O Correio da Manhã noticiou na edição de 24 de dezembro que a nova secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, recebeu uma indemnização no valor de 500.000 euros por sair antecipadamente do cargo de administradora executiva da companhia aérea portuguesa, quando ainda tinha de cumprir funções durante dois anos.
Qual o percurso de Alexandra Reis?
Alexandra Reis tomou posse como secretária de Estado do Tesouro na última remodelação do Governo. Ingressou na TAP em setembro de 2017 e três anos depois foi nomeada administradora da companhia aérea.
A agora governante renunciou ao cargo em fevereiro e em junho foi nomeada pelo Governo para a presidência da Navegação Aérea de Portugal (NAV).
O que diz a secretária de Estado sobre a indemnização?
Numa declaração escrita enviada à Lusa, Alexandra Reis disse que o acordo de cessação de funções “como administradora das empresas do universo TAP” e a revogação do seu “contrato de trabalho com a TAP S.A., ambas solicitadas pela TAP, bem como a sua comunicação pública, foi acordado entre as equipas jurídicas de ambas as partes, mandatadas para garantirem a adoção das melhores práticas e o estrito cumprimento de todos os preceitos legais”.
“Nunca aceitei – e devolveria de imediato caso já me tivesse sido paga – qualquer quantia em relação à qual não estivesse convicta de estar ancorada no estrito cumprimento da lei”, sublinhou, garantindo que “esse princípio se aplica também aos termos” da sua “cessação de funções na TAP”.
Qual a posição do Governo?
Os ministros das Finanças e Infraestruturas e Habitação emitiram na segunda-feira um despacho onde pediam à administração da TAP "informações sobre o enquadramento jurídico do acordo" celebrado com a secretária de Estado, incluindo acerca da indemnização paga.
No despacho, as tutelas adiantaram que, “considerando a cessação de funções como vogal da Comissão Executiva da Transporte Aéreos Portugueses, S.A. (TAP, S.A.) de Alexandra Margarida Vieira Reis, com efeitos a 28 de fevereiro de 2022” e que “considerando os regimes legais aplicáveis à mencionada empresa pública, designadamente o Regime Jurídico do Setor Público Empresarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 133/2013, de 03 de outubro, e o Estatuto do Gestor Público, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março, ambos nas suas redações atuais”, os dois ministros decidiram solicitar ao Conselho de Administração da TAP “informação sobre o enquadramento jurídico do acordo celebrado no âmbito da cessação de funções como vogal da respetiva Comissão Executiva, de Alexandra Margarida Vieira Reis, incluindo sobre o montante indemnizatório atribuído”.
Hoje, os Ministérios das Finanças e das Infraestruturas e Habitação anunciaram, num comunicado conjunto, que “o Governo recebeu os esclarecimentos prestados pelo Conselho de Administração da TAP, em resposta ao despacho dos Ministros das Finanças e das Infraestruturas e Habitação sobre o enquadramento jurídico da cessação de funções societárias e laborais de Alexandra Reis com o Grupo TAP”.
“O Governo entendeu remeter de imediato os esclarecimentos prestados pelo Conselho de Administração da TAP à Inspeção-Geral de Finanças e à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários para avaliação de todos os factos que tenham relevância no âmbito das suas esferas de atuação”, lê-se na mesma nota.
Por sua vez, António Costa tinha hoje afirmado à Lusa que "desconhecia em absoluto os antecedentes" e que pediu esclarecimentos sobre a indemnização atribuída.
Questionado sobre as declarações de Alexandra Reis, o primeiro-ministro disse: "Quanto à Secretária de Estado do Tesouro, registo que se prontificou a devolver qualquer quantia que não lhe fosse devida e que recebeu nos termos acordados entre os advogados”.
Sobre se mantém a confiança na governante, o chefe do Governo respondeu que “quanto ao mais”, aguarda “o esclarecimento cabal dos factos e da sua qualificação jurídica”.
O que diz a TAP?
A TAP disse que Alexandra Reis pediu inicialmente 1,4 milhões de euros de indemnização no âmbito do seu acordo para cessar funções na companhia, lê-se na resposta ao pedido de explicações do Governo.
"Como contrapartida pela cessação de todas as referidas funções contratuais, e não obstante a pretensão inicial de AR [Alexandra Reis] se cifrar em 1.479.250 euros, foi possível reduzir e acordar um valor global agregado ilíquido de 500.000 euros a pagar" à atual governante, pode ler-se no documento hoje divulgado.
De acordo com a TAP, deste valor, 56.500 euros “correspondem especificamente à compensação pela cessação do contrato de trabalho de trabalho sem termo de AR como diretora da empresa”.
Por outro lado, “como contrapartida pela cessação antecipada dos contratos de mandato referentes às funções de administração, foi acordada uma compensação global agregada ilíquida de 443.500 euros”, sendo que, subjacente a esta “se consideram (embora de forma não discriminada) duas rubricas em negociação”.
Estas rubricas são 107.500 euros de “remunerações vencidas reclamadas, correspondentes a férias não gozadas” e 336.000 euros “de remunerações vincendas, correspondentes a cerca de 1 ano de retribuição base, considerando a retribuição ilíquida sem reduções decorrentes dos acordos de emergência ou outras deduções”.
O que tem dito Marcelo?
O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, considerou na segunda-feira que o esclarecimento sobre o acordo celebrado entre a TAP e a secretária de Estado Alexandra Reis “é importante para todos”.
“Se os dois ministros pedem esclarecimentos, é porque, aparentemente, sentem que é fundamental para o esclarecimento dos portugueses o perceber-se aquilo que aconteceu efetivamente”, afirmou.
Já no dia de hoje, Marcelo defendeu também que seria preciso “esclarecer todo” o acordo celebrado entre a TAP e a secretária de Estado Alexandra Reis para, numa segunda fase, se retirarem ou não consequências.
“Deve-se começar pelo início, ou seja, pelo esclarecimento e, depois, dado o esclarecimento, aí se retirará ou não as consequências daquilo que foi esclarecido”, disse.
“A questão é muito simples, há um apuramento que está a ser feito na sequência dos pedidos dos senhores ministros, portanto, aguardemos todos esses esclarecimentos”, afirmou o presidente da República.
Questionado pelos jornalistas, Marcelo Rebelo de Sousa disse que pronunciar-se sobre se Alexandra Reis deve continuar a merecer a confiança do Governo para se manter no cargo antes de perceber a situação seria “pôr o carro à frente dos bois”.
O Presidente da República disse haver “questões de direito e de política, de imagem política ou de compreensão política” que estão ligadas entre si e que, portanto, é preciso perceber.
E o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC)?
O SPAC refere que "não se percebe como foram tomadas" as decisões indemnizatórias na TAP, "numa empresa em situação económica difícil", segundo um comunicado interno a que a Lusa teve acesso.
O sindicato salienta que se trata de uma empresa “que apela ainda, a todos, por esforços para reduzir custos e aumentar receitas e onde muitos funcionários continuam a sofrer cortes salariais e a ver as suas condições de trabalho delapidadas, e ainda, onde outros foram empurrados para fora, despedidos ao abrigo de critérios e processos nada humanos e muito pouco claros”.
Ora, “os pilotos saberão extrair daqui as devidas consequências, continuando a pugnar, ainda com maior exigência, por condições de trabalho justas, dignas e adequadas ao mercado em que a sua categoria profissional se insere, bem como, irão sempre opor-se a opções de gestão que não tenham a sustentação lógica e económica do seus interesses e da empresa para a qual trabalham”, lê-se no comunicado interno.
“Convém desde logo deixar claro que este sindicato defenderá sempre o cumprimento dos acordos firmados entre entidades empregadoras e os seus trabalhadores, no entanto, o que se questiona são as razões para a tal alegada indemnização e os termos do contrato onde se baseará a mesma”, aponta o SPAC.
Referindo que “é bom saber” que o setor da aviação em Portugal “tem vindo a ser abordado num crescendo de importância hierárquica do Estado”, o SPAC questiona ainda “quem é que está bem informado, quem fala verdade e quais as consequências a extrair”.
Qual a opinião dos partidos?
- O PSD acusou o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, de não saber o que se passa na gestão da TAP e classificou como “revoltante” o caso que envolve a secretária de Estado do Tesouro.
- O PAN considerou "incompreensível" uma indemnização de 500 mil euros numa empresa intervencionada pelo Estado, exortando o Governo a dar explicações sobre a saída da atual secretária de Estado do Tesouro da TAP.
- O Chega enviou uma queixa à Inspeção-geral de Finanças, a pedir uma investigação às nomeações feitas pelo ministro das Finanças “para empresas públicas que tutela” e às indemnizações pagas “a funcionários que saem por sua própria iniciativa”.
- O CDS-PP defendeu que a secretária de Estado do Tesouro "deixou de ter quaisquer condições pessoais e políticas" para continuar no Governo devido ao prémio que recebeu quando saiu da TAP.
- A Iniciativa Liberal classificou como um "desrespeito pelos contribuintes" haver "alguém no Governo" que recebeu uma indemnização de meio milhão de euros para deixar a TAP, como a secretária de Estado do Tesouro.
- O Bloco de Esquerda pediu a audição parlamentar urgente dos ministros das Finanças e das Infraestruturas, da secretária de Estado do Tesouro e da presidente da TAP sobre a indemnização paga.
*Com Lusa
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