Anne-Elisabeth Falkevik Hagen, então com 68 anos anos, foi vista pela última vez em 31 de outubro de 2018, na sua residência em Fjellhamar, Lørenskog, a 20 quilómetros de Oslo.

O desaparecimento, contudo, só seria tornado público a 9 de janeiro de 2019, altura em que se ficou a saber que o desaparecimento se tratava efetivamente de um rapto. A justificação prendeu-se com o facto de serem necessárias informações que permitissem avançar com a investigação.

"A razão para nós tornarmos público este caso agora é que, apesar de uma ampla e extensa investigação, precisamos de mais informações", salientou em conferência de imprensa o investigador-chefe, Tommy Brøske.

Foi então que a família, juntamente com a polícia, comunicou que na residência do casal Hagen - Anne-Elisabeth e Tom - tinha sido encontrada uma carta dos supostos sequestradores exigindo um resgate em criptomoedas. As autoridades norueguesas nunca avançaram com o valor em concreto, mas o jornal norueguês VG noticiou que o valor seria de nove milhões de euros em Monero — o que equivale a cerca de 520 milhões de euros. O jornal dava ainda conta que a carta afrimava que Anne-Elisabeth seria morta caso a polícia viesse a estar envolvida no processo.

O investigador-chefe recusou comentar estas alegações, afirmando apenas que "as ameaças (na nota) eram de um caráter muito sério" e que a polícia estava a trabalhar "no caso há várias semanas". Todavia, salientou que, no ponto da investigação em que se encontravam, ainda não existiam suspeitos. 

O inspetor — que funcionava como locutor da situação — deu ainda conta de que a polícia também já tinha estabelecido uma linha de comunicação com os responsáveis que alegadamente tinham orquestrado o rapto de Anne-Elisabeth. 

"Os perpetradores escolheram uma via de comunicação digital que a limita. Não houve contacto verbal", explicou Brøske, citado pelo Norway Today, um jornal independente norueguês em língua inglesa.

Inspetor Tommy Brøske
créditos: EPA/OLE BERG-RUSTEN

As autoridades foram forçadas a reconhecer que não sabiam quem eram os responsáveis ou até mesmo se a mulher estava viva, de acordo com o New York Times (NYT). Contudo, a polícia aconselhou Tom Hagen a não fazer qualquer pagamento — algo que este acatou.

O mediatismo em torno de uma figura pública como a de Hagen levou a que o caso tivesse sido notícia de primeira página e dominasse as manchetes dos órgãos de comunicação locais. Porém, as autoridades revelaram que vários jornais noruegueses já sabiam do rapto há "mais de um mês" antes deste ser oficialmente comunicado, mas que se tinham abstido de o reportar a pedido da polícia para não comprometerem as investigações, nem a vida de Anne-Elisabeth.

Foi também durante esse período que as autoridades divulgaram um vídeo de vigilância em que era possível constatar três indivíduos à porta do escritório de Hagen e uma carrinha suspeita no dia do desaparecimento.

A mudança de paradigma na investigação

Alguns meses depois, a 26 de junho de 2019, a polícia volta fazer uma conferência de imprensa para dar conta dos desenvolvimentos da investigação. É neste momento que existe uma mudança radical quanto ao rumo inicial, pois não só fala na possibilidade de a mulher do empresário norueguês estar morta, como coloca em cima da mesa a possibilidade de o rapto ter sido encenado.

"É mais provável que [Anne-Elisabeth Hagen] tenha sofrido um ato criminalmente grave, consideramos menos provável que se trate de um sequestro por razões económicas. A principal hipótese mudou agora para homicídio", indicou o inspetor Tommy Brøske.

O inspetor não se alongou sobre qual seria o motivo do crime, contudo aludiu a vários fatores para explicar a mudança nas especulações da polícia norueguesa, que manteve o seu último contacto com os alegados sequestradores no início de fevereiro.

"Entre outras coisas, o tempo que passou, a falta de sinais de vida, a escolha de uma forma inadequada de comunicação e a pouca disposição para a comunicação e o contacto", precisou Brøske.

O mediatismo do caso desencadeou um grande destacamento operacional, com buscas de mergulhadores no lago adjacente à casa do casal Hagen e uma extensa investigação que teve o apoio da Interpol e da Europol.

Porém, o advogado da família, Svein Holden, reagiu à comunicação afirmando não concordar com a visão das autoridades. "A polícia dá praticamente conta de que nunca aconteceu um rapto, mas sim que houve uma encenação de um rapto para encobrir um homicídio — é uma noção que não partilho", disse, citado pela Norway Today. Holden acrescentaria que nenhum membro da família sentia que pudesse elencar na lista de suspeitos da polícia.

Mas quem é Tom Hagen? 

Não existe muita informação disponível sobre Tom Hagen. Sabe-se que além de partilhar nome com o Consigliere (e advogado) d’O Padrinho (a personagem é interpretada no filme de Francis Ford Coppola por Robert Duvall), tem 70 anos, e fez fortuna através de uma das principais empresas de energia da Noruega (Elkraft), que fundou no início dos anos 90 e da holding que detém e que está ligada ao ramo imobiliário. 

É descrito como sendo um homem de negócios que não aparece muito nos meios de comunicação, mas a revista norueguesa Kapital coloca a sua fortuna pessoal na posição 164 das maiores da Noruega, atingindo os 1,7 mil milhões de coroas suecas (cerca de 174 milhões de euros). Segundo o jornal local VG, Tom casou com Anne-Elisabeth Falkevik Hagen em 1979. Têm três filhos adultos, vários netos e viviam numa casa modesta na vila de Fjellhamar, em Lørenskog, perto da capital Oslo.

Mostrar sinais de riqueza não é prática muito comum na Noruega, pois este é um país onde a geralmente a população tem orgulho no espírito igualitário que ostenta. No entanto, segundo o New York Times (NYT), o rapto de Anne-Elisabeth suscitou um debate sobre um aspecto essencial para a prática real dessa cultura: de que seja de lei que a declaração de impostos de cada indivíduo seja pública. Porém, um dos receios de tal legislação, reside no facto das classes mais ricas puderem vir a ser alvo de ataques.

Anne-Elisabeth Hagen fez parte da administração da holding do marido até setembro de 2019, de acordo com a estação pública norueguesa NRK. Ou seja, até pouco tempo antes da data do seu desaparecimento. E, durante esse período, o jornal VG indica que Hagen esteve envolvido num processo judicial contra uma empresa de consultoria financeira e um consultor que representava a empresa russa metalúrgica Severstal (assim pelo menos acredita a autoridade nacional que investiga os crimes económicos e ambientais no país, a Økokrim). Segundo foi apurado, a operação em questão terá feito com que Hagen (e um sócio) perdesse 3,8 milhões de euros. 

Monero, a criptomoeda do resgate 

A modesta casa da família em Lørenskog, uma pequena cidade de classe média, perto de Oslo, era, segundo o o New York Times, a mesma onde vivia Tom Hagen antes de fazer a sua fortuna, .

O jornal adianta que a polícia acredita que a mulher foi levada da sua casa na manhã de 31 de outubro. Assim como vários órgãos de comunicação noruegueses, citando fontes anónimas das autoridades, noticiariam de que não há qualquer prova que aponte para tenha existido uma entrada forçada na casa. No entanto, existem indícios de que houve um conflito na casa de banho — e há ainda a importante carta de resgate. 

Durante a conferência de imprensa em que as autoridades norueguesas revelaram que acreditavam que afinal o rapto não passou de uma encenação, houve alguns detalhes sobre a carta encontrada na residência dos Hagen que vieram à baila: "Não excluímos a possibilidade do papel ter sido vendido na Noruega", disse o investigador-chefe, Tommy Brøske.

A nota de resgate era difícil de decifrar (estava escrita num norueguês mal amanhado), mas foi deixada a Tom Hagen. E continha ameaças de morte e avultados pedidos de pagamentos em Moreno, uma criptomoeda virtual não regulamentada conhecida pelas suas transações anónimas.

"É mais difícil seguir o dinheiro com a Monero. Tem ganho alguma tração entre os criminosos, mas a sua segurança pode ser falsa: trabalhos académicos já demonstraram que há falhas e pontas soltas no seu anonimato", explicou Torbjørn Bull Jenssen, CEO da Arcane Crypto, empresa que trabalha com o mercado das criptomoedas.

Jenssen acrescenta ainda que a quantia pedida no resgate é irrealista — o mercado de Moreno é relativamente pequeno. "[A quantia] representa 1% de todas as Moreno disponíveis. Os autores, caso recebessem a soma, teriam depois dificuldades em encontrar compradores", justifica. 

A polícia norueguesa, segundo o NYT, teve de pedir ajuda internacional. Não que existam ligações com outros países, mas porque simplesmente não existem muitos casos semelhantes na Noruega. 

O caso expôs também a utilização das criptomoedas em atividades ilegais, algo que levou à iniciação de apelos no sentido de as regular ou até mesmo de as proibir. Porém, Carsten Schurmann, da Universidade de Copenhaga, é da opinião de que os governos estão muito atrasados no que toca ao mundo criptocorrência. 

A detenção, a acusação e a negação

Terça-feira, 28 abril de 2020. O milionário norueguês Tom Hagen, cuja mulher está desaparecida há 18 meses, é detido a caminho do trabalho por suspeita de homicídio ou colaboração em homicídio da mulher.

"Não houve nenhum sequestro nem quaisquer negociações. Foi tudo uma manobra de distração planeada", revelou o inspetor da polícia Tommy Brøske, em conferência de imprensa naquele dia.

Brøske escusou-se a comentar as suspeitas existentes e os supostos motivos do milionário para matar a mulher, alegando que a investigação ainda está em aberto. As conclusões da investigação foram apresentadas na quarta-feira, dia 29, à justiça, tendo sido pedidas quatro semanas de prisão preventiva para Tom Hagen.

Em comunicado, a Polícia de Øst, uma das entidades que está a investigar o caso, de acordo com a CNN, revelou que "é importante enfatizar que, apesar de termos acusado Tom Hagen, o caso ainda está a ser investigado e há várias questões por responder", pois é "importante clarificar o papel desempenhado" pelo empresário na situação. 

"Quando o caso surgiu, a nossa teoria principal era de que Anne-Elisabeth Hagen havia sido raptada por alguém motivado por razões económicas. Em junho de 2019, começámos a acreditar que ela provavelmente foi assassinada. Agora, acreditamos que não existiu nenhum rapto e de que não existiram quaisquer negociações. Por outras palavras, tratou-se de uma clara e bem planeada tentativa de enganar a polícia", afere o comunicado.

Segundo a CNN, o sistema legal norueguês permite que a polícia tenha em custódia um indivíduo suspeito de um crime até que sejam apresentadas formalmente as queixas. E enquanto Hagen estava na esquadra detido, a polícia encontrava-se a revistar a sua casa, carro e escritório à procura de provas que sustentem as suas acusações.

O advogado de Hagen, Svein Holden, porém, revelou aos jornalistas à saída da esquadra, após ter reunido com o seu cliente, de que este mantém a mesma posição de inocência de sempre. "Ele mantém fortemente a posição de que não tem nada a ver com isto", reiterou.

* Com agências