Num discurso aberto à comunicação social na abertura da Comissão Política Nacional do PS , o primeiro-ministro e secretário-geral dos socialistas colocou as cartas em cima da mesa: o pior do vírus já parece ter passado, mas falta enfrentar a crise social e económica que dele resultou, e, para combatê-la, vai ser necessária a ajuda de todos.
Para tal, foi pensada uma proposta de programa de estabilização económica e social, assente em quatro pilares: investimento, apoio às empresas, apoio ao emprego e apoio em várias dimensões sociais. Este plano, formulado pelo Governo, vai ser apresentado aos partidos com representação parlamentar e aos parceiros sociais no início da próxima semana, tidos como essenciais no que vai ser a resposta à crise.
"Da mesma forma como enfrentámos a pandemia de covid-19, temos de enfrentar esta crise económica e social, o que implica que devemos fazer um esforço para procurar manter o nível de consenso político e social. A democracia não foi suspensa [com o estado de emergência] e a democracia não vai ser suspensa", apontou António Costa.
O líder socialista fez mesmo questão de referir-se às sondagens, que "apontam para um PS muito forte", mas para deixar o seguinte recado aos dirigentes socialistas: "Temos de ter a humildade de compreender bem que, por muita força que o PS possua, precisamos de todos os portugueses, de todos os parceiros sociais e dos diferentes partidos na Assembleia da República para prosseguir este caminho muito exigente que vamos ter pela frente nos próximos anos".
"É com esse espírito de diálogo e de abertura que devemos procurar prosseguir a governação do nosso país. Soubemos unir-nos contra o vírus e temos de nos saber unir agora contra a crise económica, contra o desemprego e contra o empobrecimento", reforçou.
De acordo com o primeiro-ministro, é com esse espírito de abertura que, no início da próxima semana, vai ouvir os partidos com representação parlamentar e os parceiros sociais.
"Todos os partidos têm apresentado as suas propostas, umas melhores, outras piores, umas possíveis, outras nem tanto. Vamos também ouvir os parceiros sociais, que são essenciais para esse processo de estabilização económica e social do país. Queremos desenhar um programa de estabilização económica e social que terá tradução no Orçamento Suplementar a apresentar em junho na Assembleia da República", acrescentou.
O plano
A situação que Portugal vive, admitiu Costa, é "injusta". "O país tinha feito um esforço extraordinário para recuperar da anterior crise económica e financeira", adiantou o primeiro-ministro, citando o "forte crescimento" económico atingido em janeiro e fevereiro deste ano, o excedente orçamental obtido em 2019, a obtenção dos níveis de desemprego nos 6,4% ou eminência de estar a convergir com a UE. No entanto, "em 15 dias, de repente, tudo mudou".
"O desemprego está a hoje a subir fortemente, o crescimento económico colapsou e aquilo que era o processo de convergência com a UE ficou interrompido. A vida é assim, ninguém o esperava, mas é nestes momentos que temos de manter a cabeça fria, os nervos de aço e muita determinação para enfrentar o que temos para enfrentar", disse Costa. E aí entra o plano do Governo.
Consistindo em quatro pilares, o primeiro deste programa é "um de natureza mais institucional", consistindo numa "espécie de Simplex SOS", começou por dizer o primeiro-ministro. Este vai procurar "agilizar" os procedimentos necessários para que, "seja o Estado, as autarquias ou as empresas", possam "investir com segurança e transparência mas sem burocracia".
O segundo pilar, continuou António Costa, centrar-se-á "nas empresas, na sua manutenção e recuperação", especialmente "nas milhares de micro, pequenas e médias empresas que têm sido das mais atingidas por esta crise, em setores como a cultura, o comércio ou a restauração e que têm de ter uma resposta forte". Sem especificar que medidas serão implementadas, o primeiro-ministro alertou para a necessidade de que "estas empresas estejam vivas, para quando houver condições para o relançamento e recuperação da nossa economia, podermos contar com elas". "Não há rendimento sem emprego, não há emprego sem empresas e se queremos protegê-los, temos de apoiar as empresas neste momento decisivo da nossa economia", defendeu.
Em estrita relação com este pilar está o terceiro, o do "emprego", com o chefe do Governo não só a defender a manutenção "das medidas de apoio ao emprego que têm sido criadas", como também a "reinvenção desses mecanismos de apoio ao emprego". Costa mencionou especificamente a urgência de apoiar as "jovens gerações, que foram atingidas pela segunda vez praticamente numa década por duas crises brutais", sendo "as primeiras vítimas de um mercado de trabalho que se foi desregulando" através de "mecanismos de trabalho temporário e informal que colocam milhares de pessoas com um nível de proteção social extremamente frágil" em momentos de crise como este.
A resposta a estes desafios, adiantou Costa, deverá passar por medidas de formação "orientadas para a sociedade digital" e também para responder às necessidades futuras de uma União Europeia "que finalmente percebeu que não se pode dar ao luxo de não fazer o esforço de relocalização para si mesma de muitas atividades que deslocalizou para outras regiões do mundo".
O quarto e último pilar passa pela "dimensão social desta crise", apontando o primeiro-ministro a necessidade de "prosseguir o reforço do SNS e da escola pública". Quanto a este segundo ponto, Costa lembrou que, "como bem se viu nesta crise, quando a escola pública fecha, as desigualdades existentes emergem com grande evidência, desde logo em algo tão simples como saber quem tem ou não acesso ao ensino à distância por via digital". Por isso mesmo, o chefe de Governo reforçou a necessidade de "assegurar a universalidade do acesso ao ensino à distância a todas as crianças, onde quer que vivam e seja qual for a sua família".
O primeiro-ministro, continuando a referir-se ao quarto pilar de atuação, frisou ainda a necessidade de não só "lançar um programa e uma estratégia nacional de combate à pobreza", como também "adotar as medidas de proteção de rendimentos em geral", com este ponto a tocar também à "classe média e a todas as pessoas que, tendo vencimento claramente acima do salário mínimo nacional, de repente perderam um terço do seu rendimento". "Temos de garantir a proteção social a todos, porque não podemos deixar ninguém para trás nesta crise, tal como ninguém ficou para trás quando foi necessário dizer “presente” para combater o covid", concluiu.
Para além dos pilares de atuação, Costa deixou ainda alguns apontamentos quanto à realização de "pequenas grandes obras" que "são absolutamente urgente e essenciais". Por exemplo, aproveitando o encerramento das escolas, o primeiro-ministro disse que "é agora ou nunca que temos de erradicar o amianto, numa grande operação". Outra medida a implementar passa por "avançar nas faixas de interrupção de combustível", sendo isso "fundamental para controlar a ameaça dos incêndios florestais".
"Em todos os momentos de exceção, os portugueses provam que são excecionais"
O início do discurso de António Costa foi marcado pelo tom elogioso que tomou, não só à atuação dos cidadãos portugueses, como também às instituições políticas e partidárias.
"Quando foi diagnosticado o primeiro caso, no dia 2 de março, a grande angústia para muitos era saber se teríamos de viver em Portugal como se viveu noutros países, em situações tão dramáticas, como ter de escolher a máquina ou ventilador que se desligava. E a verdade é que nunca tivemos de viver essa situação", começou por dizer.
Pelo contrário, o país, continuou o primeiro-ministro, foi capaz "de viver este estado de emergência sem suspender a nossa vida democrática", falando não só de uma "exemplar de concertação entre todos os órgãos de soberania", como também elogiando o papel dos "partidos da oposição, não se demitindo das suas funções de criticarem ou fazerem as suas sugestões ao Governo, de tomarem a iniciativa de propositura, mas também sem nunca porem em causa a unidade nacional que era imprescindível para enfrentarmos esta crise".
Deixando uma palavra de agradecimento aos profissionais de saúde, aos militares das Forças Armadas, aos profissionais das forças de segurança e a "tantos e tantos servidores públicos que estiveram e têm estado na primeira linha deste combate", o primeiro-ministro deixou também palavras aos povo português.
"Às vezes não acreditamos suficientemente nas nossas capacidades, achamos que somos desorganizados, desleixados, mas a verdade é que em todos os momentos de exceção, os portugueses provam que são excepcionais. A nossa dificuldade é tornar essa excecionalidade a normalidade da vida no país", disse António Costa.
Como exemplos referiu a forma "absolutamente exemplar como foi possível todos se mobilizarem para prescindirem da sua mobilidade de circular, de se encontrar, da liberdade de estar com as suas famílias", sendo apenas "possível com uma notável disciplina da parte de todos, sem que tenha sido necessário que as Forças Armadas tivessem outra missão que não o apoio logístico ou que as forças de segurança não precisassem de ter mais do que uma função pedagógica e de apoio aos que mais necessitavam".
"Sem o esforço dos portugueses, nada disto seria possível, e acho que nunca será demais devermos congratularmos por fazermos parte de um povo que demonstrou ter estas qualidades e capacidades", disse ainda o primeiro-ministro.
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