"Acho que os cidadãos portugueses já perceberam que a minha prolongada e desproporcional prisão preventiva tem como objetivo primordial silenciar as minhas denúncias, e manter escândalos como o Luanda Leaks fechados a sete chaves", pode ler-se.

"Se dependesse da Polícia Pudiciária e do Ministério Público português, estas informações nunca viriam a público, nem as autoridades angolanas alguma vez seriam informadas da existência destes dados", refere.

Rui Pinto deixou ainda um aviso: "“Vistos Gold, ESCOM e BES Angola – há ainda muita coisa que os portugueses merecem saber".

Rui Pinto, que se encontra preso preventivamente por suspeita de crime informático e tentativa de extorsão, já assumiu, segundo os seus advogados, a responsabilidade de ter entregue, no final de 2018, à Plataforma de Proteção de Denunciantes na África (PPLAAF), um disco rígido contendo todos os dados relacionados com as recentes revelações sobre a fortuna de Isabel dos Santos, sua família e todas as pessoas que podem estar envolvidos nas operações fraudulentas cometidas à custa do Estado angolano e, eventualmente, de outros países estrangeiros.

Ontem à noite, uma vigília à porta do Estabelecimento Prisional anexo à polícia Judiciária, em Lisboa, juntou cerca de duas dezenas de pessoas, que empunhavam fotografias de Rui Pinto e acenderam velas, encontrando-se entre elas a dar apoio à causa a psicóloga e comentadora Joana Amaral Dias.

“Temos os ladrões à solta e aqueles que são os denunciantes estão presos. Isto existe porque a justiça não fez o seu papel, a justiça não fez o seu caminho. Esta situação do saque, do esbulho ao povo angolano é conhecida há muito tempo, foi denunciada por muitas pessoas, desde o Rafael Marques, a muitas outras, e a justiça fez alguma coisa. Se era assim tão falado porque é que não avançou, quando o próprio Rui Pinto terá feito denúncias ao Ministério Público (MP) sobre esta matéria que não foram ouvidas nem atendidas?”, questionou, em declarações à agência Lusa.

Joana Amaral Dias considerou que, “entre o vazio legal que não protege o denunciante e uma justiça completamente castrada e refém de outros interesses, não havia qualquer outra possibilidade que restasse ao Rui Pinto senão cometer este ato de cidadania”.

“Rui Pinto não devia estar preso, devia estar a ser chamado a colaborar com a justiça portuguesa, como tem sido na justiça belga, alemã, angolana e francesa, que já deu consequências quando foi o caso do “Football Leaks”.

Contudo, Portugal, à semelhança de outros países, não prevê o estatuto de denunciante. A lei portuguesa apenas regula a aplicação de medidas para proteção de testemunhas em processo penal quando a sua vida, integridade física ou psíquica, liberdade ou bens patrimoniais de valor consideravelmente elevado, sejam postos em perigo por causa do seu contributo para a prova dos factos que constituem objeto do processo.

Rui Pinto assumiu publicamente em 2019 ser colaborador do ‘site’ Football Leaks e, sob o pseudónimo ‘John’, divulgou informações a partir de Budapeste, na Hungria, país onde foi detido em 16 de janeiro deste ano, no âmbito de um mandado de detenção europeu. O português vivia na capital húngara desde fevereiro de 2015, após uma primeira passagem pela cidade, entre 2012 e 2013, enquanto estudante de História da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, ao abrigo do Programa Erasmus.

Natural de Mafamude, Vila Nova de Gaia, cidade onde nasceu em 20 de outubro de 1988, Rui Pinto, confesso adepto do FC Porto e “fanático por futebol desde criança”, cresceu na zona da Praia de Lavadores, na freguesia de Canidelo, tornando-se num autodidata ao nível dos conhecimentos de informática.

Em 2013, foi o único suspeito de desviar cerca de 264 mil euros do Caledonian Bank após aceder ao sistema informático da instituição bancária sediada nas Ilhas Caimão. O inquérito-crime foi arquivado pelo Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto, em outubro de 2014, na sequência de um acordo extrajudicial entre o jovem e o banco.

Em abril do ano passado, foi um dos vencedores de um prémio europeu para denunciantes promovido pela Esquerda Unitária Europeia (GUE/NGL).

Os vencedores foram anunciados durante uma sessão plenária do Parlamento Europeu e incluíram também o fundador da organização Wikileaks, Julian Assange, e Yasmine Motarjemi, denunciante dos lapsos de segurança alimentar da Nestlé.

O Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa decidiu, em 19 de janeiro, levar Rui Pinto a julgamento, por 90 crimes de acesso ilegítimo, acesso indevido, violação de correspondência, sabotagem informática e tentativa de extorsão, deixando cair 57 crimes.

Em setembro de 2019, o Ministério Público (MP) acusou Rui Pinto de 147 crimes, 75 dos quais de acesso ilegítimo, 70 de violação de correspondência, sete deles agravados, um de sabotagem informática e um de tentativa de extorsão, por aceder aos sistemas informáticos do Sporting, da Doyen, da sociedade de advogados PLMJ, da Federação Portuguesa de Futebol e da Procuradoria-Geral da República, e posterior divulgação de dezenas de documentos confidenciais destas entidades.

Também em 19 de janeiro, o tribunal decidiu manter Rui Pinto em prisão preventiva, situação em que se encontra desde 22 de março de 2019.