“Já recebemos na Europa quase um milhão de refugiados da Ucrânia. Vamos assistir [à vinda de] milhões mais. E é por isso que precisávamos desta legislação apropriada para dar proteção às pessoas” que fogem da invasão russa, disse Ylva Johansson, numa conferência de imprensa após uma reunião de ministros dos Assuntos Internos da UE, na qual foi alcançado um “acordo histórico” para ativar, pela primeira vez, a diretiva que concede proteção temporária no bloco a refugiados.

Congratulando-se por diversas vezes com a “enorme solidariedade com a Ucrânia, os ucranianos” e até mesmo entre os 27, numa matéria que costuma dividi-los — o acolhimento de migrantes e refugiados -, afirmando-se mesmo “orgulhosa” nestes “tempos horríveis” de ser europeia, a comissária Johansson admitiu todavia que a UE “não pode ser ingénua”, pois a chegada de milhões de ucranianos em fuga aos horrores da guerra constitui “um desafio” de grandes dimensões.

Johansson manifestou-se, contudo, convicta de que o bloco europeu está hoje muito melhor preparado para esta crise, como o demonstrou a reunião de hoje.

“Nestes tempos horríveis, com o regresso da guerra à Europa, com esta agressão de [Vladimir] Putin, esta invasão de um país soberano vizinho, bombas a cair, vidas a perderem-se, estou orgulhosa de ser europeia, estou orgulhosa da solidariedade mostrada pelos cidadãos individuais da UE, governos locais e regionais, organizações não-governamentais, guarda-fronteiriços. E hoje também pudemos ver esta solidariedade no Conselho, onde fomos capazes de adotar unanimemente a implementação da diretiva, que nunca havia sido usada, embora exista há 20 anos”, disse.

Estabelecendo um paralelo com a crise migratória de 2015, Ylva Johansson enfatizou que “antes, os processos de requerimento de asilo levavam anos”, e desta vez a UE está a atuar com uma celeridade nunca vista: “a guerra começou há uma semana, tivemos uma reunião [de ministros dos Assuntos Internos no passado domingo, em que abordámos a ativação da diretiva de proteção temporária, e quatro dias depois acionámo-la. É um grande feito”, congratulou-se.

A presidência francesa do Conselho precisou que este “dispositivo vai ser aplicado a todos os cidadãos ucranianos e suas famílias, assim como beneficiários de proteção internacional, ou seja, alguém que já tivesse o estatuto de refugiado na Ucrânia, assim como cidadãos de países terceiros residentes de longa duração na Ucrânia”, sendo que, neste último caso, os Estados-membros “podem aplicar a diretiva de proteção temporária ou legislação nacional já adotada especificamente por alguns países”.

De fora do âmbito deste mecanismo ficam estudantes ou trabalhadores de curta duração, mas a comissária europeia sublinhou que também estão a ser apoiados, acolhidos na UE, e há “uma articulação com os seus países de origem”, com vista ao seu repatriamento.

Por unanimidade, os 27 deram hoje aval à proposta apresentada na quarta-feira pela Comissão Europeia de ativação da diretiva que permite conceder proteção temporária a refugiados, dirigida aos ucranianos que fogem da invasão russa, bem como de criação de “corredores” de emergência em controlos transfronteiriços.

Esta diretiva comunitária sobre proteção temporária no caso de afluxo maciço de pessoas deslocadas está em vigor desde 2001, mas nunca tinha sido ativada durante estes 20 anos.

Criada após os conflitos na ex-Jugoslávia, no Kosovo e noutros locais na década de 1990, a diretiva estabelece um regime para lidar com chegadas em massa à UE de estrangeiros que não podem regressar aos seus países, sobretudo devido a guerra, violência ou violações dos direitos humanos, assegurando proteção temporária imediata a estas pessoas.

Assente na solidariedade entre os Estados-membros, a diretiva prevê uma repartição equilibrada do esforço assumido pelos países da UE ao acolherem as pessoas deslocadas, não impondo, porém, uma distribuição obrigatória dos requerentes de asilo.

Esta legislação permitirá aos refugiados ucranianos permanecer até três anos na UE — até agora, as estadias dos detentores de passaporte ucraniano não podiam exceder os 90 dias -, trabalhar, aceder ao sistema escolar e receber cuidados médicos.