Segundo despacho do coletivo de juízes a que a agência Lusa teve acesso, e em conformidade com o decidido na última audiência de julgamento, o tribunal comunicou, através do sistema informático CITIUS, aos advogados e aos assistentes a alteração de "factos relevantes para a boa decisão da causa".
A leitura do acórdão do julgamento do caso dos Comandos, relativo à morte dos recrutas Dylan da Silva e Hugo Abreu em setembro de 2016, foi adiada na segunda-feira devido a problemas técnicos de gravação no Tribunal de Monsanto, em Lisboa, tendo antes os juízes informado os advogados e assistentes que pretendiam comunicar a alteração de factos da acusação, questionando os intervenientes se o podiam fazer via CITIUS, o que foi aceite sem objeções.
Notificados os intervenientes sobre a alteração dos factos da acusação, o tribunal pede, no mesmo despacho, que aqueles se pronunciem no prazo de 10 dias, nomeadamente se pretendem requerer produção de prova, ou seja novas diligências processuais.
Alexandre Lafayette, advogado de defesa do tenente-coronel Mário Maia, diretor da prova dos Comandos, e do sargento instrutor Ricardo Rodrigues, avançou à Lusa que não vai pedir novas diligências de prova porque entende que as alterações aos factos apontadas pelo tribunal "são favoráveis" aos seus constituintes, designadamente quanto à intervenção do tenente-coronel Mário Maia para que fosse interrompida a prova.
A Lusa tentou obter um comentário do advogado Ricardo Sá Fernandes, que representa a família dos recrutas Dylan Silva e Hugo Abreu, mas até ao momento tal não foi possível.
Da alteração e acerto de factos consta do despacho do tribunal que "às 15:00 horas do dia 04 de setembro, as temperaturas média, máxima e mínima registadas na estação meteorológica de Pegões, eram respetivamente de 40.2ºC, 40.9ºC e 39.1ºC e na estação meteorológica de Coruche de 38.3ºC, 39.6ºC e 37.5ºC".
Quanto às alterações comunicadas, o tribunal considerou ainda que "em momento não determinado a situação de saúde de Hugo Abreu foi-se agravando, tendo culminado com a paragem cardiorrespiratória que lhe sobreveio" e que "a tenda onde ele e Diogo Neves foram colocados não tinha refrigeração".
De acordo com as alterações apontadas pelo tribunal, "o arguido Mário Maia, tendo verificado a existência de um elevado número de instruendos dos Grupos P1 e P2 de Praças, que se encontravam com dificuldades em executar os exercícios nas instruções de técnicas de combate 2, chamou o arguido Miguel Domingues (medico), que os observou, tendo determinado que Ailton Spínola fosse transportado para a tenda de enfermaria, ficando a soro".
Apurou ainda o tribunal que "face à elevada temperatura que se fazia sentir, aos exercícios realizados, ao ritmo da instrução e ao racionamento da água, todos os instruendos denotavam um elevado estado de cansaço e desidratação".
Outra alteração dos factos refere que "após o almoço, o arguido Mário Maia falou ao telefone com o Comandante do Regimento de Comandos, Dores Moreira, alertando-o para o calor que se fazia sentir, tendo aquele sugerido que no dia seguinte, fosse alterado o horário das instruções a ministrar."
"A decisão de interrupção da Prova Zero foi tomada após o arguido Mário Maia ter ouvido os arguidos Miguel Domingues e o Rui Monteiro", lê-se noutra das alterações dos factos da acusação.
Das alterações constam também que "o arguido Miguel Domingues transmitiu que tinha vários instruendos na enfermaria e que não tinha recursos para acompanhar as instruções subsequentes e que o arguido Rui Monteiro se pronunciou no sentido de não prosseguir a prova tendo em conta as exigências das instruções programadas".
A procuradora do Ministério Público pediu em julgamento a condenação de cinco dos 19 arguidos a penas de prisão entre dois e 10 anos.
Dylan da Silva e Hugo Abreu, à data dos factos com 20 anos, morreram e outros instruendos sofreram lesões graves e tiveram de ser internados durante a “prova zero” (primeira prova do curso de Comandos), que decorreu em Alcochete, Setúbal, em 04 de setembro de 2016.
Oito oficiais, oito sargentos e três praças, todos dos Comandos, a maioria instrutores, foram acusados de abuso de autoridade por ofensa à integridade física. Segundo a acusação, os arguidos atuaram com “manifesto desprezo pelas consequências gravosas que provocaram nos ofendidos”.
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