Questionado pelos deputados na comissão de inquérito ao furto de Tancos, Manuel Estalagem afirmou que foi “completamente surpreendido com um telefonema [do major Vasco Brazão, arguido] às três da manhã” na madrugada do dia em que o material militar furtado quatro meses antes viria a ser “descoberto” na Chamusca.
“Não sabia o que ia acontecer e quando ia acontecer”, disse o coronel, dando a entender que, a ter havido um conluio entre outros investigadores da Polícia Judiciária Militar (PJM) para encenar a recuperação do material furtado, ele não foi informado para que não pudesse avisar a Polícia Judiciária.
“Era a minha obrigação informar a Polícia Judiciária, e todos me conheciam, eles sabiam a minha moral e a minha maneira de estar”, justificou.
Segundo Manuel Estalagem, o major Vasco Brazão telefonou-lhe às três da manhã a informar que tinha tido uma informação de que havia uma caixa de granadas “à vista num baldio na Chamusca”.
Como estava de piquete, foi o major Vasco Brazão a “dar sequência” ao “protocolo” e que sugeriu que o major Pinto da Costa, “que andava ali na zona” noutras investigações, “fosse lá confirmar”.
Manuel Estalagem contou que telefonou ao major Pinto da Costa, por sugestão de Vasco Brazão, por uma questão que enquadrou nas regras da hierarquia militar: “um major mais moderno [Vasco Brazão] não pode dar ordens a um major mais antigo [Pinto da Costa].
Contudo, acrescentou, percebeu que os dois majores já tinham “falado entre eles”. Para mais, quando telefonou mais tarde a Vasco Brazão, o coronel Estalagem percebeu que o major Vasco Brazão já estava a caminho da Chamusca e levava consigo o diretor da PJM, coronel Luís Vieira.
“Faço dois ou três telefonemas, sou posto à margem. É-me dito que apareceu uma caixa e não me dizem mais nada. Nesta noite eu fui posto à parte”, declarou.
O coronel Estalagem acrescentou que ficou com a sensação de que o major Brazão não lhe contava tudo e acusou-o de ter “exacerbado as suas funções”.
De acordo com o testemunho do coronel, Vasco Brazão terá avisado o diretor da PJM, que decidiu ir com o major à Chamusca na noite do aparecimento do material.
“Eu disse-lhe [a Vasco Brazão], nós vamos ter de falar a sério sobre isto. Exacerbou as suas funções. Se alguém tinha de avisar o diretor geral era eu”, disse o coronel Estalagem, acrescentando que “isto nunca tinha acontecido”.
Manuel Estalagem deu ainda conta que o major Vasco Brazão foi para o local acompanhado do diretor da PJM e que uma equipa do laboratório militar foi lá ter. O ex-diretor da Unidade de Investigação Criminal (UIC) da PJM relatou ainda que telefonou duas vezes a Luís Vieira naquela noite e, da segunda vez, Luís Vieira ter-lhe-á dito para não lhe telefonar mais.
O coronel Estalagem negou que alguma vez tivesse dado ordens ao major Pinto da Costa para ir a Tancos “fazer diligências” em julho ou agosto de 2017: “Nunca autorizei nada disso”.
Segundo o líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, hoje de manhã na audição à porta fechada o major Pinto da Costa terá afirmado que a investigação continuava na PJM apesar de ter passado formalmente para a Polícia Judiciária.
Sobre esta afirmação, o coronel Estalagem respondeu: “fui eu que entreguei o inquérito ao Departamento de Investigação e Ação Penal. Quem pensava que tínhamos o inquérito estava redondamente enganado. E todos os investigadores da PJM sabiam”, disse.
A única coisa que a PJM fez depois de o inquérito ter sido entregue à PJ foram “algumas inquirições”.
O coronel Estalagem recusou também que alguma vez tenha dado instruções expressas aos investigadores para “não escreverem o que andavam a fazer” e disse que nunca ouviu na PJM ninguém dizer que o “único objetivo era recuperar” o material furtado.
“Li isso no jornal, já depois de ter saído da PJM”, disse.
Apoiando-se no “memorando” divulgado pelo semanário Expresso sobre as operações de recuperação do material militar, Manuel Estalagem referiu que “dá a impressão de que havia neste momento dentro da PJM duas fações” e que se viu “envolvido nesta trama inadvertidamente”.
O furto de material de guerra foi divulgado pelo Exército a 29 de junho de 2017. Quatro meses depois, a PJM revelou o aparecimento do material furtado, na região da Chamusca, a 20 quilómetros de Tancos, em colaboração de elementos do núcleo de investigação criminal da GNR de Loulé.
Entre o material furtado estavam granadas, incluindo antitanque, explosivos de plástico e uma grande quantidade de munições.
A comissão de inquérito para apurar as responsabilidades políticas no furto de material militar em Tancos, pedida pelo CDS-PP, vai decorrer até junho de 2019, depois de o parlamento prolongar os trabalhos por mais 90 dias.
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