A diretora usou uma frase ao antigo ministro da Ciência, Mariano Gago: "O conhecimento ocupa lugar” - e cunhou-a nas paredes do edifício, que recebeu o Prémio Valmor e é assinado pelo arquiteto Carrilho da Graça.

No mesmo espaço, convivem exposições e discussões, aprende-se. Uma bola assinada pelo Ronaldo rivaliza com o Pêndulo de Foucault. Ao fim de 25 anos, para Rosalia há ainda muito por fazer e só tem pena de não ter tirado uma fotografia com o CR7.

Tecnologia, Inteligência Artificial (IA), mulheres na ciência e liberdade de escolha.  Rosália Vargas aborda nesta entrevista as várias dimensões do conhecimento.

Condidera que a Inteligência Artificial é um perigo? Deve ser regulada?

A grande dimensão que tem - tecnológica, social, económica, psicológica e de intervenção na vida de todos - deve ser regulada. Mas não deve ser travada. Porque o conhecimento é para progredir, não para ser travado. Portanto, estou sempre confiante nas novas tecnologias.

Mas regular também pode ser perigoso. Há o controlo do Estado...

Exato. Por isso é que há pessoas envolvidas nesse trabalho de regulação, ao nível internacional, de muitas áreas. Juridicamente falando, há regulamentos, mas também [estão envolvidos] sociólogos, psicólogos, pedagogos, economistas, juristas e artistas

Porque a IA também tem a ver com a arte e também afeta o artista?

Afeta. Afeta a produção artística, não no sentido negativo. Interfere. E por isso, tem de ser regulada, sem travar a criatividade e o progresso.

Não se pode obrigar as raparigas, as mulheres, a escolherem áreas, sejam elas quais forem. O que temos é que dar condições e liberdade de escolha.

Diz que faltam mulheres na ciência, mas na homenagem a quem trabalha desde início no Pavilhão do Conhecimento, só vi mulheres. Onde é que faltam?

Não somos uma instituição científica. Não fazemos investigação científica. Trabalhamos com a comunidade científica, para a sociedade, para as escolas e para os públicos. Aqui não faltam mulheres, de facto. Curiosamente, aqui faltam mulheres em áreas onde gostava de as ver. Na área técnica, área de informática e de redes informáticas. Abrimos concursos, abrimos posições e não aparecem. E gostava de as ver. Agora sim, vamos ter na área técnica uma nossa colega que sai da área do DOING. É engenheira e está há muitos anos connosco. Queremos incentivar isso.

Mas não se pode ter por ter?

O que queremos é que haja condições de escolha. Não se pode obrigar as raparigas, as mulheres, a escolherem áreas, sejam elas quais forem. O que temos é que dar condições e liberdade de escolha. E durante muitos anos isso não foi assim. Havia áreas vedadas completamente às mulheres. E isso leva tempo a mudar.

“O tempo, esse grande escultor”, já dizia Marguerite Yourcenar. É um excelente livro que li em adolescente. E, de facto, é. E leva tempo a que as famílias abram todas as possibilidades. Porque há preconceitos, há barreiras. E eu sou do tempo de ter crescido com elas.

Licenciou-se em que área?

Filosofia. Que é realmente a área do conhecimento. Contém a ciência, a arte. Contém tudo aquilo que importa desenvolver e proporcionar a todos.

No Pavilhão, a palavra conhecimento vai muito além do conhecimento científico.

Ah, sim. E é muito bonito estarmos hoje a cunhar, digamos assim, na parede externa do pavilhão, “o conhecimento ocupa lugar”. Do grande, José Mariano Gago. Geralmente, diz-se, e é comum, o saber não ocupa lugar. Nós dizemos e crescemos a ouvir isso. [Mariano Gago] disse um dia: “o conhecimento ocupa lugar” e é assim nos espaços de ciência e tecnologia, nos centros de Ciência Viva. Este é um deles, de 20 em todo o país. Uma rede em crescimento e em mudança, uma rede muito viva e especial.

Não é fácil fazer conteúdos para os 20 centros. Todos diferentes e todos precisam e merecem visita.

Rede essa espalhada pelo país e instalada em locais insólitos?

Ter centros de ciência instalados numa antiga igreja, num convento, numa mina ou numa fábrica. São espaços que são devolvidos à população com outro uso, outra função.

E também há conhecimento na fábrica, na igreja?

Sempre. Quando desenvolvemos os conteúdos de um novo centro de Ciência Viva, estamos a desenvolvê-los com base no local onde o centro está. Temos de ter inspiração. Não é fácil fazer conteúdos para os 20 centros. Todos diferentes e todos precisam e merecem visita. Significa que, quem vai a um, encontra razões para ir aos outros. Inspiramo-nos muito no local onde o centro está, na função que o edifício teve e daí desenvolvemos.

Nenhum é igual?

Nenhum é igual. E há ciência na globalidade, porque a ciência é global, é universal, mas também tem características locais, particulares, de um país, de uma comunidade. Porque há conhecimento científico e tecnológico que é preciso dar importância e que vem de muitas mãos, muitos cérebros e de muitas civilizações. E cada civilização marca a sociedade com um conhecimento diferente e novo.

Este pavilhão é a soma das outras partes, dos centros Ciências Viva? Ou é uma parte do todo?

É uma parte das partes. É uma parte do todo. Mas é uma parte que organiza, que lidera, que coordena. Há uma rede. Há uma imagem biológica: se as células tiverem em comunicação, chamam-se de estabelecer as sinapses. E, portanto, estabelece-se as ligações do grande organismo vivo, que é a rede de ciência e de Ciência Viva.

Isto não é uma escola. Há muitos lugares onde se aprende, este é um deles. Mas não fazemos testes. Não vamos saber quanto é que eles aprenderam. Pode até dar a ilusão de que entram aqui e que não aprendem nada. Mas aprendem.

Como é que se convence os jovens a gostar de ciência?

Deixá-los. Dar-lhes conhecimento, possibilidade de escolherem e de perceberem por eles.

Espera que os visitantes, os jovens, aprendam na visita ao pavilhão do conhecimento?

Não me importa nada que aprendam ou não. Isto não é uma escola. Há muitos lugares onde se aprende, este é um deles. Mas não fazemos testes. Não vamos saber quanto é que eles aprenderam. Pode até dar a ilusão de que entram aqui e que não aprendem nada. Mas aprendem. Eu própria me lembro, e se calhar cada um de nós se lembra num dado momento de isso ter acontecido nas nossas vidas, de termos estado em contacto com algo, com uma atividade, algo que aprendemos na escola e que não entendemos bem. E guardámos numa gaveta, algures, no nosso cérebro. E depois há um dia, ao virar da esquina, que dizemos assim, “ah, é isto”. Percebi. E esse, “ah, é isto, agora entendi "pode acontecer no meio de um concerto de música, peça de teatro, ao virar da esquina, passados três anos de ter visitado um museu, ou um centro de ciência.

É a memória que nos traz esse momento?

Fica algo que vai chocando cá dentro, que vai acontecendo devagarinho e explode um dia qualquer. E aí dizemos, “agora entendi. Hoje entendi isto. Vi aquilo numa visita ao Pavilhão do Conhecimento, quando eu tinha sete anos. E agora entendi."

Aprendeu com todas as exposições?

Todas.

Qual foi a que mais a marcou?

Isso é tão difícil. Mas vou tentar. Seguramente, ainda me lembro da primeira exposição com que o pavilhão abriu.

Veio da Alemanha, esteve numa sala pequenina, onde é agora o auditório novo, numa sala expositiva. E tinha os “hemisférios de Magdeburgo”.

Recriámos com dois grandes cavalos. Não eram verdadeiros, acho que eram recortados em madeira, tinham umas correntes. E eram os dois hemisférios. É um globo que fecha e abre ao meio, são os hemisférios de Magdeburgo que estudámos na escola, em Física. Unidos, há um vácuo. E como é que se abrem? Até podem puxar forças de não sei quantos cavalos, que não conseguem abrir. Foi uma experiência científica. E há uma forma de libertar o ar que têm lá dentro. Não sou física, mas marcou-me enquanto estudante quando recebemos aquela instalação. Vamos-lhe chamar instalação científica.

Chamam-lhe instalações ou exposições?

Chamamos exposições. Mas esta era tão singular e tão depurada. Só um objeto. E era um objeto que significa tanto. É mais na nova linha do que é uma instalação. Mas era uma exposição.

Há outra que a tenha marcado?

Lembro, por exemplo, do “Que Nojo”. Uma exposição de enorme sucesso. E nós chamámos-lhe “Que Nojo!” com ponto de exclamação. A criançada, as famílias adoraram. Era sobre as secreções do corpo humano e os miúdos adoram coisas assim...

Aí é que está o grande motor do conhecimento. E é o grande desafio da ciência também. O grande desafio do conhecimento é esse: é provocar e ser provocado. E as crianças são as que estão mais disponíveis para isso. Porque é preciso estar disponível para conhecer e para fazer este jogo.

Bizarras?

Bizarras. Lembro que na altura havia uns desenhos animados. É uma imagem tremenda. Não me lembro o nome do desenho animado, mas era tremendo, em que o boneco metia o dedo no nariz e saía no cimo da cabeça com um bocado de cérebro agarrado ao dedo. Era nojento. E a criançada adorava ver aqueles desenhos animados. Os miúdos têm uma atração muito grande pelo bizarro. Metem o dedo no nariz e riem à gargalhada. Porque nós dizemos: não faças isso! E então eles fazem, metem o dedo no nariz. Gostam de provocar.

E de ser provocados?

Aí é que está o grande motor do conhecimento. E é o grande desafio da ciência também. O grande desafio do conhecimento é esse: é provocar e ser provocado. E as crianças são as que estão mais disponíveis para isso. Porque é preciso estar disponível para conhecer e para fazer este jogo. Lembro uma grande imagem da exposição, estava logo à entrada da exposição, uma torneira gigante que tinha ranho a sair da torneira. Um ranho a imitar, tudo encenado, cenografia muito bem feita, tridimensional, muito realista. E o ranho ia para baixo e ia para cima. E aquilo era logo “uau!” Claro que os adultos diziam que nojo. E daí pormos o nome “Que Nojo!”. E era sobre as secreções do corpo humano. A transpiração, o xixi, o cocó. E os miúdos adoram perceber que o corpo humano é um organismo vivo.

A criança tem menos vergonha ... o adulto é mais padronizado.

É mais espontânea. O adulto sofre o processo educacional que lhe dá margens. As crianças não têm margens. O que é muito bom, muitas vezes, mas que também precisam de conhecer os limites, mas é muito bom deixá-las progredir pelas margens. Perceber que há margem, mas irem lá ao pé. Até porque, geralmente, é nas margens que estão as coisas mais interessantes, a maior diversidade. É aquela imagem de um rio, que corre livremente, mas as margens condicionam-no. E isso é bom, porque dão rumo aos rios. Mas no sentido filosófico, sociológico, não da natureza, as margens condicionam-no.

Alguns vêm direitinhos ali à bola do Cristiano Ronaldo.

Estamaos junto a uma bola assinada por Ronaldo e ao Pêndulo de Foucault. Dois mundos diferentes do conhecimento...

É verdade. E sabe, éramos tão novitos, que pena, não temos uma fotografia. Não há uma fotografia do Ronaldo. Esteve na minha sala, sentado e eu ao pé dele. E o Scolari. Se fosse hoje... selfies. Andávamos a tirar mil fotos.

A bola está aqui num local espaço tão escondido. Porquê?

Não é escondido. Está no lugar. Está ali, aberto ao público.

E as crianças é mais o pêndulo ou bola?

Alguns vêm direitinhos ali à bola do Cristiano Ronaldo. Uma vez fui convidada para ir a uma escola secundária aqui da zona de Lisboa, falar sobre ética. Tema que gosto, filosófico. Como é que eu os vou agarrar? A certa altura, depois lhes falar e serem eles a dizer o que é a ética ou como é importante nas nossas vidas ou que situações já tinham vivido que se pode considerar ter a ver com ética, de repente eu digo assim, “ah, isto acabou. Olhem lá, vocês já foram ao Pavilhão do Conhecimento? Ainda não. Estão aqui tão perto. São meus convidados. Não precisam ir todos juntos. Se quiserem ir com a escola e com a turma, está aqui a professora, pode levar. Mas não precisam. Vão lá. Quando quiserem, perguntem. Vão à bilheteira. Dizem que foi a diretora do pavilhão que vos convidou. Se estiver lá, tenho muito gosto em vos ir receber. Apareçam. E vão ver a bola do Cristiano Ronaldo. Assinada por ele”. Fez-se silêncio.

Cheguei a receber alguns na receção, porque queriam que soubesse que estavam aqui e iam ver a bola. Depois, dizia, “agora há muito mais para ver. Vamos abrir estas portas e estejam à vossa vontade. Quando quiserem sair, saiam”.

Anunciaram os números de visitantes. São 5,6 milhões. Está dentro das expectativas?

A média, às vezes é mais fácil percebermos pela média por dia e a média anda neste momento nos 850 por dia. Há dias que temos mil e tal, outros dias 600. É muito raro a média ser abaixo dos 600. Portanto, é bom para o conjunto de museus e ciências e do país. Claro que há exceções. O Oceanário, Jardim Zoológico e o Museu dos Coches.

Estão abaixo dos três grandes, digamos assim.

Estamos abaixo dos três grandes. A nível da rede de ciências e de Ciências Vivas, igualamos os três grandes. Se somarmos tudo, igualamos os três grandes. A verdade é que as pessoas têm uma apetência, um desejo de visitar tudo o que se relaciona com animais e natureza. E isso é bonito e interessante. Por isso, vão ao Oceanário, aos Aquários e até museus de História Natural, embora tenham que estar na nova era dos museus de História Natural.

Não é só o dinossauro em carcaça. É mais digital?

Não é que seja mais digital. Tem uma abordagem mista de centro de ciência e de museu de coleção. E fazer essa ligação é um desafio muito interessante. Porque as coleções têm de ser preservadas, têm um valor. E julgar isso com o que é a natureza tal e qual com os fenómenos, é isso que são os centros de ciência.

Se for ali à nossa sala do Explora, vai ver o Tornado. É um módulo. Não sei se foi ao cinema recentemente. Eu fui há três dias ver o “Tornado”. Um filme muito, muito bem feito. Já há uma coleção de filmes sobre os tornados na filmografia americana. E há caçadores-tornados. Eles entram no olho do Tornado. E tudo é extraordinário. É real. Temos o Tornado. Significa o quê? Que aquele módulo recria um fenómeno que muda da natureza. E, de certa forma, as pessoas percebem.

E isso é cativante para o público?

É cativante. E agora temos de tirar a partir disso com o filme. Há pequenos frames que se podem pôr ali. Isto ocorre porque é preciso perceberem as mudanças de temperatura, os ventos, as condições atmosféricas. Este filme passa-se em Oklahoma, nos Estados Unidos, zona com mais tornados. O filme aborda um conjunto de jovens do ensino secundário que fazem um projeto de ciências sobre como podem diminuir a força de um tornado para não seja devastador para as populações. Adoro contar histórias de filmes ainda em cena.

O Pavilhão do Conhecimento e o centro de Ciência vivem das exposições. E são muito do que são as exposições. Mas somos mais que isso.

É uma spoiler?

Sou uma spoiler. Adoro. Porque depois os amigos dizem, não, não contes. E eu, sim, sim.

As alterações climáticas é tema em cima da mesa no Pavilhão do Conhecimento?

É um tema que não somos alheios, porque, sobretudo, o Pavilhão do Conhecimento e o centro de Ciência vivem das exposições. E são muito do que são as exposições. Mas somos mais que isso. Realizamos colóquios, conferências, encontros, debates, convidamos especialistas, investigadores, empresários, professores, estudantes, artistas e discutimos os temas, geralmente fazemos sempre uma programação ligada ao tema da exposição principal. E convidamos especialistas e fazemos séries de colóquios sobre isso. Por exemplo, quando tivemos a exposição da “Água”, exposição concebida e produzida por nós, neste momento está no Museu de História Natural de Barcelona.

Já produzem exposições?

Produzimos. É algo que não é muito conhecido do nosso meio, mas é muito importante isso acontecer. Aprendemos.

Essa foi a única?

Fizemos quatro. A primeira foi o “Viral”. Ainda não sabíamos que vinha a pandemia. Ninguém sabia. Mas a exposição já falava de pandemias.

Em que ano?

(Em 2015). Foi feita em consórcio com o EUREKA da Finlândia, a Citê de Paris, tínhamos um consórcio entre os três para conceber e produzir exposições. Escolhemos o Viral, que naquele momento, ainda tinha o nome contágio, contagious. Mas depois achámos que “Viral” era um nome que servia em inglês e em português. Fala de formas de contágio social, económico, biológico, e porque, imagine, havia um módulo, que tínhamos em teste por equipa. É um processo que leva tempo e é muito criativo também.

A equipa instalou neste piso um projeto de módulo sobre o “Bocejo”. Sentados numa cadeira, tínhamos uma câmara e um filme com pessoas a bocejar e era para saber quanto tempo demorava que começássemos a bocejar também, cada um cronometrava para perceber, até que ponto há um contágio e quando bocejamos todos, sabemos que somos contagiados. A certa altura andava tudo a bocejar (ri).

E agora, está onde?

Está no laboratório de Coimbra. É um centro grande que pode receber as nossas grandes exposições. Já esteve na EUREKA, na Citê, em vários sítios.

E as outras duas exposições?

“A água”. A outra, a ciência nas histórias infantis ... “Era uma vez Ciência”. Um megassucesso. Recriamos a história do Pinóquio, Três Porquinhos, Ali Babá e os 40 Ladrões. Uma mega desenho animado, tridimensional, uma exposição lindíssima.

Entramos no mundo imaginário?

No mundo que conhecemos das histórias infantis e vamos mostrar a ciência que existe nessas histórias.

O que é que o Pinóquio ensinava?

Era um boneco articulado de tamanho real. Puxávamos umas cordas, mexia a perna esquerda e direita e enganávamos o cérebro. O módulo mostra como é que podemos enganar o cérebro, ou como é difícil enganar o cérebro. Queremos puxar o braço direito e pegamos na corda que julgamos que vai mexer o braço, mas não, mexe o pé esquerdo, portanto, temos de criar mecanismos de abordagem daquele módulo que leva a que, “ah, consegui”, e consegui de outra forma.

E essa exposição, feita em casa, andou por onde?

Esteve em Barcelona, uns dois anos em Valência, no Grande Parque das Ciências, um grande museu, em Paris, na Cité, a meca, ou era, dos museus e centros de ciência da Europa, a exposição esteve lá mais de um ano. Para entrar numa exposição na Cité, temos de ter certificados de tudo, até das tintas que se usam nos módulos, em todos os materiais têm de estar certificados, é uma exigência enorme, até porque já tiveram um incêndio numa parte das exposições.

E agora, o que se segue?

Estamos a fazer a da alimentação. A da Clever Food. É uma exposição que também vai itinerar. É um projeto europeu.

Inclinada para alimentação saudável?

Sim, saudável, responsável, sustentável, e por aí adiante. E estamos em carteira com outras exposições, uma delas é … não vou dizer.

Diga lá qual é?

Segredo é Alma do Negócio. É o business para nós. Business, as usual.

Encanto-me com tudo, aliás, os desenhos animados comovem-me até, choro a ver desenhos animados

E a Pixar, já está anunciada?

Vem aí a ciência na Pixar.

O que é Pato Donald pode ensinar?

Vamos ver, será extraordinário ver a exposição, sobretudo com o que vamos aprender. Vamos realmente perceber como é que se faz um grande filme de animação. O Divertidamente, o Gru Maldisposto. Quem é que não gosta e não se encanta com aqueles filmes.

Esses filmes encantam-lhe?

Encanto-me, encanto-me com tudo, aliás, os desenhos animados comovem-me até, choro a ver desenhos animados, são grandes obras, extraordinárias …

Como é que se chora a ver desenhos animados?

Choro. Aquele que tinha umas orelhas grandes, o Dumbo, abandonado, andava sozinho a arrastar umas grandes orelhas, não sabia da mãe, chorava imenso a ver aquilo.

No Bambi chorava-se, mas já não há Bambi?

O Bambi... pois, chorava-se. Hoje, as grandes produções são muito curiosas, eu vi a apresentação do Robot Selvagem. Pela apresentação que vi do filme, quero ir ver. Portanto, essa da Pixar, a do cérebro, Talking Brains e a que tivemos antes, a Missão Espaço, é fruto de um protocolo de colaboração com a Fundação La Caixa.

Portanto, a Fundação financiou, digamos assim.

Sim, financiou, praticamente ofereceu-nos essas exposições, e temos outras colaborações em carteira. Temos uma missão nacional de promoção da cultura científica e tecnológica. Não temos fins lucrativos, temos uma missão nacional, desde o início.

Movem-se pela Missão?

Movemo-nos pela missão. O que significa que temos parcerias, e muitas parcerias. E ninguém sabe o suficiente para fazer tudo sozinho, era um grande ensinamento do professor Mariano Gago que sempre nos incentivou a trabalhar com outros, a ter parcerias nacionais e internacionais, e temos.

Ninguém sabe tudo, nem ninguém consegue fazer tudo sozinho.

Ninguém sabe tudo sozinho. Aprendam a fazer com quem já fez, e façam melhor do que já viram fazer. Uma máxima que temos.

O que é que lhe falta fazer a nível das exposições? O que é que gostava de fazer que ainda não fez?

Tudo o que está por fazer ... está-me a fazer dizer qual é o tema da próxima exposição, já percebi. Não temos problema em dizer, porque já estamos a trabalhar. Vai demorar. As exposições demoram muito tempo, as grandes exposições demoram entre dois a três anos até sair, até estar pronto. E é uma exposição que queremos fazer com parcerias ligada à ciência e magia, mas não lhe vamos chamar magia, não gostamos de ligar magia à ciência, mas queremos explicar com mágicos.

Que há algo mágico na ciência?

E a ciência ajuda a realizar a magia.

Mas ainda não está batizada.

Está, está.

E como é que se chama?

Impossible. “Impossível”. É o nome do espetáculo de Luís de Matos e a parceria com o Luís de Matos Produções. Estamos a trabalhar com vários mágicos a nível internacional, dos Estados Unidos, do Reino Unido, Portugal, o grande Luís Matos, Espanha também, e estamos a finalizar a parceria com a Fundação La Caixa.

Perlim, pimpim. Chegou ao fim a entrevista?

Foi? Tinha ainda tanto para falar.

Continuemos, então. Nunca se viu a ser diretora de um centro de ciência?

Era professora de Filosofia. Quando se encontra um bom professor, na Matemática, como na Física, os professores têm de encantar os outros.

O último Eurobarómetro, diz que os portugueses são, entre todos os europeus, os que mais confiam na ciência. São também os que mais querem saber sobre ciência e tecnologia e são também os que mais querem saber sobre ciência e tecnologia através dos investigadores.

A minha professora cativou-me, mas hoje tenho poucas recordações de filosofia.

Não faz mal. Está aí dentro. Não tem de se lembrar dos clássicos da Filosofia. Fez uma ginástica no seu pensamento, na sua maneira de ver o mundo e na sua maneira de o questionar. E isso ficou. Portanto, tem Filosofia dentro de si. Ficou aí o pensamento.

E de ciência. O que se pode contar?

Olhe, Portugal finalmente está no Eurobarómetro da Cultura Científica, da Literacia Científica, instrumento da Comissão Europeia. O último foi em 2021. Nunca sabemos quando é que é o próximo, deve estar a sair. Portugal, pela primeira vez, está em quase todos os primeiros lugares, em quase todos os indicadores. E estivemos sempre nos últimos lugares. Agora, o último Eurobarómetro, diz que os portugueses são, entre todos os europeus, os que mais confiam na ciência. São também os que mais querem saber sobre ciência e tecnologia e são também os que mais querem saber sobre ciência e tecnologia através dos investigadores. Estamos em segundo lugar, em toda a Europa, dos que mais visitam museus e centros de ciência, em toda a Europa.

Não é alheio a existência da rede de centros de Ciência Viva no país?

Não é alheio, de facto.

Não estamos a formar cientistas. Queremos contribuir para a formação de jovens, de pessoas que gostem do conhecimento e que possam fazer escolhas e as melhores escolhas, aquelas que os fizerem mais felizes. Uns vão ser cientistas, e muito bons.

Mas isso levou tempo? Três gerações?

Quase três décadas. Duas gerações. Em 2010, ainda estávamos desgraçadinhos. Agora não sei quando vier outro Eurobarómetro, onde estaremos. Para já, enquanto estamos em alta, temos gosto de dizer que estamos aqui. Aliás, o Ministro da Ciência Austríaco veio a Portugal e veio à Ciência Viva, especificamente para perceber o que é que estamos a fazer. O que é que aconteceu no país.

É os miúdos da escola que se influenciam, não é?

Leva tempo, dizia o professor Mariano Gago.

Necessitaremos dez, vinte anos até serem cientistas?

Não têm de ser cientistas. Não, nós não estamos a formar cientistas. Queremos contribuir para a formação de jovens, de pessoas que gostem do conhecimento e que possam fazer escolhas e as melhores escolhas, aquelas que os fizerem mais felizes. Uns vão ser cientistas, e muito bons. Elas estão a escolher carreiras científicas, e por isso nós publicamos livros das raparigas na ciência, as mulheres na ciência. Mas podem ser outra coisa qualquer na vida, não interessa. Mas é na escola que têm o primeiro contacto com a ciência, e para muitos é o único. Quando saem da escola não têm mais contacto forte com a ciência. É por isso que promovemos programas, trabalhamos com a comunidade científica, e estamos nesta missão de promoção do conhecimento.

É sempre bom termos contacto com os outros conhecimentos?

É interessante, não é? Como é que o professor Mariano me escolheu. Se calhar pensou, se escolhesse alguém da Física, só iria valorizar a Física. Se escolhesse da Matemática, só iria valorizar a Matemática. Era físico, era um cientista, mas era um humanista, uma pessoa extraordinária. E a Maria de Sousa, que foi uma grande neurocientista, morreu na altura do Covid, uma das maiores investigadoras que tivemos no país, viveu nos Estados Unidos muitos anos, impressionou-me muito uma conferência que vi dela na Gulbenkian. Era eu professora de Filosofia. Não imaginava que vinha para esta vida. Sempre gostei da Epistemologia, da parte da Filosofia das Ciências. E influenciava muitos dos meus alunos com isso. Fui à conferência, organizada pelo Mário Soares, uma série de conferências na Gulbenkian. Ela termina a conferência a dizer: “Já vi um filósofo hoje, olha o que pode precisar de um amanhã”. (pausa) Impressionante. E eu fiz uns papéis, assim, metade de uma folha a A4. Onde escrevia uma parte da citação, escrevia essa frase.

Foi tomando notas?

Sim, mas há um livro. E a frase, “já vi um filósofo hoje, olha o que pode precisar de um amanhã”. Assinado, Maria de Sousa, neurocientista, na conferência e tal. No meu último dia de aulas, dava sempre aos alunos. Dava a cada um.

É preciso condições políticas. Sem apoio político isto não tinha acontecido.

Maria de Sousa marcou-a?

Tive a sorte de conhecer a Maria de Sousa, foi Mulher na Ciência. Escreveu uma coisa sobre a Ciência Viva. Foi ela que me deu aquele quadro (aponta). Era depositária desse quadro. Jornadas Nacionais de Investigação, organizadas pelo professor Mariano Gago. Em 1987. Ainda nem sonhava, vivia no Norte, estava com a minha filosofia, sossegada, a dar aulas. Nunca imaginei. Fizeram estas Jornadas Nacionais de Investigação Científica e Tecnológica, no Fórum Picoas. Ela disse ... foi o início da Ciência Viva, aquilo que hoje é a Ciência Viva. Aqui nasceu a ideia de que algo que seria uma Ciência Viva e que tinha de acontecer no país. Demorou até 1996.

Tal como as exposições, demoram tempo?

É preciso condições políticas. Sem apoio político isto não tinha acontecido. Nas jornadas que o Manuel Heitor, enquanto ministro (Ciência, Tecnologia e Ensino Superior), organizou no Fórum Picoas, homenageando estas jornadas, foi passado 20 anos, 30, não sei. Há um livro onde ela tem um texto que fala de nós. Fala da Ciência Viva e de mim. Até fiquei comovida. E deu-me aquilo em palco.

Foi um presságio?

Ela sabia que eu ia guardar este tesouro. Está aqui (na parede do gabinete).