Relatora do Parlamento Europeu e negociadora com o Conselho e a Comissão do Pilar Social, a antiga ministra do Emprego e atual presidente da Fundação Europeia de Estudos Progressivos aponta, em entrevista à Lusa, o enquadramento do salário mínimo como “um aspeto fundamental” do plano de ação que a presidência portuguesa do Conselho da UE quer ver aprovado no Conselho Europeu informal associado à Cimeira Social do Porto.
“Ainda agora vimos, num estudo recente, que, em Portugal, auferir o salário mínimo em certas condições não chega para retirar uma pessoa da pobreza”, aponta, referindo-se ao estudo promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos que revela que um quinto da população portuguesa é pobre, apesar de a maior parte trabalhar, na maioria com vínculos laborais sem termo.
“Portanto, para certos países, como o nosso, uma subida gradual sustentada do salário mínimo é outro aspeto chave no combate à pobreza”, frisa.
Um dos pontos do plano de ação do Pilar Social Europeu é uma diretiva para um enquadramento do salário mínimo na UE, que visa definir indicadores, critérios e objetivos que assegurem uma qualidade de vida decente aos trabalhadores, compatível com o padrão de vida do país onde exercem a atividade.
“Essa é uma das grandes metas, porque de facto o que está em causa é criar um movimento de convergência dos salários em função também da convergência da produtividade”, aponta.
“Nós não estamos aqui a pedir nada irrealista de aumentos de salários que não são sustentados pela produtividade em cada país. Não é disso que se está a falar. Logicamente, o salário mínimo em países com menos produtividade tem de ser mais baixo do que o salário mínimo em países altamente produtivos”, clarifica.
A diretiva sobre o salário mínimo enfrenta a oposição de vários Estados-membros, desde logo os nórdicos, onde ele é estipulado pela negociação coletiva.
“Acho que é magnífico, se houver capacidade de os parceiros sociais acordarem sobre isso de forma regular, isso é o modelo ideal. Só que, não tenhamos ilusões, isso em muitos países não funciona, nem pode funcionar, porque o diálogo social não tem essa força nem tem essa capacidade de organização”, adverte Maria João Rodrigues.
Por isso, frisa, “uma política pública de estabelecimento do salário mínimo é mesmo necessária” e, porque “tem de ser coordenada”, “há também que convencer os países que resistem”.
“Há aqui uma alteração de fundo que tem de ser conseguida”, sublinha, apontando “aspetos mais de conjunto” a salientar, desde logo “o fenómeno da pobreza infantil”.
“Se há forma de pobreza que tem de ser verdadeiramente erradicada como prioridade é a pobreza infantil, porque uma criança pobre tem um ‘handicap’ para o resto da vida”, sublinha.
Segundo Maria João Rodrigues, a experiência mostra que a forma de se combater a pobreza infantil “exige uma ação integrada”, “que tem a ver com o salário dos pais, as condições de habitação, o acesso à educação, o acesso à alimentação, o acesso ao exercício físico, à cultura, aos cuidados de saúde”.
“As nossas crianças têm de ser tratadas em primeira linha com todos estes cuidados, porque senão nós, Portugal, que temos um fenómeno enraizado sistémico de pobreza, não conseguimos de facto ir ao fundo do problema, e começar pelas crianças é fundamental”, afirma.
Sobre a meta estabelecida no plano de ação — ter 78% da população da UE empregada em 2030, pelo menos 60% dos adultos a participar anualmente em ações de formação e reduzir o número de pessoas em risco de exclusão social ou de pobreza em pelo menos 15 milhões de pessoas — Maria João Rodrigues considera-a “realista”, em matéria de emprego, e “muito ambiciosa”, em matéria de formação.
No caso do emprego, em que se aspira a 78% da população empregada em 2030, quando em 2020 essa taxa era de 74%, Maria João Rodrigues frisa que é “uma meta adequada”, “suficientemente ambiciosa, mas também realista”.
“Porque nós vamos jogar com fatores contraditórios: fatores de oportunidade, mas também fatores de risco”, explica, apontando que na transição verde vai haver “supressão de emprego nos setores que não estejam alinhados com os padrões de descarbonização”, e vai ser necessário “oferecer alternativas às pessoas”, e, na transição digital, também pode haver supressão de empregos.
Mas, frisa, “a Europa está comprometida com um plano de expansão, apoiado pelo orçamento comunitário”, o qual deve também “ser apoiado pelos orçamentos nacionais”, para o que, frisa, é “necessário atualizar e que chama o Pacto de Estabilidade e Crescimento”.
“Nós não podemos ter o mesmo quadro. Nós precisamos de orçamentos equilibrados, sem dúvida, mas não podemos ter o mesmo quadro de disciplina orçamental que foi concebido nos anos 1990, a realidade hoje é completamente diferente”, afirma.
“A Europa não pode apertar o cinto nesta altura”, sublinha.
Em matéria de formação, Maria João Rodrigues admite que a meta “é de facto uma grande ambição” e “vai ser o grande teste ao Pilar Europeu”.
“Estamos muito longe dessa meta de 60% dos trabalhadores empregados a recorrerem a serviços de formação contínua. Diria, talvez, [que] é das metas mais emblemáticas do Pilar Social Europeu, porque se parte do princípio de que, como todos nós vamos ter vários empregos ao longo da vida, temos de passar a interiorizar que isto da formação contínua é um direito, mas é quase um dever para todos”, aponta, ressalvando que “para um país com Portugal, isso é um enorme desafio”.
Por: Maria de Deus Rodrigues da agência Lusa
Comentários