Segundo a acusação do Ministério Público, à qual a agência Lusa teve acesso hoje, o militar com mais acusações, Rúben Candeias, de 25 anos, é acusado de 11 crimes, sendo seis de ofensa à integridade física qualificada, quatro de abuso de poder e um de sequestro.
Os militares Nelson Lima, de 29 anos, Diogo Ribeiro, de 28, Nuno Andrade, de 32, são acusados de cinco crimes cada um, nomeadamente um de abuso de poder e quatro de ofensa à integridade física qualificada.
O militar João Miguel Lopes, de 30 anos, é acusado de três crimes, um de abuso de poder, um de ofensa à integridade física qualificada e um de sequestro.
Já os militares Carlos Figueiredo, de 31 anos, e Paulo Cunha, de 26, são acusados de dois crimes cada um, nomeadamente um de abuso de poder e um de ofensa à integridade física qualificada.
A maioria dos 33 crimes de que os militares são acusados, ou seja, 28, terão sido cometidos em coautoria material, tendo os restantes cinco sido alegadamente praticados em autoria material.
Na quinta-feira à noite, uma investigação CNN/TVI deu conta da acusação de sete elementos da GNR de um total de 33 crimes, por alegadamente humilharem e torturarem imigrantes em Odemira.
De acordo com a investigação da CNN/TVI, a Polícia Judiciária já havia recolhido os telemóveis a cinco militares do posto da GNR de Vila Nova de Milfontes, suspeitos de maus-tratos a imigrantes.
Em sete vídeos analisados é possível detetar cenas de violência, insultos racistas, tortura física e humilhação contra vários imigrantes.
Quatro casos sustentam processo
O processo de sequestro e agressão de imigrantes por militares da GNR envolve quatro casos ocorridos entre setembro de 2018 e março de 2019, no concelho de Odemira, no distrito de Beja, revela a acusação.
Segundo a acusação do Ministério Público (MP), à qual a agência Lusa teve acesso hoje, o primeiro terá ocorrido a 12 de setembro de 2018, no interior do Posto Territorial de Vila Nova de Milfontes da GNR.
No posto, cerca das 19:20, estava o arguido Rúben Candeias, “devidamente fardado”, sem estar escalado para serviço àquela hora e acompanhado de terceiros não identificados.
Rúben Candeias dirigiu-se a um cidadão oriundo da região do Indostão - que engloba a Índia, o Nepal e o Paquistão - , cuja identidade não foi possível apurar e que estava no posto por causa desconhecida e não reportada em expediente de serviço, e obrigou-o a dizer em português um pedido com palavrões.
Enquanto tal acontecia, Rúben e as terceiras pessoas davam gargalhadas e o cidadão estrangeiro “permanecia em atitude submissa”, segundo a acusação.
Assim que o cidadão estrangeiro pronunciou as palavras, Rúben, que filmou com o telemóvel os atos praticados, “desferiu-lhe uma forte bofetada na face” e, “não contente”, voltou a instá-lo a dizer outras frases em português, o que aquele fez, “em atitude submissa”.
O segundo caso terá ocorrido no dia 11 de novembro de 2018, quando, cerca das 02:15, os militares João Lopes, conhecido por “pernas”, e Rúben Candeias, “devidamente fardados e em comunhão de esforços e intentos”, em local não identificado, algemaram atrás das costas um cidadão não identificado, mas presumivelmente da mesma região.
O cidadão, algemado, a chorar e contra a sua vontade, foi colocado no banco de trás de um veículo da GNR adstrito ao serviço de patrulha do posto. Rúben foi sentado ao seu lado, a fazer escolta, enquanto João conduzia a viatura.
Durante a viagem, o cidadão estrangeiro chorou, tendo sido ofendido e ameaçado por Rúben, que lhe deu “um forte estalo” e diversos murros na cabeça.
Rúben encostou e esfregou repetidamente uma espingarda ‘shotgun’ ao rosto do imigrante, que estava dobrado sobre os joelhos, “a chorar e aterrorizado”, e foi mantido pelos arguidos no carro por período indeterminado, “mas sempre contra a sua vontade”.
A acusação adianta que a espingarda é propriedade do Estado e fica depositada no Posto Territorial de Vila Nova de Milfontes da GNR para ser usada unicamente em serviço, mas Rúben tinha-a consigo, usando-a para aquele fim.
Outro dos casos diz respeito a 13 de janeiro de 2019, envolvendo os arguidos Nelson Lima, Diogo Ribeiro, Rúben Candeias e Nuno Andrade que terão conduzido ao interior do Posto Territorial de Vila Nova de Milfontes “pelo menos três indivíduos cuja identidade não se conseguiu apurar”.
Segundo refere, no pátio interior do posto, as três vítimas terão sido colocadas “lado a lado” e ordenadas a que “se agachassem e que se remetessem ao silêncio”, sendo a seguir agredidos com reguadas nas mãos. Um dos arguidos, Nelson Lima, disparou mesmo gás pimenta na direção de um dos indivíduos agredidos.
Na acusação, é possível ler que os arguidos Nelson Lima, Diogo Ribeiro, Rúben Candeias e Nuno Andrade, em comunhão de esforços e intentos, ordenaram aos três imigrantes que se colocassem em prancha e agrediram-nos no corpo.
A procuradora do MP titular do processo, Elsa Maia Bértolo, afirma na acusação que, “durante todos estes atos, os arguidos riam-se e divertiam-se com a subjugação que impunham” às vítimas, “sem qualquer justificação e sem que um qualquer deles levasse a cabo qualquer ação para fazer cessar tais condutas”.
A quarta e última situação apurada, é referente a 17 de março de 2019 e envolve os arguidos Carlos Figueiredo, Rúben Candeias e Paulo Cunha.
Os militares terão colocado gás pimenta no tubo de plástico de um aparelho de medição de taxa de alcoolemia e, na rotunda de entrada em Vila Nova de Milfontes, mandaram parar um indivíduo, a quem ordenaram que usasse o equipamento, como se estivesse a ser alvo de uma fiscalização rodoviária.
A vítima inalou o gás pimenta, enquanto era alvo de palavrões ditos pelos militares, e “sentiu-se mal e pediu socorro”, o que “lhe foi negado pelos arguidos”, diz a acusação.
Ministério Público diz que militares da GNR agiram com “ódio” pelas nacionalidades das vítimas
O Ministério Público (MP) considera que todos os militares envolvidos num processo de sequestro e agressão de imigrantes no concelho de Odemira agiram por “caprichos torpes”, com “desprezo” e “em manifesto ódio” pelas nacionalidades das vítimas.
Na acusação, à qual a agência Lusa teve hoje acesso, o MP refere que os sete militares arguidos, “em cada um dos atos que cada um praticou, agiram em manifesto ódio” pelas vítimas.
Um ódio “claramente dirigido” às suas nacionalidades da região do Indostão e “apenas por tal facto, e por saberem que, por tal circunstância, eram alvos fáceis”.
Segundo o MP, todos os arguidos agiram, “em cada um dos atos que praticaram ou contribuíram para que fosse praticado, em evidente prejuízo” das vítimas, “subjugando-os às condutas que por caprichos torpes lhes impuseram”.
“Todos os arguidos agiram com satisfação e desprezo” pelas vítimas que “subjugaram”, obrigando-as “a suportar” os seus comportamentos, "atenta a qualidade" de autoridade policial que ostentavam, "não havendo um que tivesse tomado uma qualquer medida para terminar com tais condutas”.
Indica ainda que os arguidos sabiam que ao agirem sobre as vítimas, da forma como fizeram, ou seja, ao serviço do Estado, na qualidade de funcionários, fardados e, nalguns casos, no Posto de Vila Nova de Milfontes da GNR, “faziam-no em manifesto uso excessivo do poder de autoridade que o cargo de militar lhes confere e que exerciam e deviam respeitar e honrar”.
Segundo refere, os sete militares também agiram “em manifesto aproveitamento da situação precária, frágil e desprotegida” das vítimas, “aproveitando-se da pouca ou nenhuma capacidade” para se defenderem.
E, “muito provavelmente, até por estarem ilegais em território nacional, o que sabiam facilitar a execução e consumação das suas condutas reprováveis, violando frontalmente os deveres que lhes incumbiam na proteção e respeito pela população”.
Ao atuarem como atuaram, refere o MP, os arguidos “visaram e conseguiram, em conjugação de esforços e intentos, por ação e omissão, atingir o corpo e a dignidade das vítimas”.
E causaram-lhes “as consequentes dores, sofrimento e humilhação apenas” pelo facto de terem nacionalidades da região do Indostão e “de se encontrarem numa situação fragilizada perante os arguidos”.
“Cada um dos arguidos, em cada um dos atos que praticou, atuou sempre de forma livre e deliberada, consciente que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal”, remata o MP.
[Notícia atualizada às 15:20]
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