Responsáveis oficiais ucranianos citados pela agência noticiosa Associated Press (AP) consideraram que as forças russas não tinham outra alternativa, mas permanecem cautelosos por recearem tratar-se de uma armadilha, com o perigo de uma emboscada.

A situação na cidade portuária permanece muito indefinida, após a saída de dezenas de milhares de habitantes nas últimas semanas por iniciativa das autoridades locais russófonas e do exército de Moscovo, quando a população que decidiu permanecer receia sair das suas casas.

A retirada forçada de Kherson, a única capital provincial que Moscovo conquistou, poderá significar um dos maiores desaires militares para as forças russas, fazendo recordar o seu recuo da região de Kiev no início do conflito, iniciado em 24 de fevereiro passado.

A recaptura de Kherson poderá permitir à Ucrânia recuperar territórios no sul, incluindo eventualmente a Crimeia, anexada pela Rússia em 2014.

A retirada russa deverá ainda fazer aumentar a pressão sobre o Kremlin a nível interno para uma escalada do conflito, e quando as avaliações dos serviços de informações norte-americanos se referem a dezenas de milhares de civis e a centenas ou milhares de soldados mortos ou feridos, acrescenta a AP.

Hoje, o ministério da Defesa russo referiu-se a uma “manobra de unidades do grupo russo” em direção à margem esquerda do rio Dniepre, que atravessa Kherson, um dia após o ministro Sergei Shoigu ter ordenado a retirada das tropas da cidade e zonas circundantes no decurso de uma conferência de imprensa onde esteve acompanhado por outros generais e transmitida pela televisão estatal.

Diversos observadores ocidentais, incluindo altos responsáveis militares norte-americanos, consideram que as forças do Kremlin foram forçadas a sair da cidade, e promover uma retirada total que poderá prolongar-se por algum tempo.

Hoje, responsáveis oficiais ucranianos parecem ter suavizado o seu ceticismo. O chefe de estado-maior das Forças Armadas, general Valeriy Zaluzhny, disse que “o inimigo não teve outra opção que a de iniciar a fuga” e após Kiev ter reivindicado a destruição de sistemas de abastecimento e a desorganização do comando militar da Rússia nessa área.

Zaluzhny também assinalou que os recentes avanços ucranianos registados no último mês permitiram o controlo de 41 localidades na região de Kherson, que o Kremlin anexou em setembro através de um referendo considerado ilegal.

No entanto, reconheceu que a liderança militar ucraniana não pode confirmar ou desmentir que as forças russas estão de facto a retirar.

O conselheiro presidencial ucraniano Mykhailo Podolyak alertou entretanto que as forças russas colocaram minas em Kherson, dizendo que pretendem torná-la numa “cidade da morte”.

Alexander Khara, do ‘tink-thank’ Centro de Estratégias de Defesa com sede em Kiev, revelou à AP que permanecem receios sobre a possibilidade de as forças russas poderem destruir uma barragem da região e provocar uma inundação. O antigo diplomata ucraniano também admitiu a instalação de diversos tipos de armadilhas pelos russos, na sequência da sua retirada.

“Ficaria surpreendido se os russos não preparassem alguma coisa, algumas surpresas para a Ucrânia”, disse à agência noticiosa norte-americana.

Residentes referiram que Kherson estava hoje completamente deserta, e que podiam ser escutadas explosões ocasionais junto à zona perto da ponte Antonivskyi, um ponto de passagem crucial no rio Dniepre e alvo de repetidos bombardeamentos ucranianos.

As bandeiras russas foram retiradas de edifícios administrativos e não existiam sinais de funcionários e militares russos que estavam instalados em diversos apartamentos, disse ainda.

O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, e o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, foram cautelosos nas duas declarações. Sunak contactou hoje com o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e o seu gabinete referiu que ambos concordaram “na necessidade em manter prudência até que a bandeira ucraniana seja hasteada na cidade”.

No entanto, o chefe das Forças Armadas norte-americana, general Mark Milley, disse na quarta-feira acreditar que estava a ser processada uma retirada, mas que a Rússia concentrou entre 20.000 a 30.000 tropas em Kherson e que uma retirada total poderá prolongar-se por várias semanas.

Outro analista citado pela AP sublinhou que o exército ucraniano tem destruído sistematicamente e desde há vários meses pontes e estradas, tornado quase impossível a transferência das tropas russas da margem direita para a margem esquerda do rio.

“A grande questão é saber se os ucranianos vão fornecer aos russos a oportunidade para uma retirada tranquila, ou alvejá-los durante a travessia para a margem esquerda”, indicou o analista militar ucraniano Oleh Zhdanov.

“O pessoal militar pode ser transportado em b arcos, mas o equipamento necessita de ser transportado através de barcaças e pontões, podendo ser facilmente atingidos pelo exército ucraniano”.

A Rússia desencadeou uma ofensiva militar a 24 de fevereiro na Ucrânia que foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que tem respondido com envio de armamento para a Ucrânia e imposição à Rússia de sanções políticas e económicas.

A ofensiva militar causou já a fuga de mais de 13 milhões de pessoas — mais de seis milhões de deslocados internos e mais de 7,8 milhões para países europeus –, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).