"Há na Turquia um governo e um presidente eleito pelo povo, e se Deus quiser, vamos superar este desafio", disse Erdogan ao convocar os "milhões" de turcos a ocupar as ruas para defender a nação. "Os que vieram nos tanques serão capturados porque estes tanques não lhes pertencem", afirmou o presidente durante a conferência de imprensa concedida no aeroporto de Istambul, onde foi recebido por uma multidão que agitava bandeiras turcas.

O ministro do Interior, Efkan Ala, decretou a destituição de cinco generais e de 29 coronéis, de acordo com a agência oficial Anatólia. As tropas leais ao governo conseguiram resgatar o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, general Halusi Akar, que tinha sido capturado por militares golpistas na sexta-feira. O general Akar foi resgatado da base aérea de Akincilar, no noroeste de Ancara, e levado para um local seguro, segundo a CNN-Turk.

O primeiro-ministro turco, Binali Yildirim, anunciou, já esta manhã, a nomeação do general Ümit Dündar como comandante interino do Estado-Maior das Forças Armadas, para o lugar do general Akar. O general Dündar, comandante do Primeiro Exército, baseado em Istambul, recebeu o mais elevado posto militar da Turquia no momento em que o governo ainda ignorava o paradeiro do general Akar.

Durante a manhã, caças-bombardeiros F-16 atacaram tanques dos rebeldes em torno do Palácio Presidencial em Ancara. Os canais de televisão turcos mostraram uma coluna de fumo que se avistava no bairro de Bestepe, uma zona da capital que abriga o grande complexo onde reside Erdogan. Em Istambul, onde está Erdogan, um grupo de 60 militares rebeldes que ocupava uma ponte sobre o Bósforo rendeu-se às forças leais ao governo, segundo as redes de TV.

Na noite de sexta-feira, os militares golpistas ocuparam duas pontes sobre o Bósforo, as pontes que literalmente unem a Europa à Ásia. Tiroteios persistiam ainda neste sábado em vários bairros de Ancara, após uma noite confusa marcada por explosões atribuídas a bombardeios aéreos.

Na entrevista no aeroporto de Istambul, Erdogan revelou também que o hotel onde estava de férias, em Marmaris, um estância balnear do sudoeste da Turquia, foi bombardeado após a sua partida. O primeiro-ministro Yildirim ordenou às forças armadas que abatam os aviões e helicópteros que estão em poder dos "golpistas", informou um funcionário, acrescentando que "os aviões de combate descolaram da base de Eskisehir", no oeste da Turquia, para enfrentar os aviões rebeldes.

"Esta iniciativa idiota fracassou"

A agência oficial Anatólia revelou que o Parlamento em Ancara foi bombardeado na madrugada de sábado, e o correspondente da AFP na capital turca ouviu uma violenta explosão e rajadas de metralhadora na mesma região. Militares rebelados também ocuparam, na manhã de sábado, a sede do grupo de media Dogan em Istambul, segundo o canal de notícias CNN-Türk. Yildirim afirmou que "esta iniciativa idiota fracassou" e a situação "está amplamente sob controle".

As declarações do primeiro-ministro seguiram-se a um comunicado dos serviços de Inteligência turcos sobre o "regresso à normalidade".

Durante a noite de sexta-feita, os militares golpistas abriram fogo em Istambul sobre a multidão, em meio de um protesto contra a tentativa de golpe, e vários civis feridos foram socorridos por ambulâncias. Na capital Ancara, dezessete polícias foram mortos em um confronto envolvendo os militares golpistas, também segundo a Anatólia, sem dar detalhes.

Ainda na capital turca, um caça F-16 da Força Aérea derrubou um helicóptero Sikorsky das forças "golpistas", informou uma fonte ligada à presidência.

Também na noite de sexta-feira, vários tanques do exército cercaram o Parlamento em Ancara e o aeroporto internacional Ataturk, em Istambul. Violentas explosões foram ouvidas na capital, acompanhadas de troca de tiros no centro da cidade, enquanto aviões sobrevoavam a metrópole sem parar, a baixa altitude.

Momentos depois, Erdogan apareceu na TV com o rosto pálido e visivelmente preocupado, para denunciar "a sublevação de uma minoria do Exército", e exortou os turcos a "ocupar as praças públicas e aeroportos" para resistir à tentativa de golpe.

Do outro lado, os militares revoltosos emitiram um comunicado, lido no canal de televisão NTV, em que afirmavam que "o poder no país foi tomado na sua integralidade". A mesma informação constava do site do Estado-Maior do Exército. "Não permitiremos que a ordem pública seja alterada na Turquia (...). Foi imposto o toque de recolher até nova ordem", segundo este comunicado assinado pelo "Conselho da Paz no país". Segundo os militares, a tomada do poder tem por objetivo "garantir e restaurar a ordem constitucional, a democracia, os direitos humanos, as liberdades e a prevalência da lei suprema" em todo território turco. "Todos os nossos acordos e compromissos internacionais continuam vigentes. Esperamos que as nossas boas relações com os demais países continuem ", assinala o comunicado militar.

Traição, disse Erdogan

Ao chegar a Istambul, na manhã de sábado, Erdogan acusou de "traição" o imã radicado nos Estados Unidos Fethullah Gulen, por promover o golpe militar. Gulen reagiu condenando "nos mais firmes termos" o movimento de grupos do Exército para tomar o poder. "Como alguém que sofreu múltiplos golpes militares durante as últimas cinco décadas, é especialmente insultante ser acusado de ter alguma relação com esta tentativa. Nego categoricamente tais acusações". "O governo deve ser conquistado mediante um processo de eleições livres e justas, e não pela força. Rogo a Deus pela Turquia, pelos cidadãos turcos, por todos no país e para que esta situação se resolva pacífica e rapidamente".

Gulen, de 75 anos, foi no passado um estreito aliado de Erdogan, e vive atualmente num povoado nas montanhas de Pocono, Pensilvânia. As Forças Armadas turcas, as mais numerosas da NATO depois dos Estados Unidos, têm um longo histórico de ingerência política e protagonizaram três golpes de Estado, em 1960, 1971 e 1980, além de forçar um governo de inspiração islâmica a deixar o poder, em 1997. Na maioria dos casos, os golpes foram liderados pela cúpula militar, mas o movimento iniciado nesta sexta-feira não contou com o apoio das maiores patentes das Forças Armadas. Os principais comandantes militares - habitualmente discretos e reservados - alternaram a sua presença nas redes de televisão para denunciar o "ato ilegal" e pedir o retorno de seus companheiros aos quartéis.