As declarações James Comey representam o episódio mais recente de uma guerra de palavras com Trump, que algumas horas antes — numa série de mensagens publicadas no Twitter — criticou o ex-diretor do FBI e sugeriu que este deveria estar preso.

A entrevista de Comey ao canal ABC foi exibida antes do lançamento, na terça-feira, do seu livro de memórias, "A Higher Loyalty: Truth, Lies and Leadership" [Uma lealdade maior: verdade, mentiras e liderança], no qual descreve os contactos com o presidente republicano.

"Não acredito que ele [Trump] esteja medicamente incapacitado para ser presidente. Eu acredito que ele está moralmente incapacitado para ser presidente", disse Comey na sua primeira entrevista desde que foi demitido, em maio de 2017.

Trump demitiu Comey de forma abrupta, inconformado com a investigação de um possível envolvimento da sua equipa de campanha eleitoral  com a Rússia, em 2016, para prejudicar a candidata democrata Hillary Clinton.

O ex-diretor do FBI também comentou na entrevista como Trump "fala sobre as mulheres e as trata como se fossem pedaços de carne". Segundo Comey, Trump "mente constantemente sobre assuntos grandes e pequenos".

Comey afirmou ainda que servir o governo Trump cria um sério dilema ético.

"O desafio com este presidente é que ele será uma mancha para todos os que trabalhem consigo", declarou à ABC.

"E a pergunta é: quando é que uma mancha é muito grande, e o quando é que a mancha eventualmente deixa-o incapaz de alcançar o objetivo de proteger e servir o seu país?", questionou.

Material comprometedor?

No seu livro, Comey descreve Trump como uma pessoa desonesta e egocêntrica, um chefe da máfia, e afirma que o presidente solicitou ao então diretor do FBI a sua lealdade pessoal.

"Nunca pedi lealdade pessoal a Comey. Nem sequer o conhecia. É somente outra das suas muitas mentiras. Os seus 'memorandos' são de autosserviço e FALSOS!", escreveu o presidente norte-americano no Twitter antes da exibição da entrevista.

O presidente também afirmou que Comey administrou "estupidamente" uma investigação sobre Hillary Clinton, concentrada no uso, por parte da democrata, de um servidor privado de e-mail quando esta era secretária de Estado.

Numa outra publicação na rede social, Trump comentou diretamente o lançamento do livro: "As grandes perguntas não são respondidas no livro de Comey, como por exemplo como é que entregou informação confidencial (prisão), porque é que mentiu ao Congresso (prisão)?", entre outras coisas.

Na entrevista, Comey disse que não tinha certeza se os russos teriam ou não material comprometedor que poderia ser usado para extorquir Trump, relacionado com atividades anteriores à eleição ou com as suas ações durante a campanha.

"Acredito que é possível. Não sei", limitou-se a responder.

Possível obstrução

Comey também diz que o presidente pode ter praticado obstrução de justiça quando pediu que abandonasse uma investigação sobre o seu ex-conselheiro de Segurança Nacional Michael Flynn.

"Certamente há alguma evidência de obstrução de justiça", disse Comey. "Dependerá de outras coisas que aconteceram como consequência da sua tentativa".

Trump e os seus aliados estão a responder às declarações de Comey na imprensa com ataques sobre o modo como o ex-diretor do FBI geriu a investigação sobre os e-mails de Clinton.

Comey admitiu na entrevista que a sua convicção de que Hillary Clinton venceria as eleições presidenciais de 2016 influenciou a sua forma de administrar a investigação sobre a democrata.

O ex-diretor do FBI disse que a decisão de anunciar a reabertura da investigação sobre o uso por parte de Clinton de um servidor privado de correio eletrónico quando era secretária de Estado — apenas 11 dias antes da votação — tinha o objetivo de assegurar a legitimidade da eleição.

"Não me recordo de ter afirmado, mas tinha que ser assim, porque ela seria eleita presidente e se eu escondesse isto do povo americano, ela seria ilegítima no momento em que fosse eleita, no momento que isto fosse revelado", disse Comey.

Hillary Clinton já afirmou que considera o anúncio de Comey sobre a reabertura da investigação causou a sua derrota.

Trump escreveu no Twitter sobre o episódio: "Ele tomou decisões tendo por base o facto de pensar que ela venceria e que ele queria um trabalho. Canalha!" (slimeball, ou bola de gosma na tradução literal da palavra).

No seu livro, Comey destaca que respeita a natureza confidencial da investigação do procurador especial Robert Mueller na procura de respostas sobre o eventual envolvimento da campanha eleitoral de Trump com os russos e a possível obstrução de justiça por parte do presidente.