O Parlamento Europeu quer que os cidadãos participem mais nas decisões sobre a União Europeia (UE) e na segunda-feira vai apresentar um relatório sobre a Iniciativa de Cidadania Europeia, criada em 2007, durante uma presidência portuguesa do Conselho da UE, e posta em prática cinco anos depois.
Desde então foram apresentadas 104 propostas, registadas 81 e aceites seis (ver caixa). Não é o processo mais simples do mundo, mas deverá ficar mais fácil e pode mudar a vida de 27 países em algumas áreas.
A Iniciativa de Cidadania Europeia (ICE) pode ser apresentada por qualquer cidadão da UE com idade mínima para votar, desde que em áreas sobre as quais Bruxelas tenha competência, como é o caso do ambiente, segurança, direitos do consumidor, agricultura, energia, cultura ou transportes, entre outras. Para ser aceite pela Comissão Europeia, tem de reunir 1 milhão de assinaturas e estar representada por, pelo menos, sete Estados-membros.
Embora o mecanismo já tenha sido utilizado com êxito seis vezes, o que significa que a União Europeia adotou ou se comprometeu a adotar as práticas propostas pelos cidadãos, a Iniciativa de Cidadania Europeia tem vindo a ser revista ao longo do tempo e desde 2015 que, de três em três anos, a Comissão tem de apresentar um relatório sobre a sua aplicação.
O relatório de 2021 será apresentado no Parlamento Europeu na segunda-feira, pelo eurodeputado alemão Helmut Scholz. As conclusões mostram que a ICE é uma das principais ferramentas para promover a democracia participativa a nível da UE, mas deve ser reforçada, o que também está previsto na Conferência sobre o Futuro da Europa, uma série de debates promovidos pelos cidadãos para partilhar ideias e ajudar a definir o futuro comum.
Recorde-se que, quando assumiu a presidência da Comissão Europeia, em 2019, Ursula von der Leyen assumiu o compromisso de dar mais voz aos europeus: "As pessoas têm de estar no centro de todas as nossas políticas. Por isso, desejo que todos os europeus [...] desempenhem um papel de liderança na definição das prioridade da União Europeia. Apenas em conjunto conseguiremos construir a nossa União de amanhã".
Também o Tratado da União Europeia estabelece que todos os cidadãos têm o direito de participar na vida democrática da União e que as decisões devem ser tomadas tão abertamente e tão perto dos cidadãos quanto possível.
Apesar disso, e de acordo com o relatório que agora será discutido, "embora o objetivo seja melhorar continuamente a forma como a democracia funciona na UE, vários inquéritos do Eurobarómetro mostram que os cidadãos não estão satisfeitos com a forma como a democracia funciona" e "uma parte considerável dos cidadãos da UE não se sente ouvida e considera a UE uma entidade distante".
Em 2019, o Tribunal de Contas Europeu já tinha recomendado que a Comissão melhorasse a forma como chega aos cidadãos, a fim de promover uma maior participação.
A maioria das formas de participação raramente é utilizada por cidadãos individuais, que, em grande medida, desconhecem os instrumentos de participação existentes e, por isso, "contribuem de forma insuficiente para reforçar a legitimidade democrática".
Agora, o Parlamento Europeu quer "aumentar o sentimento de apropriação dos cidadãos em relação a uma UE que reflita as suas necessidades e visões".
Tendo isto em conta, bem como aquilo "que a OCDE define como governo aberto", "uma cultura de governança baseada em políticas e práticas públicas inovadoras e sustentáveis inspiradas nos princípios da transparência, responsabilidade e participação que fomentam a democracia e o crescimento inclusivo" e "considerando que houve seis ICE bem-sucedidas até à data", o Parlamento quer dar mais força à Iniciativa de Cidadania Europeia.
As ICE apresentadas até hoje contemplam os mais diversos temas, da criação de coberturas ajardinadas à igualdade de direitos, passando pelo fim dos combustíveis fósseis ou o intercâmbio de funcionários públicos.
As duas últimas foram registadas na semana passada, dia 30 de junho: a "European EcoScore", que pede à Comissão para propor um rótulo/etiqueta padrão obrigatório com informação ao consumidor sobre o impacto ambiental dos produtos fabricados ou vendidos na UE, a começar pelas roupas e alimentos; e a "Save cruelty-free cosmetics", que tem como objetivo criar legislação que reforce e amplie as proibições já existentes aos testes em animais para o fabrico de cosméticos, bem como estabelecer metas para eliminar gradualmente todos os testes em animais antes de 31 de outubro de 2024, data em que a atual Comissão termina o seu mandato.
O Parlamento Europeu destaca a importância da ICE como único instrumento participativo a nível da União Europeia com capacidade para potencialmente desencadear legislação. No entanto, avaliações independentes concluem que o seu impacto jurídico e político foi mínimo.
Por este motivo, o PE quer que a Comissão cumpra melhor o seu papel, quer "na obrigação legal de apresentar razões suficientes" para dar ou não seguimento a uma iniciativa, quer no acompanhamento das ICE bem-sucedidas.
Ao mesmo tempo, pede a intervenção do Provedor de Justiça Europeu, cuja função é melhorar a proteção dos cidadãos em casos de má administração a nível da UE e contribuir para a melhoria da transparência e da responsabilidade democrática na tomada de decisões.
Neste momento, há 12 ICE em processo de recolha de assinaturas e às quais qualquer cidadão com idade para votar poderá juntar-se. Isso, ou criar a sua própria iniciativa: para as assinaturas recolhidas em Portugal, no mínimo 16.500, a autoridade competente é a Conservatória dos Registos Centrais – Instituto dos Registos e do Notariado. Na plataforma indicada poderá obter informações e conselhos práticos sobre a Iniciativa de Cidadania Europeia e debater qualquer tema relacionado com a mesma.
Até hoje não foi registada qualquer Iniciativa de Cidadania Europeia liderada por Portugal, embora diversos portugueses tenham contribuído com a sua assinatura para inúmeras ICE. A Bélgica, Alemanha, França, Roménia e Países Baixos são os Estados-membros que mais recorrem a este instrumento.
No relatório em causa, o grupo de trabalho sublinha que "existe uma tensão subjacente entre a visão de uma UE centrada nos Estados-membros e uma UE centrada nas instituições da UE, que pode ser superada desenvolvendo uma abordagem e instrumentos para uma União Europeia dos cidadãos", a fim de a tornar "mais social, equitativa, coesa, unida, centrada, capaz, soberana e responsável".
Para isso, e porque "os instrumentos participativos existentes apresentam várias deficiências", esses mecanismos "devem ser melhorados e desenvolvidos novos", que respondam às expectativas dos cidadãos.
De acordo com o relatório, "é importante promover o intercâmbio entre cidadãos de diferentes países a nível europeu, nacional, regional e local, em particular através de redes de cidades e regiões, facilitando o diálogo inter-regional", pelo que incita a Comissão "a garantir financiamento suficiente para esse efeito através da vertente 'Compromisso e participação dos cidadãos', do programa Cidadania, Igualdade, Direitos e Valores".
Entre outras medidas, o Parlamento apela ao "envolvimento genuíno dos jovens e das organizações juvenis no planeamento, implementação e avaliação de eventos e programas" e salienta "a necessidade de colaborar com as instituições de ensino e associação de educação cívica para garantir que a cidadania europeia ativa se torne parte do currículo em toda a União Europeia".
Uma das ideias sugeridas é o lançamento de um concurso anual de Olimpíadas da União Europeia sobre o funcionamento e a história da UE para os jovens no ensino secundário, formação profissional e outras estruturas educativas, a fim de aumentar o interesse, a participação e o debate sobre os assuntos da UE.
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