Naquela tarde de sábado, 17 de junho, um dia “muito quente” que se viria a revelar o mais fatídico de que há memória em incêndios florestais em Portugal, ao soar do alerta Sérgio Lourenço antecipava “mais um incêndio, igual aos outros todos” e saiu do quartel, ao volante da carrinha ‘pick up’ de comando dos bombeiros, para colocar os “poucos meios” existentes na altura no terreno para fazerem face às chamas.
“Só que depois o incêndio não foi igual, atingiu dimensões gigantescas, nunca vistas”, lembra o bombeiro.
Já depois de ter recolhido na viatura um madeireiro que conhece bem a região, deparou-se, no meio das chamas, entre as povoações de Troviscais e Mosteiro, com um acidente de viação, uma viatura destruída pelo fogo e um ferido, queimado com gravidade, a pedir socorro na beira da estrada.
Sem sair da carrinha devido às altas temperaturas, Sérgio abriu a porta e o homem entrou, sendo de imediato reconhecido pelo passageiro que o acompanhava como um dos funcionários da empresa familiar de madeiras detida pela filha. Mais à frente, a tentar fugir em direção a Mosteiro, estavam outros dois homens, José Carlos Santos, genro do madeireiro, e um cunhado deste, que naquele dia o tinha ido ajudar a cortar madeira.
A carrinha dos bombeiros conseguiu chegar à aldeia de Mosteiro, onde os esperava uma ambulância que deveria ajudar a transportar os feridos – todos com extensas queimaduras – mas também “30 a 50 pessoas” em pânico devido à violência do incêndio.
“A confusão era muita, tive de tentar por um pouco de calma e tentar tirar aquelas pessoas todas dali. Tivemos de fazer um comboio de viaturas e tirá-las de lá para a zona de Vila Facaia, que é mais acima [para oeste, em direção a Figueiró dos Vinhos], mas nunca pensando que o fogo ia lá chegar”, recorda Sérgio Lourenço.
O percurso, no meio do fumo e das chamas, num dia em que “anoiteceu de repente às seis da tarde”, não foi isento de contratempos: na povoação de Adega a ambulância “começou a arder” e os feridos tiveram de ser transferidos para uma viatura de transporte de doentes, que “por sorte” ali se encontrava.
Nesta altura, já Sérgio transportava oito pessoas, consigo nove, no carro de comando que tem lotação para cinco e que, 13 anos antes, quando entrou ao serviço da corporação de Pedrógão Grande, foi batizado como “Fugitivo”.
Face ao momento “muito complicado” que viveu, nomeadamente na povoação de Mosteiro, Sérgio Lourenço lembra que uma das pessoas que o acalmou “foi um bebé de sete meses”, filho de um casal que transportou para lugar seguro.
“Eu olhava para o bebé e ele nem chorava, estava com uma calma como estamos agora aqui. A confusão era imensa e esse bebé é que me transmitiu muita calma”, disse à agência Lusa o adjunto de comando.
Já depois do comboio de viaturas e dos três feridos terem conseguido chegar, em segurança, ao centro de saúde de Figueiró dos Vinhos, Sérgio Lourenço voltou à estrada, para desta vez, na zona da nacional 236-1 que liga a Castanheira de Pera, recolher mais pessoas, incluindo duas crianças e duas mulheres, estas últimas também queimadas com gravidade.
O salvamento dos cincos feridos acabaria por valer a Sérgio Lourenço, recentemente, a concessão de um louvor e a atribuição da medalha de mérito de proteção e socorro.
“Eles terem aparecido foi uma ajuda divina, porque se eles não aparecem nesta altura não estaria a dar este entrevista”, argumentou, por seu turno, José Carlos Santos, um dos feridos graves que Sérgio Lourenço transportou no carro do comando e genro do madeireiro que acompanhava o bombeiro.
José Carlos, Zeca como é conhecido, foi transportado para o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, onde esteve internado 52 dias, quase dois meses, os primeiros 26 em coma induzido, com ferimentos na face, mãos, braços e pernas e que se mantém em recuperação, fazendo fisioterapia três vezes por semana.
“Nesses 26 dias tive muitos pesadelos, são memórias que não se apagam. Não tive pesadelos com o fogo, mas tive outros que só me levavam à morte. Mas depois de acordar, ver a família e os amigos deu-me um ânimo extra para lutar para cá estar”, enfatizou.
No entanto, Zeca – que cumpre, por dia, três vezes por semana, mais de 100 km, ida e volta, a Coimbra, deslocando-se de táxi pago pela seguradora para cumprir o plano de fisioterapia – não esconde alguma mágoa por, no seu entender, os feridos do incêndio de Pedrógão Grande terem sido “abandonados”.
A crítica é dirigida em especial aos políticos que nunca o visitaram no hospital, ele que nos dois meses em Coimbra recebeu visitas “de presidentes de outras autarquias”, mas não da de Pedrógão Grande, e que nos seis meses que esteve na unidade de cuidados continuados da vila, situada “a 200 metros da Câmara” não viu nem vereadores “deste ou do outro mandato”, nem o Presidente da Câmara, o primeiro-ministro ou o Presidente da República, quando estes últimos se deslocaram ao concelho.
O apoio foi chegando de amigos e família “que dizem para se lutar” e, do que foi ouvindo – ele que esteve quase um mês em coma – sobre a solidariedade nacional após o incêndio, nomeadamente o apoio financeiro dos portugueses “que reuniram esses milhões todos” para ajudar Pedrógão Grande, aos feridos graves, a si, ao cunhado e ao empregado, “não chegou” qualquer apoio monetário, sustenta Zeca.
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