tem, leva-o a sério?

Goodwin: Ele está à frente nas sondagens eleitorais, acho-o sério. Provavelmente vai ganhar a eleição de dezembro.

Eatwell: Ele tem uma agenda política muito clara do ponto de vista ideológico. Se recuarmos para o socialismo de antes da II Guerra Mundial, ele é um socialista moderado. Os conservadores não são todos iguais. A política tornou-se mais fragmentada (“pick and mix”), mais baseada nas questões.

Quer dizer que a divisão clássica entre esquerda e direita já não faz sentido porque foi substituída pelo nacionalismo dum lado e o globalismo do outro?

Eatwell: É o que dizem muitos populistas. A Marine Le Pen di-lo sempre, que não é nem de esquerda nem de direita.

Mas acha que é o que está realmente a acontecer, ou que é impossível abandonar a dialética esquerda-direita?

Goodwin: Continua a ser uma divisão útil, mas se olharmos para estes novos partidos é mais difícil classificá-los. Alguns são claramente de direita, como o Vox em Espanha, patriarcal, contra a emancipação da mulher e os homossexuais, com uma atitude muito tradicional. Também é a favor da liberalização dos mercados, o que hoje é uma postura de direita. Mas se olharmos para a Marine Le Pen e o seu Rassemblement National, não creio que seja que seja claramente de direita. Algumas das suas propostas são idênticas às do Mélenchon e da France Insoumise. Defende os gays e os direitos da mulher, porque é uma mãe que trabalha, advogada... Não tem nada a ver com o Vox.

A relação entre os eleitores e os partidos políticos desfez-se. Matthew Goodwin

Pois, não são todos iguais. Não sei se concorda, mas parece-me que o Orbán é o que se aproxima mais da imagem do fascista. Não o é abertamente, porque a União Europeia não o aceitaria, mas é o que tem uma postura mais fascistoide em termos de repressão da oposição.

Eatwell: O Orbán e o Bolsonaro, embora diferentes, são os que têm o discurso mais próximo do fascismo.

O Bolsonaro é um caso único, porque é sobretudo a reação dos eleitores contra um governo de esquerda que roubou o país em níveis inimagináveis. Mesmo para a corrupção histórica do Brasil, foi de mais. Eles conseguiram quase falir a Petrobras, que está entre as 15 maiores petrolíferas do mundo.

Eatwell: Também acho. Ele não é comparável com Trump.

Roger Eatwell
créditos: Rodrigo Mendes | MadreMedia

Teve o apoio dos evangélicos, dos grandes agricultores e criadores de gado e dos militares. E beneficiou do cansaço da classe média com uma corrupção que não a beneficiava. Podemos excluí-lo desta conversa porque, embora o Brasil seja uma democracia, sem dúvida, quando vocês escrevem sobre a situação nas democracias estão a referir-se mais à Europa e América do Norte, não é verdade? Que estão a mudar, duma maneira que é difícil de caracterizar.

Goodwin: Um dos argumentos do livro é que as pessoas que estão a tentar caracterizar essa mudança apoiam-se em sinais enganadores, de curto prazo. Pensam que é por causa da Cambridge Analytica (a empresa britânica que usou dados do Facebook para influenciar as eleições norte-americanas), das redes sociais, da crise financeira de 2008, da interferência russa. O ponto do livro é que, se alargarmos a pesquisa, em termos de ciências sociais, o desafio é maior, a mais longo prazo. Os sinais são muito fortes e têm vindo a crescer há muito mais tempo. Tem a ver com a imigração, a privação económica, e também com a forma como os sistemas políticos reagem cada vez pior à situação. A relação entre os eleitores e os partidos políticos desfez-se.

São os quatro Ds que vocês indicam, não é? Desconfiança (no sistema político), Destruição (da identidade nacional), Destituição (dos rendimentos das pessoas) e Desalinhamento (entre o sistema político e as aspirações dos eleitores).

Goodwin: Os liberais não compreendem como é que chegamos a esta situação e só querem livrar-se dela. (Nota: liberal, nesta conversa, é sempre usado no sentido anglo-saxónico, como o contrário de conservador.)

Vocês apresentam uma evolução, que é a passagem para uma espécie de nacional populismo suave. Cito do livro: “continuaremos uma democracia, mas as regras democráticas vão mudar”.

Eatwell: Nós falamos da Europa e da América do Norte como sendo democracias liberais; mas o liberalismo e a democracia não são sinónimos. A democracia é o governo do povo, o liberalismo tem a ver com os direitos individuais e dos grupos de indivíduos. Então, o governo da maioria democrática pode ameaçar os direitos individuais. Já no século XIX se falava com preocupação na tirania da maioria. E o que temos nas democracias estáveis, como a inglesa, é uma tentativa dos populistas de reequilibrar o sistema com mais democracia e menos liberalismo, mas não com uma exclusão completa do liberalismo.

Há que compreender que a democracia é mais do que uma contagem de votos.Roger Eatwell

Há quem diga que os referendos são uma arma dos ditadores. concordam com esta observação?

Goodwin: Não, não concordo. Olhe a Suíça, por exemplo.

Eatwell: Há uma distinção entre o plebiscito e o referendo. No plebiscito pede-se às pessoas que legitimem algo que já foi decidido, como fez Hitler. O referendo é muito anterior historicamente, e propõe uma resposta dos cidadãos a diferentes opções que lhes são apresentadas. Não é só o caso da Suíça; se olharmos para os populistas do século XIX, nos Estados Unidos, eles defendiam o uso frequente do referendo, não como uma arma ditatorial, mas porque achavam que traria mais democracia.

Mas há muitos exemplos de referendos que não correspondem a uma escolha assim tão esclarecida. É o caso do Brexit; embora fosse democrático, sabemos que os dois lados usaram argumentos falsos e não informaram os eleitores sobre as reais consequências da decisão.

Eatwell: Pode-se usar mal os referendos ou os plebiscitos. Não são inerentemente democráticos. Há que compreender que a democracia é mais do que uma contagem de votos.

Creio que há uma questão de escala; uma democracia funciona melhor numa dimensão mais pequena, como na Islândia, que tem 360 mil habitantes. Podem juntar-se todos numa praça e votar de braço no ar. Assim é mais fácil tomar uma decisão democraticamente. À medida que aumenta o número de votantes – e na Europa são 500 milhões – há tantos degraus entre o cidadão e o Poder, que é muito mais difícil. O tamanho faz diferença, num procedimento democrático.

Eatwell: Faz diferença, mas a democracia pode ser exercida em diferentes camadas, a vários níveis. Considero-me um democrata radical, o que quer dizer que quero mais democracia: temos de ensinar mais política na escola, ter mais eleições locais.

Preferia que os referendos fossem mais locais do que nacionais. Não excluo os nacionais, mas os locais não só estão mais próximos das pessoas, como também têm menos possibilidade de causar estragos nacionais.

Venho de uma pequena cidade conservadora, Bath, com cerca de 90 mil habitantes e grandes problemas de trânsito; porque não fazermos um referendo sobre esses problemas? Se pudéssemos votar para proibir carros a diesel, e cinco anos depois votar para os permitir novamente, não haveria grandes estragos. Então, eu percebo a questão da escala, mas a União Europeia tem vários níveis, o europeu e o dos Estados membros, e depois alguns têm níveis regionais, provinciais e municipais.

Então, acho que é por isso que se verifica uma revolta contra a democracia liberal (em Portugal diz-se democracia parlamentar); tem havido uma tendência elitista nas democracias liberais que desprezam e receiam as massas, e por isso exercem políticas menos democráticas. Muita da legislação sobre o trabalho e o livre movimento de pessoas não estava no Tratado de Roma; foi decidida nos tribunais.

Quando os populistas dizem que certos grupos da sociedade — a classe trabalhadora, as pessoas sem estudos superiores – foram deixadas para trás, é um bom argumento. Matthew Goodwin

De facto, parece haver um consenso de que as elites se afastaram do povo. Isso vê-se, por exemplo, na Arte. A partir do abstracionismo – de Kandinsky, digamos – os pintores fizeram um caminho apoiado pelos críticos e pelos grandes compradores – as elites — que não foi acompanhado pelo geral da população. Para muita gente, mesmo hoje, mais de cem anos depois, a arte abstrata ainda é incompreensível. De certo modo aconteceu o mesmo com a política. A política é muito rebuscada e precisa de profissionais; não podemos ter amadores a tomar conta dum país porque é um trabalho a tempo inteiro. Então eles foram deixando as massas para trás e ninguém deu por isso. Os políticos estão divididos em partidos – em dois grandes partidos, nos Estados Unidos e no Reino Unido, mas as diferenças entre eles são muitas vezes semânticas; há uma sobreposição entre a esquerda dos Republicanos ou dos Conservadores e a direita dos Democratas ou dos Trabalhistas. Mas as manobras políticas estão muito acima da compreensão dos eleitores, que não veem resultados práticos.

Goodwin: Quando os populistas dizem que certos grupos da sociedade — a classe trabalhadora, as pessoas sem estudos superiores – foram deixadas para trás, é um bom argumento. Se olharmos para o Reino Unido, só 23% dos deputados é que têm experiência de trabalho manual; o Congresso norte-americano tem um número recorde de milionários. Nunca houve tão poucos trabalhadores e pessoas sem estudos universitários nos quadros superiores do executivo e do legislativo.

Matthew Goodwin
créditos: Rodrigo Mendes | MadreMedia

Mas então, como se pode resolver isso?

Goodwin: O sistema está institucionalizado, e não é só na política. Repare na comunicação social, por exemplo. Em Londres, a maioria dos estagiários que trabalham na comunicação social têm de ter relações familiares nos círculos da cidade. Não é possível ter trabalho se não se vem de origens privilegiadas. Esse é o problema fundamental: as vozes que agora se estão a voltar para o populismo não conseguem entrar nos corredores do poder, no diálogo a nível nacional. Portanto, a primeira coisa que se poderia fazer era ter publicações ou apoios governamentais que permitissem que pessoas com origens modestas, ou da província, pudessem fazer-se ouvir a nível nacional. O mesmo com os partidos políticos, que têm quotas para mulheres, quotas para minorias, mas não têm quotas para as classes sociais.

Mas os políticos não estão interessados em alargar o recrutamento a essas pessoas, com o argumento de que mal preparadas para compreender as questões.

Goodwin: Então não se deviam queixar do avanço dos populistas.

Eatwell: Não vai ser fácil. Precisamos de falar de mudanças, mas as mudanças cruciais para a classe trabalhadora eram feitas através dos sindicatos. No Reino Unido, havia muitos líderes que cresciam dentro dos sindicatos, tornavam-se secretários do seu setor ou região, e subiam a partir daí. Era uma tradição britânica. Isso não acabou, mas é em muito menor escala do que era. E ainda é pior nos Estados Unidos, porque lá eles separam os sindicatos do setor público dos sindicatos dos privados. O setor público está muito sindicalizado, mas no privado só 6% é que está. Isso não favorece uma tradição de beneficiar a experiência.

Não é só o dinheiro que os ricos possuem; é também a maneira como o usam para controlar as agendas políticas. Roger Eatwell

Para nós é muito estranho, o sistema norte-americano, em que os empregados precisam da aquiescência do patrão da empresa para se sindicalizar.

Eatwell: Por exemplo, na Irlanda em 2016, criou-se uma Assembleia de Cidadãos, constituída por 99 pessoas e presidida por uma juíza nomeada pelo Governo – cidadãos escolhidos para representar proporcionalmente as classes sociais e os géneros. A Assembleia pronunciou-se sobre vários problemas, como a interrupção voluntária da gravidez, o envelhecimento da população, as mudanças climáticas e a duração das legislaturas parlamentares. Este sistema tem sido usado experimentalmente em muitos países e acho que esse é o tipo que poderíamos usar. Há muitas ideias radicais na teoria política, inclusive na teoria política norte-americana do século XIX, que vêm da Grécia Antiga, em que se fazem escolhas por grupos. No Reino Unido o sistema usa-se numa espécie de lotaria para a seleção de jurados nos julgamentos. Na Grécia Antiga havia muito poucos lugares que eram escolhidos pela competência. Só o Almirante da Frota era escolhido pela competência!

Podíamos usar mais esses sistemas. Portanto há muitas ideias radicais que, se fossem utilizadas na agenda política, contrariavam a corrupção do sistema que está a ser feita pelos partidos.

Roger Eatwell
créditos: Rodrigo Mendes | MadreMedia

Até concordo com essa ideia, mas não vejo os políticos, que têm os seus jogos de poder organizados, que lhes dão muita satisfação e poder, a fazer essas cedências. Porque eles são adversários entre eles, mas juntam-se todos para afastar o povo das decisões. E depois há também outra questão que está no livro, que é a dos rendimentos. Não se pode ter democracia, igualdade política, quando há diferenças de rendimento tão absurdas. Como vocês mencionam e é sabido, 1% da população mundial detém 47% da riqueza.

Eatwell: Não é só o dinheiro que os ricos possuem; é também a maneira como o usam para controlar as agendas políticas. Os irmãos Koch, nos Estados Unidos, são um bom exemplo.

Se têm o dinheiro, porque não usá-lo para os seus interesses, não é? Do outro lado do espectro político temos o Georrge Soros, que gasta os seus milhões a apoiar causas liberais. (Mais uma vez: liberal no sentido anglo-saxónico quer dizer de esquerda.)

Goodwin: O problema é que o Supremo Tribunal dos Estados Unidos reverteu legislação da década de 1970 que tentava limitar os grandes financiamentos políticos e decidiu que a Primeira Emenda da Constituição (que trata da liberdade de expressão) protege os ricos que dão dinheiro a quem propaga as ideias em que acreditam. Uma decisão desastrosa.

Outro assunto: vocês mencionam no livro a teoria do “Fim da História”, de Fukuyama, um liberal, mas quem a formulou primeiro foi Marx, num cenário exatamente oposto. Fukuyama preconizava que a História acabava quando o capitalismo liberal se estendesse a todo o planeta, enquanto Marx chegava à mesma conclusão pela situação oposta, a sociedade sem classes.

Eatwell: No século XIX os liberais já tinham a ideia dum mundo de conciliação internacional e livre mercado.

Mas vocês concordam que estavam os dois errados: a História nunca acaba, não é verdade? Acontece sempre alguma coisa, quando pensamos que o “sistema” é estável e imutável, que o põe em causa.

Goodwin: Os liberais também caíram nesse erro, porque agora assumem que o futuro será assim. Se lermos o Stan Greenberg (investigador e estrategista ligado ao Partido Democrata), ele diz que novos grupos, como os pós-millennials (nascidos a partir 1997) e as minorias é que são o futuro e todas as ideias populistas desaparecerão.

Pois, isso está no livro, mas não leva em conta que os millennials (nascidos entre 1981 e 1996) estão a envelhecer e, como todas as gerações, ao tornarem-se mais velhos também se tornam mais conservadores.

Goodwin: Além disso, também é preciso levar em conta que os apoiantes atuais do populismo não são todos “homens brancos, velhos e zangados”. Se olharmos para França, Hungria, Itália, os apoiantes são bastante novos. Porque são países com um alto desemprego jovem.

Uma coisa que eu não compreendo, no caso do Reino Unido, é a sanha contra a imigração da União Europeia, quando de facto a maioria dos imigrantes vem da Commonwealth. Se deixar de haver livre circulação com a UE, os imigrantes europeus acabam, mas vai continuar a vir uma grande quantidade do Paquistão, da Índia, dos países que foram colónias inglesas.

Goodwin: Desde 2004 que não é assim. A maioria dos imigrantes vem da UE. O canalizador polaco é o exemplo típico. E também muitos jovens espanhóis, gregos e italianos.

Não investiguei os números, mas tenho a sensação de que os orientais são muito mais.

Eatwell: Isso é porque até 1962 todos os membros da Commonwealth tinham direito a entrar na Grã-Bretanha.

Goodwin: Uma das ironias do Brexit é que vamos ter um novo sistema de imigração em que entram menos europeus e mais orientais. À medida que a imigração muda, a Grã-Bretanha será menos branca e mais muçulmana. O que fará os leavers do Brexit perguntar-se no que votaram.

Eatwell: Conheço pessoas ricas com negócios internacionais que votaram para sair. Então a divisão do voto não foi entre os cultos e os incultos. É muito mais complicado. Há uma longa tradição, que data mesmo antes do Ukip (o partido dos leavers radicais) de ver a União Europeia como a origem de guerras e inconvenientes. Era muito insular. E muitas destas pessoas são globalistas, no sentido em que vêem a Grã-Bretanha como um poder global que pode negociar com o mundo inteiro. Olhe a Índia; é um enorme mercado dinâmico, o Reino Unido pode negociar muito mais com eles (saindo da UE), o que é provavelmente verdade. Mas a Índia vai querer um estatuto especial para os seus emigrantes sem qualificação, não apenas para médicos e especialistas. Então, vamos trocar bens por mais imigrantes.

As pessoas não querem discutir a imigração ou as mudanças climáticas, querem falar de questões de estilo de vida, de género, de identidade. Matthew Goodwin

Quando estava a ler o vosso livro, lembrei-me duma coisa que vi na “The New Yorker” há muito tempo – não me lembro quem era o autor. Mas o argumento era que a chamada “relatividade moral” um pensamento que surge na década de 1960, abriu a porta para o radicalismo, paradoxalmente. Tudo era relativo, normal, aceitável, o que criou uma contra-corrente que diz precisamente o contrário. O relativismo moral considera que todas as ideias são aceitáveis e o futuro seria maravilhoso, com uma compreensão em relação a todos os comportamentos. O que gerou uma contra-reação, que considera essa atitude como descomprometida de mais, digamos, “relaxada” em relação aos princípios morais e religiosos.

Goodwin: É precisamente isso que dizemos no livro: a revolução liberal da década de 1960 provocou a contra-revolução a que assistimos agora, uma espécie de reação. O aparecimento das teorias da mudança climática, das políticas “verdes” na Suíça e na Alemanha, provocaram uma reação populista; as pessoas não querem discutir a imigração ou as mudanças climáticas, querem falar de questões de estilo de vida, de género, de identidade. E acho que isso agora vai aumentar, como uma nova competição.

Vocês falam deste político húngaro, Válint Magyar, que considera que o populismo tem três estágios. Ele descreve a Hungria moderna como um “estado mafioso”; uma “tentativa autocrática”, que seria seguida por um estágio de “avanço autocrático”. Mas qual é o terceiro estágio? Noutra citação, ele diz que não se pode utilizar a linguagem da democracia liberal para analisar as sociedades pós-soviéticas.

Eatwell: Acho que ele refere-se ao Viktor Orbán, porque o Orbán mudou as regras democráticas. Contudo, houve eleições municipais recentemente na Hungria em que os candidatos dele perderam. Ainda há uma grande distância até à ditadura, ao controle total. Além disso, o partido do Orbán, o Fidesz, tornou-se muito corrupto e então os partidos de direita começaram a atacá-lo por causa disso. Então, não podemos ter a certeza de que o Orbán, que está no extremo do populismo nacionalista, consiga afastar-se completamente da democracia liberal e chegar a uma autocracia. Porque, ou há uma reação da oposição unida, ou uma reação dos eleitores, ao verem o seu partido apenas como um foco de corrupção. É muito mais fácil estar na oposição e criticar, do que estar no poder. É o que acontece em relação ao Fidesz, que governa sozinho. Acho que o terceiro estágio não é claro: ou será uma governação realmente autocrática, ou um movimento contrário.

Os europeus têm sido bastante injustos em relação a países como a Hungria, que historicamente enfrentaram a carga de segurar o avanço do Império Otomano. São anti-muçulmanos porque no decurso da História foram eles que aguentaram as invasões muçulmanas, que só não entraram pela Europa dentro por causa da sua resistência.

Eatwell: Pois foi, os austríacos também, às portas de Viena.

Goddwin: Esse sentimento passou de geração em geração até hoje. E agora os europeus dizem que eles são fascistas porque não querem a imigração muçulmana.

O facto é que os muçulmanos têm uma religião extremista, no sentido de que não aceita as outras. A religião europeia, cristã – se se pode dizer que ainda há uma religião europeia, mas há com certeza uma tradição – já foi assim, mas tornou-se muito mais tolerante e, portanto, muito mais fraca.

Goodwin: De facto, os muçulmanos não são a favor dum estado de direito secular.

Eatwell: Há quem diga que o liberalismo é a versão secular do cristianismo, porque o cristianismo diz que se deve dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, e o facto é que a maioria dos muçulmanos também faz essa distinção. É difícil de afirmar isto em público, mas muitos populistas nacionalistas, especialmente os mais cultos, como Pim Fortuyn (na Holanda), um professor de sociologia abertamente gay, tem raízes profundas no liberalismo de Karl Popper, que desde 1945 defende uma “sociedade aberta”. Dizia ele que os liberais não toleram os intolerantes. Então, o Islão é intolerante e ele, Pim Fortuyn, é atacado sistematicamente pelo Imã de Roderdão por ser abertamente gay. Fortuyn responde que a Holanda é um país tolerante, que defende os direitos das mulheres e dos homossexuais: “Não podemos tolerar um Islão que não aceita direitos que são consensuais para os holandeses”.

Goodwin: Há um estudo, publicado há semanas, que mostra que um número significativo de eleitores populistas são LGBT. Vêm dessas comunidades. Veja que cerca de 20% do eleitorado de Le Pen são casados porque têm valores sociais conservadores, mas dizem que o país não deve abdicar dos direitos de igualdade de género por causa da imigração muçulmana.

Temos que ser cuidadosos com as nossas previsões. Se virmos a direção do que está a acontecer na Europa, é inevitável que vai haver mais imigração, sobretudo de países muçulmanos; mas se olharmos para as gerações mais recentes – na Alemanha, por exemplo – vemos que os refugiados muçulmanos se estão a integrar bastante bem, a entrar no mercado de trabalho e a ser bons cidadãos.

Diferentes países vão seguir modelos diferentes. Os dinamarqueses, por exemplo, seguem um modelo de integração muito robusto. Os franceses, por razões históricas, têm um modelo mais relaxado. Em França, a imigração muçulmana começou depois da I Guerra Mundial e era invisível. Nunca houve uma política de integração.

Os alemães também têm uma grande imigração turca, que começou nas décadas de 1950-60. Mas parece que a Turquia já não quer entrar para a União Europeia.

Goodwin: Basta um país da UE para vetar a entrada da Turquia. Então, porque pedir para entrar para um clube que com certeza a vai rejeitar? Há duas Turquias, uma urbana, mais educada, e outra rural, mas tradicional. O Erdogan agrada a essas comunidades mais pequenas, aliás como o Trump. Então, os turcos mais jovens e mais instruídos querem fazer parte da Europa, porque acham que trará um conjunto de valores europeus ao país inteiro, não apenas ao seu grupo.

Mas o Erdogan fez uma razia nesse grupo, quando houve o tal golpe hipotético contra ele.

Eatwell: O Erdogan é outro populista que teve uma grande derrota nas últimas eleições locais. Portanto, estaremos numa uma altura em que este modelo de “democracia iliberal” está a chegar ao ponto de se tornar uma autocracia, ou uma ditadura, ou há um limite ditado pela oposição doméstica? No caso da Hungria, há também a oposição da União Europeia, que tem vindo a decretar sanções, e a Hungria é um grande recetor de fundos europeus. A Turquia não é, mas depende muito de apoio da Europa e dos Estados Unidos.

A Turquia recebe um subsídio da Europa para conter os imigrantes sírios.

Eatwell: É verdade. A Europa subornou a Turquia!

E agora a Turquia invadiu a Síria... Isto é muito complicado!

Bem, acho que não temos uma conclusão da nossa conversa, mas pelo menos levantamos várias questões que precisam de ser acompanhadas. É um pouco o que se faz agora na Europa: toma-se consciência de que há problemas por resolver, mas não se resolve nada...

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