“Expressamos a nossa profunda preocupação quanto à adoção, pelo parlamento húngaro, de legislação discriminatória em relação às pessoas LGBTQI (lésbicas, ‘gays’, bissexuais, transgénero, ‘queer’ e intersexuais) e que viola o direito à liberdade de expressão sob o pretexto de proteger as crianças”, escreveram os 13 Estados-membros.
A declaração, divulgada à imprensa, foi debatida esta tarde, no Luxemburgo, numa reunião dos ministros dos Assuntos Europeus dos 27.
Redigido por iniciativa da Bélgica, o texto foi assinado por mais 12 Estados-membros: Holanda, Luxemburgo, França, Alemanha, Irlanda, Espanha, Dinamarca, Finlândia, Suécia, Estónia, Letónia e Lituânia.
“Instamos a Comissão Europeia, enquanto guardiã dos tratados, a utilizar de imediato todos os instrumentos ao seu dispor para garantir o pleno respeito do direito europeu, incluindo recorrer ao Tribunal de Justiça da UE”, lê-se no documento
Portugal não consta entre os países subscritores do documento. Ao SAPO24, fonte da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia referiu que "enquanto Presidência rotativa do Conselho (e seguindo uma prática habitual na UE), Portugal não se associa a declarações de grupos de Estados-membros, uma vez que lhe compete exprimir a posição comum do Conselho".
"Como a Secretária de Estado dos Assuntos Europeus (SEAE), Ana Paula Zacarias, referiu hoje, na conferência de imprensa no final do Conselho de Assuntos Gerais (CAG), 'Como Presidência do Conselho, Portugal tem um dever de neutralidade inerente a essa função, ao qual se soma o facto de estarmos hoje a presidir a um Conselho de Assuntos Gerais no qual foi realizada uma audição à Hungria ao abrigo do Artigo 7º do TUE.'", lê-se na resposta dada.
"Já esta manhã, a SEAE, enquanto Presidência do CAG, tinha afirmado: 'Acho que é muito importante que todos nós percebamos que as cores do arco-íris unem a nossa diversidade'", referiu ainda a mesma fonte.
Ana Paula Zacarias tinha ainda justificado a posição portuguesa referindo que "temos o papel de ‘mediador honesto’ que tem um preço: o preço é o de que não pudemos assinar o documento hoje".
A Secretária de Estado dos Assuntos Europeus afirmou, todavia, que a "posição de Portugal é muito clara no que se refere à tolerância, ao respeito pela liberdade de expressão, e aos direitos das pessoas LGBTIQ. Não há absolutamente nenhuma dúvida sobre a posição de Portugal nesta questão", salientou a responsável.
Afirmando assim que é “claro” que teria assinado a carta se tivesse sido a título individual, Ana Paula Zacarias reiterou que a declaração não foi assinada por Portugal porque o país assume atualmente a liderança do Conselho da UE.
A secretária de Estado relembrou assim as palavras que pronunciou hoje de manhã à entrada para o Conselho de Assuntos Gerais, onde referiu que “as cores do arco-íris unem a diversidade”, em referência às críticas feitas pela Hungria à autarquia de Munique por querer iluminar o seu estádio com as cores associadas à comunidade LGBT.
“Acho que a declaração desta manhã foi muito clara relativamente à posição que temos sobre este assunto”, afirmou a responsável.
A Hungria aprovou a 15 de junho uma lei proibindo “a promoção” da homossexualidade junto de menores de 18 anos, o que desencadeou a inquietação dos defensores dos direitos humanos, numa altura em que o Governo conservador de Viktor Orbán multiplica as restrições à comunidade LGBT.
O novo diploma húngaro “introduz uma proibição da ‘representação e da promoção de uma identidade de género diferente do sexo à nascença, da mudança de sexo e da homossexualidade’ junto de pessoas com menos de 18 anos”, indicam os países signatários, condenando “uma forma flagrante de discriminação assente na orientação sexual, na identidade e na expressão do género”.
“A inclusão, a dignidade humana e a igualdade são valores fundamentais da nossa União Europeia, e não podemos transigir quanto a esses princípios”, sustentam.
“A estigmatização das pessoas LGBTQI constitui uma violação manifesta do seu direito fundamental à dignidade, tal como consagrado na Carta Europeia dos Direitos Fundamentais e no direito internacional”, sublinham os 13 signatários no documento.
Segundo a chefe da diplomacia belga, Sophie Wilmès, trata-se de “um apelo claro à ação”.
“A Europa dos valores não é um menu ‘à la carte’”, afirmou a ministra, citada em comunicado.
“Nós temos a obrigação de dizer aos nossos parceiros quando estamos profundamente convictos de que eles escolheram o caminho errado”, acrescentou.
O chanceler do Luxemburgo, Jean Asselborn, disse que a aprovação desta legislação na Hungria é simplesmente "indigna da Europa", porque "as pessoas têm o direito de viver como quiserem, não estamos na Idade Média". Já o ministro francês dos Assuntos Europeus, Clément Beaune, disse que a lei húngara "cria claramente uma discriminação contra a orientação sexual, contra a homossexualidade, a qual compara com uma forma de ameaça, ou propaganda".
O vice-ministro alemão de Assuntos Europeus, Michael Roth, denunciou disposições que "violam claramente os valores da União Europeia".
A legislação húngara já tem sido alvo preocupação por parte das instâncias europeias há vários anos, mas este caso em concreto de limitação dos direitos LGBTQI+ surge num contexto muito particular: não só a lei foi aprovada em junho, mês do orgulho LGBTQI+, como ocorreu em pleno Euro2020, sendo Budapeste uma das capitais europeias anfitriãs do torneio.
Uma das ramificações desta controvérsia foi a iniciativa da cidade de Munique em iluminar o estádio Allianz Arena com as cores do arco-íris no jogo entre Alemanha e Hungria, que decorre esta quarta-feira às 20:00. A UEFA rejeitou a iniciativa, assumindo a sua neutralidade — o que mereceu elogios do estado húngaro e condenação de vários setores políticos e do mundo do futebol. De resto, a cidade bávara já fez saber que vai avançar à mesma com a iluminação, não obstante as possíveis sanções.
"Notícias falsas"
O ministro dos Negócios Estrangeiros da Hungria, Peter Szijjarto, já veio rejeitar as críticas europeias e afirmou que são "notícias falsas".
De acordo com o ministro húngaro, a polémica legislação não está "direcionada contra nenhuma comunidade na Hungria, apenas contra os pedófilos".
"Esta lei não diz nada sobre a orientação sexual dos adultos. Ela constata apenas que, enquanto as crianças forem menores de 18 anos, a sua educação sexual é responsabilidade exclusiva dos pais, é só isso", insistiu. Szijjarto acrescentou que a votação no Parlamento húngaro é "uma competência nacional que não deve ser questionada".
A Hungria já é alvo de outros processos por parte da UE, assim como a Polónia, por denúncias de abusos contra o Estado de Direito.
Neste contexto, os ministros desses dois países deverão dar explicações aos seus pares na reunião desta terça-feira.
Esta será a quarta audiência para o governo polaco, acusado de atacar a independência do poder judiciário. E será a terceira para a Hungria, acusada de ameaçar a independência dos juízes, assim como de cometer violações da liberdade de expressão e dos direitos dos migrantes e refugiados, em particular.
[Notícia atualizada às 20:26 — Inclui declarações da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia]
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